Thereza C Nahas[1]
Profesora Colabora UOC y Jueza Laboral
Tnahas@uoc.edu https://orcid.org/0000-0003-3534-9491
e-Revista Internacional de la Protección Social ▶ 2023
Núm. extraordinario ▶ pp. 131 - 146
ISSN 2445-3269 ▶ DOI: http://dx.doi.org/10.12795/e-RIPS.2023.mon.08
Recibido: 31.10.2023 | Aceptado: 15.11.2023
RESUMO |
PALAVRAS CHAVES |
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As crises por que passam a humanidade são responsáveis por diversas transformações sociais e econômicas. A evolução da sociedade, as mudanças geracionais e o impacto que a tecnologia proporcionou a movimentação de pessoas, bens e negócios resulta em algumas das causas de maior precarização nas relações de trabalho. A proteção social está em uma encruzilhada: o contingente de vulnerabilidades aumentou e as necessidades a serem atendidas extrapola, em muitas veze, as forças econômicas dos Estados. O trabalhador empreendedor é figura que surgiu nos espaços abertos deixados pelo direito do trabalho e vem se tornando um grupo cada vez maior, devendo ser incluídos no programa de proteção social e do trabalho decente. Incumbe aos Estados realizarem uma gestão adequada de proteção aos trabalhadores, bem como as empresas agirem com responsabilidade social e diligência devida. Somente assim será possível alcançar o desenvolvimento econômico e social, permitindo que os trabalhadores-empreendedores sejam retirados das sombras da precariedade. |
Empreendedorismo Novas relações de trabalho Proteção social Direitos fundamentais |
ABSTRACT |
KEYWORDS |
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The crises that humanity is going through are responsible for several social and economic transformations. The evolution of society, generational changes and the impact that technology has had on the movement of people, goods and businesses result in some of the causes of greater precariousness in work relationships. Social protection is at a crossroads: the number of vulnerabilities has increased and the needs to be met often go beyond the economic strengths of States. The entrepreneurial worker is a figure that emerged in the open spaces left by labor law and is becoming an increasingly larger group and should be included in the social protection and decent work program. It is up to States to carry out adequate management of worker protection, as well as companies to act with social responsibility and due diligence. Only in this way will it be possible to achieve economic and social development, allowing worker-entrepreneurs to be removed from the shadows of precariousness. |
Entrepreneurship New labor relations Social protection Fundamental rights |
II. EMPREENDEDORISMO E RELAÇÕES DE TRABALHO
III. MICROEEMPREENDEDOR E PROTEÇAO SOCIAL – A NECESSÁRIA INCLUSÃO
A cada crise que assola a humanidade, novos negócios surgem e outros desaparecem ou simplesmente se transformam. Não foi diferente com a crise financeira de 2008 (das subprimes) e não será diferente com a pandémica de 2020[2].
Pode-se dizer que as questões de alta complexidade e de latente discussão acabam por centrar-se nos temas da desigualdade social e na fratura do direito do trabalho que alguns países como Brasil, insistem em ignorar. A expectativa de desenvolvimento econômico e tecnológico mundial são incompatíveis com os sistemas tradicionais de relações de trabalho e inconciliáveis as características destas novas relações que, no mais das vezes, tem natureza global sem uma correspondente tutela jurídica da mesma natureza.
Um dos fenômenos de divergência no direito do trabalho está relacionado ao que se nominou de novas relações de trabalho, situação esta que surge, na verdade, em razão e como resultado das reestruturações empresariais e dos mercados de trabalho e económico[3].
É certo que a pandemia da COVID-19 cuidou de acentuar, ou simplesmente, evidenciar preocupações que já existiam e reclamavam ações que a OIT se dedica ao largo de seus mais de cem anos de história, especialmente no que concerne ao tema da proteção social:
A pesar de los encomiables avances logrados en la construcción de sistemas de protección social durante más de cien años, la mayoría de la población mundial sigue excluida de cualquier forma de seguridad social. Las enseñanzas extraídas de la COVID-19 confieren fuerza a los argumentos para que los países redoblen sus esfuerzos dirigidos a construir sistemas de protección social universales, adecuados e integrales, con inclusión de los pisos de protección social. Existe una preocupación real de que las repercusiones sanitarias, económicas y sociales de la pandemia puedan hacer descarrilar el progreso hacia la consecución de la Agenda 2030 y la realización de los derechos humanos (…). En vista de estos desafíos, los sistemas de protección social deben reforzarse enérgicamente para apoyar una recuperación inclusiva y sostenible, promover la justicia social y hacer realidad el derecho humano a la seguridad social para todos (…), poniendo el progreso hacia los ODS de nuevo en la vía correcta e incluso acelerándolo. La inversión en protección social es un impulsor esencial para los ODS, que contribuye a múltiples objetivos, en particular, el fin de la pobreza (ODS 1) y el hambre (ODS 2), y la promoción de la buena salud y el bienestar (ODS 3), la igualdad de género (ODS 5), el trabajo decente y el crecimiento económico (ODS 8), la reducción de las desigualdades (ODS 10), y la paz, la justicia y las instituciones fuertes (ODS 16). Además de apoyar las dimensiones económicas y sociales del desarrollo sostenible, la protección social también contribuye al pilar medioambiental, especialmente al ODS 13, a través de su función de facilitar una «transición justa» hacia economías y sociedades más ecológicas[4].
É dentro deste contexto e da máxima preocupação com a inclusão de trabalhadores no mercado de trabalho decente, que se faz necessário um olhar cuidadoso sobre outros tipos de vínculos de trabalho que não aqueles sujeitos ao tradicional contrato subordinado. Há que considerar a relação direta que esta máxima tem com as mudanças económicas e estruturais numa sociedade cada vez mais globalizada, digitalizada e consumista.
No decorrer da história do direito do trabalho e da luta travada especialmente pela formação de uma tutela efetivamente protetiva aos mais débeis, novos modelos de relações jurídica foram surgindo. A conveniência do mundo capitalista e consumista permitiu que o trabalhador intercambiasse a tutela do contrato de trabalho subordinado pelos riscos da atividade econômica própria. A relação que se estabelece é, no mínimo curiosa: ao mesmo tempo, o trabalhador sujeita-se a administração do negócio daqueles que detém os meios de manutenção e organização das estruturas empresariais, ou seja, ao empregador tradicional e, também, suporta ele próprio os custos do seu próprio negócio. Consequentemente, o que se nota é que se subordina a dois custos econômicos distintos: um do tomador da mão de obra; e, outro, do seu próprio negócio.
O que se pode concluir é que houve um caminho encontrado para fugir da “pesada carga” traçada pelo direito do trabalho tradicional já não se amolda às relações atuais cujo mosaico viabilizou que os Estados incentivassem a autonomia trabalhista, viabilizando a “inclusão” daqueles trabalhadores que estão à margem da proteção das regras trabalhista e social. Estabeleceu-se, assim, modelos paralelos, isto é, o cenário dos serviços se encontra preenchido pelos trabalhadores subordinados e, também, por aqueles que detém a condição de trabalhador autônomo/pessoa jurídica. Neste último caso, o trabalhador pode gozar da liberdade de não ter que se subordinar às regras pré-fixadas desenhadas para o contrato de trabalho por conta alheia.
Na década de 70 este movimento flexível foi fortemente desenvolvido. Quando se fomentou a flexibilidade do mercado de trabalho e verificou-se uma mudança profunda no modelo originário da relação subordinada. Tal fato, se deu por razões variadas inerentes a aspectos diversos do desenvolvimento humano, social e econômico[5]. Foi o início de uma oleada de novas formas de contratações que fugiram da relação direta trabalhador/empregador, transferindo de maneira incrível os custos e riscos da produção ao trabalhador especialmente de natureza autônoma, levando ao nascimento da figura do “precariado”[6]. Tal circunstância, conduz à necessária reflexão da questão relativa à subordinação e autonomia da relação laboral.
São vários os fatores que se somam e incrementam a consolidação do modelo de trabalhador empreendedor. Podemos elencar, entre outros, o nascimento e dispersão da economia colaborativa; o intenso e rápido aumento do trabalho desempenhado em plataformas digitais e com uso de tecnologias variadas; o interesse dos trabalhadores em poder usufruir de maior flexibilidade de tempo de trabalho[7] a fim de poderem conciliar a vida familiar e laboral; a oportunidade que as empresas viram em incrementar a produção com um custo reduzido; e, por fim, o interesse dos próprios países em tentar inserir os excluídos no mercado de trabalho em razão das diversas crises de emprego. Pode-se dizer que este modelo vem sendo adotado como uma alternativa para a empregabilidade.
A fixar um marco temporal, pode-se dizer que o empreendedorismo, como se tem sedimentado atualmente, nasceu depois da iniciativa do Presidente Barak Obama, em abril de 2014[8], quando criou o PAGE (Presidential Ambassador for Global Entrepreneurship). Tal programa teve por entidades de colaboração a American Entrepreneurs, White House, Departament of Commerce, Departament of State, US Agency for International Developement, Small Business Administration, National Aeronautics and Space Administration Partners. O objetivo deste programa foi justamente o de aproveitar a energia dos jovens, suas ideias e experiências para desenvolvimento das gerações de empreendedores americanos e estrangeiros. Contou com os seguintes pilares: (i) viabilizar oportunidades para acesso ao capital; (ii) permitir o acesso aos novos talentos para a educação; (iii) permitir o acesso para inspiração e esperança especialmente dos jovens. O programa efetivamente se preocupou com um outro problema que é o da inserção dos jovens no mercado de trabalho, população esta altamente vulnerável e que sofreu um impacto ainda maior com a crise da COVID-19[9].
Países como o Brasil, passaram a envidar esforços no incentivo para a adesão ao empreendedorismo com a promessa de maior inclusão social e econômica daqueles que desejam expandir seus (pequenos) negócios. Em apertada síntese, o empreendedorismo, na sua acepção mais fiel, é um tipo de negócio em que se pode identificar oportunidades para investir em algo que seja novo; além disso, permite que o empreendedor possa identificar oportunidades e criar seu próprio negócio, administrando-o. É uma interessante alternativa para aqueles que desejam livrar-se das obrigações que lhe são impostas pelas duras e inflexíveis cláusulas contratuais trabalhistas de muitos sistemas jurídicos, como o brasileiro. Todavia, este tipo de negócio, ao mesmo tempo que permite a suposta comodidade de uma proteção mínima, acaba por aprisionar e dificultar que o trabalhador possa negociar condições que vão atender melhor a conciliação entre sua vida privada e laboral.
Por outro lado, os sistemas de remuneração e condições de trabalho nem sempre atendem às expectativas dos trabalhadores, impedindo, muitas vezes, que possam alcançar o desejado status que atenderia mais fielmente a conveniência de seus interesses. O modelo tradicional contratual, acaba por ser incompatível com a sociedade da informação e com o universo cada vez maior de nômades digitais[10]. Além disso, muitos trabalhadores que estão presos aos modelos tradicionais de contratos, se deram conta, no curso da pandemia, que o sistema opressor das empresas tradicionais, às organizações complexas, às pressões do mercado e concorrência atuais, não merece a dedicação fiel e estrita que tradicionalmente os sujeitou ao modelo sob o qual se construiu o direito do trabalho[11].
Mas, o que parece ser um ponto instigante da reflexão, é saber por que o empreendedorismo pode mostrar-se como uma sombra ou uma falácia que no mais das vezes mascara a concretização de um sistema de proteção ao trabalhador; ao mesmo tempo que poderá ser a luz para uma proteção mínima eficiente.
Há que considerar antes de tudo que nos encontramos em uma verdadeira zona de transição entre o “velho” e o “novo”. Nesse caminho incerto, o relógio dos negócios e a necessidade de sobrevivência do ser humano, não permite um período longo de discussões. Cada dia, um maior número de trabalhadores, especialmente das novas gerações, se vê inadaptado. As rápidas transformações e as relações globais, não permitem a dedicação ao tempo de reflexão e de maturação que a formação das normas jurídicas reclama: as mudanças e a competição no mercado são urgentes e necessárias; a máquina dos investimentos, do desenvolvimento econômico e a sociedade de consumo não esperam. Há, por outro lado, um resultado cruel desta realidade: aqueles trabalhadores que não se adaptam ao modelo tradicional ou que não encontram uma colocação no mercado de trabalho veem-se seduzidos ou obrigados a optar por soluções alternativas oferecidas pelo próprio mercado. É exatamente neste momento, que se tornam empreendedores.
Por um lado, esta alternativa é interessante ao Estado que encontra um terreno menos combativo para incentivar as atividades daqueles que desenvolvem uma “consciência inconsciente” de que podem efetivamente administrar seus negócios (serviços e/ou produtos), não obstante sabem que caminham em terreno arenoso. Por outro lado, a máquina governamental, acaba valendo-se desta movimentação do trabalho subordinado ao trabalho autônomo, e do crescimento do número de empresas (pequenas e micro), para apresentar as estatísticas de redução das taxas do desemprego ou subemprego e demonstrar um maior crescimento econômico.
Não seria leviano afirmar que o empreendedorismo, também, mostra-se como um modelo interessante para o trabalhador, que se vê senhor do seu tempo de trabalho, sem os pesados encargos das obrigações e sujeições a que estão submetidos pela relação subordinada protegida pelos Códigos do Trabalho dos diversos países. Muitos trabalhadores já não desejam mais subordinar-se ao pesado fardo que a relação tradicional lhes traz[12]. Também, o empreendedorismo é uma forma que permite ao trabalhador manter (ou recobrar) a sua dignidade mínima, pois o mercado capitalista sempre tem espaço para aquele que tem um produto ou serviço a oferecer. A tecnologia permitiu que os trabalhadores pudessem chegar aos consumidores ou aos diversos elos das linhas de produção, o que antes somente seria possível por outros meios, como por exemplo, o do “empregador descentralizado”. É certo que, esta segunda possibilidade se mostra ainda mais complexa viabilizando a precarização e a discriminação inclusive, por exemplo, na fixação do preço da mão de obra no mercado global. O empreendedor está livre das burocracias do contrato de trabalho e ainda, a regulamentação deste tipo empresarial, lhe confere “alguma” proteção social dependendo da legislação a que estiver vinculado. Também, está livre para fixar o preço do serviço (mão de obra) a ser realizado, cuja negociação é estabelecida diretamente com aquele que quer contratar o resultado do serviço ou produto.
Todos estes movimentos crescem juntamente com as pressões que se acentuam sobre os Estados, que se veem na encruzilhada de ter que dar uma resposta eficaz e eficiente às relações internacionais e aos negócios globais, ao mesmo tempo que suportam às pressões internas por resultados de gestão eficiente. Isso tende a apresentar-se com maiores dificuldades, especialmente em Países em que os índices de corrupção, desigualdade e pobreza são maiores. Há compromissos firmados dentro de uma lógica global intensificada pelo acesso à informação e tecnologia, que já não permitem mais ocultar situações que violem direitos fundamentais e humanos construídos ao largo do século XX e que exigem uma resposta convincente e eficiente, especialmente dos Estados.
A crise pandêmica, reafirmou a necessidade de respeito ao ser humano e o colocou no centro de todas as preocupações[13]. As imagens que invadiram nossas casas pelos mais diversos canais de comunicação durante a crise pandêmica de 2020, parecem ter incrementado o sentimento de solidariedade humana. Com isso, as empresas e países que desejam desenvolver-se economicamente, devem centrar-se na inclusão social, no combate a desigualdade e pobreza[14] e na diligência devida[15]. E o discurso empreendedor cumpre, de certa forma, com este objetivo.
Como encontrar uma solução para a inclusão de milhões de trabalhadores que não estão formados para os novos negócios e que nascem num espaço cada vez mais virtual e olvidado pelas instituições? Como reduzir as taxas de desemprego e permitir que os trabalhadores possam ser inseridos nos mercados de trabalho quando não há postos de trabalho disponíveis?
A luz parece estar no empreendedorismo, modelo este em que o trabalhador “excluído” das relações tradicionais, se vê “incluído” num modelo que cresceu à sombra paralela das discussões entre autonomia e subordinação, aproveitando-se de um espaço em que os Estados por suas normas de liberdade econômica possa garantir um mínimo de “proteção social” àqueles que estão desprotegidos e marginalizados, ocupando subempregos ou simplesmente sendo ignorados por um sistema insuficiente e incompatível com as relações presentes, num tempo cada vez mais apressado e impactado pelo avanço da tecnologia da informação e da comunicação.
A consequência desta constatação é que o mundo do trabalho está dividido entre aqueles que tem conhecimento e estão protegidos e inseridos na modernidade do mundo líquido atual[16]; e aqueles que não foram formados (ou re-formados) e não estão preparados para os novos modelos de produção e serviço, seguindo à margem das mudanças. Para eles, os postos de trabalho são cada vez mais escassos ao mesmo tempo em que a mão de obra é cada vez mais abundante, havendo uma real desproporção entre número de postos de trabalho oferecidos e número de trabalhadores disponíveis. A ausência de um programa e de políticas públicas eficientes que possam favorecer a transição entre o “velho” e o “novo” e que sejam destinadas especialmente ao grupo precário de trabalhadores, faz com que sejam levados a buscar opções que lhes possam viabilizar a sobrevivência.
Os trabalhadores “olvidados” pelos mais diversos sistemas políticos estão em situações variadas, como por exemplo, os imigrantes, os jovens, os idosos e os ignorantes tecnológicos. A identidade de suas situações jurídicas e fáticas é que são levados à marginalização, estando impossibilitados de ocupar um espaço no mundo do trabalho digno, de modo que a opção que lhes resta, é a de ocupar os espaços que lhes oferece o “mundo empreendedor”.
Em meio aos fragmentos deixados pela crise econômica de 2008 e pelos resultados efetivos decorrentes das crises sanitária e energética, emerge as guerras Rússia e Ucrânia e, mais recentemente, Israel e Hamas cujas impactos sociais e econômicos efetivos ainda não sabemos quais serão. No mundo do trabalho, se assiste a cada dia um crescente movimento de trabalhadores empreendedores pessoas juridicas (permitam a expressão) em verdadeira ascensão. A dúvida que resta é saber se este seria o modelo ideal para a solução da crise do trabalho, e aqui gostaria de deixar uma reflexão.
Qualquer conclusão que se sustente, leva em conta uma verdade incontroversa: os trabalhadores, de qualquer grau de subordinação ou autonomia, necessitam de tutela social adequada e proporcional às suas necessidades. Não obstante revestirem-se da roupagem de pessoa jurídica são seres humanos que, nada mais desejam, que uma vida digna. A maior ou menor qualificação e habilidades dos trabalhadores é resultado das políticas publicas de formação que os Estados disponibilizam aos seus cidadãos sendo responsabilidade primária dos Países, arcarem com as respostas às suas ações ou omissões.
É certo que os trabalhadores empreendedores se apresentam como um misto de pessoa física e jurídica e desafiam a tradicional doutrina tutelar dispensada àquele para o qual o direito do trabalho se formou, isto é, o trabalhador (pessoa física) subordinado. As discussões que há anos giram em torno da subordinação e da autonomia (trabalho por conta própria ou alheia) acabaram por abandonar um contingente gigantesco de trabalhadores que alimentam as estatísticas dos desempregados ou subempregados.
O tipo de negócio que se apresenta no modelo “trabalhador-empreendedor” tem se mostrado na figura das pequenas ou microempresas em que o trabalhador é o dono do negócio, mas conserva a alma de trabalhador por conta alheia, inserindo-se, no mais das vezes, no grande universo da descentralização produtiva ou de serviço. Tal situação deveria ser o centro das nossas preocupações, pois efetivamente não estão cobertas por um sistema de proteção social e são considerados como empresas ou empresários. No Brasil, por exemplo, assiste-se à sujeição de “trabalhadores-empreendedores” em funções tradicionalmente subordinadas, como, por exemplo, domésticas (os), manicures e cabeleireiras (os), vendedores (as) de rua, cuidadores entre outros, cumprindo jornadas extenuantes e condições de trabalhos discutíveis. São, no mais das vezes, trabalhadores multitarefas e sujeitos não somente empregadores físicos, mas também a pessoas jurídicas. Tais trabalhadores se dedicam a uma atividade principal própria ou fazem parte da grande linha de produção de bens ou prestação de serviços e, muitas vezes, auferem remunerações que não lhes permitem alcançar o mínimo vital, apesar de ser superior aquelas percebidas pelos trabalhadores por conta alheia[17].
Como evidenciou a Organização Internacional do Trabalho (daqui por adiante, OIT) no informe sobre proteção social (2020/2022)[18] a pandemia foi capaz de mostrar que 2000milhoes de trabalhadores estavam na economia informal e sem qualquer proteção social. Importante referir-me ainda, a ponderação feita por Macarena Benítez sobre as transformações e a transição no trabalho físico para o digital, que caminha cada dia em velocidade maior. Assim crescem os postos de trabalho em empregos digitais, fabricas digitais, e robotização que levam a agenda digital Europeia caminhar com vistas a um “crecimiento inteligente, sostenible e integrador. Con ello se pretende implantar el mercado único digital y, entre otros objetivos, fomentar la cultura emprendedora, las competencias y la integración digital para favorecer el empleo en el sector de las tecnologías de la información y comunicación”[19].
A ausência de postos de trabalho tradicionais, somado ao descompasso entre a evolução tecnológica e as relações negociais tradicionais, bem como a ausência de um programa de transição entre os modelos tradicionais de trabalho e o emprego digital tem proporcionado a exclusão de milhões de trabalhadores da tutela tradicional. Especialmente no Brasil, não se vê programas ou políticas públicas capazes de formar e incluir os trabalhadores nos novos modelos de organização empresarial, isto é, não se vê preocupação com os que estão no mercado de trabalho e tampouco com aqueles que chegarão futuramente a este mercado. A educação tem caminhado num descompasso imenso com os ciclos de vida do trabalhador e, o lado perverso disso é que os trabalhadores ficam a mercê do mercado econômico cujas regras centrais não são medidas de proteção social. A situação proporciona aos “excluídos” a única via que parece iluminar o caminho, que é o empreendedorismo, opção esta, supostamente vantajosa para “seu negócio”.
A natureza do negócio empreendedor tem um sentido motivador e original que busca o crescimento do mercado de negócios e o desenvolvimento econômico. Todavia, o cenário que se tem formado no mundo do trabalho, tem ido mais além dando passo a uma forma peculiar de situação jurídica: o trabalhador se inscreve em programas colocados à disposição pelos próprios governos viabilizando a inserção no mercado de trabalho, tornando–o ainda mais precário e competitivo[20]. Indiscutível que muitas vezes tem se mostrado como o único caminho para tentar conciliar as aspirações dos trabalhadores, especialmente na busca por condições de trabalho que permitam a conciliação da vida laboral e privada e a necessidade de manutenção de ocupação que que lhe confira a subsistência.
A sombra do empreendedorismo pode ser um caminho cruel quando o trabalhador/empreendedor se depara com o fato de que não gozará da proteção social mínima e que as supostas vantagens que goza são aquelas inerentes aos tipos empresariais, isto é, muito diversas das que são destinadas aos trabalhadores por conta alheia. Por outras palavras, o trabalhador empreendedor nada mais é que o trabalhador, pessoa física, ilusionado pela condição de empresário. Há um misto de pessoa física e pessoa jurídica que o torna mais vulnerável que os grupos reconhecidamente vulneráveis elencados pelo direito do trabalho[21]. Este contingente de trabalhadores que está nesta linha cinzenta, certamente, deveria ser objeto da atenção especial dos governos, especialmente nos países em desenvolvimento como o Brasil.
Em realidade, as preocupações sobre a crise do direito do trabalho e as chamadas “novas relações de trabalho”, têm ganhado propostas diversas. Verifica-se, no entanto, diferenças profundas nos países mais desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, bem como soluções que, até o momento, não lograram conferir uma melhora significativa sobre o tema.
Em alguns lugares, tem se avançado em algumas propostas. Por exemplo, a União Europeia conta com uma agenda digital para Europa (2015) dispondo sobre objetivos de “mejorar el acceso de los consumidores y las empresas a los bienes y servicios digitales en Europa, 2) crear las condiciones adecuadas para que las redes y servicios digitales prosperen, y 3) aprovechar al máximo el potencial de crecimiento de la economía digital”[22]. O bloco do Mercosul apresentou em 2017 um plano da Agenda Digital do Mercosul que, entre outras iniciativas propõe o “acesso dos cidadãos e das empresas ao comércio por meio de infraestruturas digitais seguras e confiáveis, fortalecendo a conectividade, a confiança nas redes e o intercâmbio de informação, bem como a cooperação intergovernamental e o diálogo público-privado na matéria”[23]. Entre outros objetivos uma das propostas da agenda é de fomentar o uso de tecnologias digitais por parte de pequenas empresas e o desenvolvimento de sistemas e programas de formação online comuns aos diversos países formadores do boco[24]. Em janeiro de 2023, o Brasil publicou a lei de políticas publicas para a inclusão digital, viabilizando que sejam concretizadas as ações do Governo necessárias para a educação digital no País, o que deverá estender-se especialmente às populações mais vulneráveis[25].
É certo que tais agendas e propostas poderiam voltar o olhar para estes trabalhadores pessoas físicas ou jurídicas que encontram-se nas zonas cinzentas ou revestidos da forma de pequenas e micros empresas.
Seria possível estender a proteção social aos trabalhadores/pessoas jurídicas empreendedoras? A ideia de proteção social esta umbilicalmente ligada à de trabalho decente, isto é, as pessoas dependem de um trabalho que lhes possa garantir remuneração digna, um local de trabalho seguro e, especialmente, a redução (ou eliminação) das desigualdades sociais e econômicas e a pobreza. Em um mundo onde as vulnerabilidades se acentuam, há maior viabilidade para as indesejadas exclusões de grupos e/ou de pessoas que não gozam de oportunidades por inúmeras razoes de natureza distintas. Cumpre lembra que, a pandemia de 2020, trouxe à tona situações de exclusão social que estavam acobertadas especialmente pelo trabalho informal. A pandemia levou governos e sociedades numa escala global, a deitar os olhos sobre questões de exclusão que a informalidade ou a resignação permitia a acomodação, levando a uma reflexão série e urgente quanto a adoção de medidas necessárias a preservação de direitos fundamentais e humanos.
É fato que a pobreza e a desigualdade foram incrementadas pelos processos de globalização econômica. Como aponta a OIT no informe sobre proteção social,
Las repercusiones socioeconómicas de la pandemia han hecho que las personas responsables de la formulación de políticas no puedan dejar de lado a una serie de grupos de población –entre los que se encuentran los niños, los adultos mayores, los cuidadores no remunerados y las mujeres y hom– bres que trabajan en diversas formas de empleo y en la economía informal– que estaban cubiertos de forma inadecuada o no estaban cubiertos en absoluto por las medidas de protección social existentes. Al poner de manifiesto estas brechas, el informe muestra que la pandemia ha impulsado a los países a emprender una acción política excepcional, con la protección social en primera línea[26].
Toda crise que se verificou ao longo da história, repercutiu na economia dos países ao mesmo tempo que serviu para alavancar mudanças necessárias nos sistemas internos e internacionais.
Não é diferente com a crise pandêmica que teve a vantagem de escancarar um cenário acobertado pela informalidade e em que estão diferentes grupos de trabalhadores com graus distintos de vulnerabilidades. Isto é, o que era do conhecimento do direito do trabalho e da sociologia ganhou espaços na mídia e no conhecimento popular, levando ao reclamo por medidas para a garantia dos mínimos fundamentais a manutenção do ser humano. As fraturas do direito do trabalho emergiram para além do universo dos juristas laborais e o ser humano como centro de todas as ações ganhou eco nas sociedades globais. O ser humano imprescinde de condições para sobreviver e para poder gozar de uma vida decente, inclusiva, acessível. Situações que lhe possam permitir conciliar a vida laboral com a pessoal. Somente com tais mínimos, se pode lograr crescimento econômico e social sustentável. É dever do Estado garantir que estes direitos e garantias, que estão escritas em declarações universais, pactos internacionais e Constituições internas, possam ser efetivamente concretizados, independentemente da condição jurídica do trabalhador.
Qual a lição que devemos extrair deste quadro de transição em que se desenham as “novas” relações de trabalho”? Há algumas conclusões se podem chegar:
Devemos olhar para os reflexos na sombra do modelo empreendedor para encontrar a luz que falta para iluminar o caminho para uma proteção social efetiva e inclusiva, capaz de trazer um mínimo de dignidade a todos os trabalhadores independentemente do modelo negocial que o relacione ao tomador da mão de obra.
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Sanguineti Raymond, W. y Vivero Serrano, J.B.: Diligencia debida y trabajo decente en las cadenas globales de valor, Thomson Reuters Aranzadi, Cizur Menor (Navarra), 2022.
Standing, G.: El precariado: una nueva clase social, Ediciones de Pasado y Presente, Barcelona, 2015 [Edición de Kindle].
[*] Investigación realizada en el marco del proyecto de investigación “La regulación de la formación para el empleo ante el reto de la transición digital, ecológica, territorial y hacia la igualdad en la diversidad” (CIGE/2022/171), financiado por la Conselleria de Educación, Universidades y Empleo de la Generalitat Valenciana.
[**] Pesquisa realizada no marco do projeto do grupo Trabajo decente y transiciones justas da Faculade de Dieito da Universidade de Valencia (Espanha).
[1] Pós-Doutora e Doutora pela Universidad Castilla La-Mancha (campus Albacete/Espanha); Doutora pela PUC/SP; Acadêmica titular da Cadeira nº43 da ABDT; Juíza do Trabalho (TRT/SP); Membro da Academia Iberoamericana de Direito do Trabalho e Seguridade Social; Professora colaboradora da Universitat Oberta de Catalunya; Professora Visitante na Faculdade de Direito de Milão no programa de doutorado; Professora visitante na PUC/RS e Professora convidada na PUC/SP. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/2361402097260893; membro da Asociación Española de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social; email:tnahas70@gmail.com.
[2] Em 05/05/2023 as Nações Unidas declara o fim da COVID-19 como um estado de emergência de saúde publica (ONU/Brasil: “Chefe da Organização Mundial da Saúde declara o fim da COVID-19 como uma emergência de saúde global”, Nações Unidas no Brasil, 5 de maio de 2023, disponível em https://brasil.un.org/pt-br/230307-chefe-da-organiza%C3%A7%C3%A3o-mundial-da-sa%C3%BAde-declara-o-fim-da-covid-19-como-uma-emerg%C3%AAncia-de-sa%C3%BAde, acesso em 05/05/2023).
[3] É curioso como no Brasil se vê um paradoxo entre o discurso supostamente em benefício da tutela social do trabalhador e as ações que efetivamente se concretizam para cumprimento do programa do trabalho decente e da inclusão dos trabalhadores às novas realidades econômicas e tecnológicas. O legislativo apresenta-se cada vez mais omisso e o Judiciário cada vez mais controvertido e ativista. Em 23/08/2018 o Supremo Tribunal Federal (daqui por diante por sua sigla, STF) julgou a legalidade do tema relacionado a terceirização (ADPF 324 e o RE com repercussão geral 958252). Naquela ocasião, a decisão da Corte observou que há novas relações de trabalho que surgiram no decorrer dos anos e em razão do desenvolvimento econômico, que não se confundem com o modelo desenhado na Consolidação das Leis do Trabalho (daqui por diante por sua sigla, CLT) que trata unicamente das relações de trabalho subordinadas. A partir daí aquela Corte passou a entender que as relações entre representante e comercial e empresas deveria ser decidida no âmbito do processo comum, entendendo tratar-se de relação de cunho comercial, ainda que o representante formule pedido de nulidade do contrato de representação e declaração de vínculo de subordinação, pedidos estes que tradicionalmente são de competência da Justiça do Trabalho. Apegada a esta mesma posição, a Corte Constitucional, decidiu que no caso de trabalhador em plataforma, o raciocínio do julgamento será o mesmo: o trabalhador em plataforma está sujeito a um contrato distinto daquele regulado pela CLT e, por isso, não terá direito, ainda que seja uma pessoa física, a reclamar a tutela destinada a relação de emprego subordinada (Reclamação 59795-Minas Gerais) A justiça do trabalho, nos últimos anos, diverge sobre a natureza da relação entre trabalhadores e plataformas virtuais, viabilizando que a questão chegasse ao STF que deu a discussão caráter de matéria constitucional justamente para afastar, não somente a competência jurisdicional da justiça social, mas para golpear de forma definitiva qualquer discussão que se pudesse plantear no plano trabalhista. Parece que as discussões vão na contramão da intenção da Organização Internacional do Trabalho de inserir no sistema protetivo trabalhadores subordinados ou não, como o fez no Convênio 190 não ratificado pelo Brasil até este momento (este artigo foi concluído em 30/09/2023).
[4] OIT: Informe Mundial sobre la Protección Social 2020-2022: La protección social en la encrucijada: en busca de un futuro mejor, OIT, Ginebra, 2021, p. 36, disponível em https://www.ilo.org/global/research/global-reports/world-social-security-report/2020-22/lang--es/index.htm, acesso em 09/05/2023.
[5] “Assiste-se a uma diversidade crescente de tipos de contratos remunerados do trabalho. Uma primeira classificação permite distinguir três categorias: a) os assalariados tradicionais que trabalham com base num contrato em que a subordinação; (b) outros contratos, que estipulam a realização de um trabalho em troca de uma remuneração; c) os empresários a título individual” (Supiot, A. et al.: Transformações do Trabalho e Futuro do Trabalho na Europa, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 47).
[6] “El resultado ha sido la creación de un «precariado» global, consistente en cientos de millones de personas sin un anclaje estable en su trabajo, que se está convirtiendo en una nueva clase peligrosa por su propensión a dar pábulo a voces extremistas o fanáticas y a utilizar su voto y su dinero para ofrecer a esas voces una plataforma política que acreciente su influencia. extremistas o fanáticas y a utilizar su voto y su dinero para ofrecer a esas voces una plataforma política que acreciente su influencia. «neoliberal», admitida en mayor o menor medida por gobiernos de toda laya, ha generado un monstruo político incipiente” (Standing, G.: El precariado: una nueva clase social, Ediciones de Pasado y Presente, Barcelona, 2015 [Edición de Kindle]).
[7] “Segundo a OIT, el tiempo de trabajo fue la esencia del primer Convenio Internacional del Trabajo, Convenio sobre las horas de trabajo (industria), 1919 (No. 1). Con el pasar de los años, el tiempo de trabajo continúa siendo una de las preocupaciones principales de la OIT, quien ha adoptado normas internacionales con respecto a una variedad de temas relacionados con el tiempo de trabajo, incluyendo no solamente normas que establezcan límites en las horas de trabajo, sino que también provean un mínimo de periodo de descanso semanal, vacaciones anuales pagadas, protección para los trabajadores nocturnos e igualdad de trato para los trabajado– res a tiempo parcial. Basándose en estas normas internacionales del trabajo y según recientes investigaciones sobre las tendencias y avances del tiempo de trabajo, el Programa de la OIT sobre las Condiciones de Trabajo y del Empleo (TRAVAIL) ha identificado cinco dimensiones del trabajo decente en relación al tiempo de trabajo, o “tiempo de trabajo decente”. Estas cinco dimensiones son: la distribución del tiempo de trabajo debe promover la salud y la seguridad; ser conveniente para la familia (family-friendly); promover la igualdad de género; aumentar la productividad y la competitividad de las empresas; y facilitar la elección y la influencia del trabajador en sus horas de trabajo. Para promover estas cinco dimensiones se requiere una amplia gama de políticas a nivel nacional, sectorial y/o empresarial. La combinación exacta de políticas a seguir variarán significativamente de país a país (e incluso entre estados o regiones dentro de un mismo país), dependiendo de la situación socioeconómica” (OIT: Tiempo de Trabajo Decente: el equilibrio entre las necesidades del trabajo con las exigencias de los negocios, OIT, Ginebra, 2007, p. 7, disponivel em https://www.ilo.org/public/libdoc/ilo/2007/107B09_68_span.pdf, acesso em 15/06/2023).
[8] Discurso na Jamaica em 09/04/2015: “you don´t have to wait: “You’re more interested in the hard work of building prosperity through entrepreneurship, not cronyism or corruption. You’re more eager for progress that comes not by holding down any segment of society, but by holding up the rights of every human being, regardless of what we look like, or how we pray, or who we love (…) Unlike any other time in our history, the technology at your disposal means that you don’t have to wait for the change that you’re looking for; you have the freedom to create it in your own in powerful and disruptive ways” (Young Leaders of the Americas Iniciative: “You don’t have to wait,’ Obama tells young entrepreneurs”, Young Leaders of the Americas Iniciative, 28 de maio de 2016, disponível em https://ylai.state.gov/you-dont-have-to-wait-obama-tells-young-entrepreneurs/, acesso em 15/06/2023).
[9] “Los efectos desproporcionados de la pandemia en los jóvenes han exacerbado la desigualdad y podrían mermar la capacidad productiva de toda una generación, según señala la Organización Internacional del Trabajo” (OIT: “La COVID-19 interrumpe la educación de más del 70% de los jóvenes”, Organización Internacional del Trabajo, 11 de noviembre de 2020, disponivel em https://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/news/WCMS_753062/lang--es/index.htm, acesso em 30/09/2020).
[10] “La pandemia de la COVID-19 y el fenómeno conocido como la Uberización de la economía han abierto la posibilidad de que ciertos profesionales puedan aspirar a un estilo de vida diferente y de movilidad utilizando las herramientas digitales para la prestación de servicios en remoto. Estos nómadas digitales se identifican con personas que nacieron en la década de 1980 y fines de la década de 1990, que desde temprana edad están familiarizados con las herramientas informáticas (millennials), y que suelen cambiar de trabajo con cierta regularidad, bien porque no tienen una estabilidad económica o bien porque no se sienten involucrados con las organizaciones para la que prestan servicio” (Sierra Benítez, E.M.: “La Protección Social en la Encrucijada: la expansión del trabajo remoto y la recepción en Europa de los nómadas digitales”, Revista de Direito e Justiça: Reflexões Socio Jurídicas, Vol. 22, núm. 42, 2022, p. 238).
[11] O fenómeno da chamada demissão silenciosa é o mais fiel retrato do trabalhador do século XXI que se emancipou e não tolera mais abusos que são cometidos por aquele que detém a organização do capital. Seria relevante considerar a grande importância que tem a proteção social prestada pelo Estado na sensação de segurança que estes trabalhadores gozam, permitindo no momento das negociações contratuais termos mais iguais e coerentes com suas expectativas. Sobre o tema, Dalla Rosa, A.: “Demissão silenciosa: o assunto da semana não e um fenômeno novo”, Linkedin, 2 de setembro de 2022, disponível https://pt.linkedin.com/pulse/demiss%C3%A3o-silenciosa-o-assunto-da-semana-n%C3%A3o-%C3%A9-um-novo-dalla-rosa, acesso em 15/06/2022).
[12] Bermúdez, A.: ““La Gran Renuncia”: por qué los trabajadores en Estados Unidos están dejando sus empleos a un ritmo récord”, BBC News, 28 de junio de 2021, disponível em https://www.bbc.com/mundo/noticias-57645362, acesso em 11/05/2023.
[13] OIT: Declaração do centenário da OIT para o Futuro do Trabalho: Adotada pela Conferência Internacional do Trabalho na sua 108ª sessão, Conferência Internacional do Trabalho, Genebre, 2019, disponível em https://www.ilo.org/lisbon/publica%C3%A7%C3%B5es/WCMS_749807/lang--pt/index.htm, acesso em 14/06/2023.
[14] Veja por exemplo, o informe do Fundo Monetário Internacional sobre medidas para combater a desigualdade e gerar crescimento econômico (Amaglobeli, D. y Thevenot, C.: “Abordar la Desigualdad en todos sus frentes: una combinación integral de políticas fiscales puede contener las desigualdades en todos los niveles donde aparezcan”, Finanzas & Desarrollo, marzo 2022, pp. 54-57).
[15] Sobre diligência debida, v. Sanguineti Raymond, W. y Vivero Serrano, J.B.: Diligencia debida y trabajo decente en las cadenas globales de valor, Thomson Reuters Aranzadi, Cizur Menor (Navarra), 2022.
[16] “Todas estas características de los fluidos implican que los líquidos, a diferencia de los sólidos, no conservan fácilmente su forma. Los fluidos, por así decirlo, no se fijan al espacio ni se atan al tiempo. En tanto los sólidos tienen una clara dimensión espacial, pero neutralizan el impacto –y disminuyen la significación– del tiempo (resisten efectivamente su flujo o lo vuelven irrelevante), los fluidos no conservan una forma durante mucho tiempo y están constantemente dispuestos (y proclives) a cambiarla; por consiguiente, para ellos lo que cuenta es el flujo del tiempo más que el espacio que puedan ocupar: ese espacio que, después de todo, sólo llenan “por un momento”. En cierto sentido, los sólidos cancelan el tiempo; para los líquidos, el contrario, lo que importa es el tiempo. En la descripción de los sólidos, es posible ignorar completamente el tiempo; en la descripción de los fluidos, se cometería un error grave si el tiempo se dejara de lado. Las descripciones de un fluido son como instantáneas, que necesitan ser fechadas al dorso. Los fluidos se desplazan con facilidad. “Fluyen”, “se derraman”, “se desbordan”, “salpican”, “se vierten”, “se filtran”, “gotean”, “inundan”, “rocían”, “chorrean”, “manan”, “exudan”; a diferencia de los sólidos, no es posible detenerlos fácilmente –sortean algunos obstáculos, disuelven otros o se filtran a través de ellos, empapándolos–. Emergen incólumes de sus encuentros con los sólidos, en tanto que estos últimos –si es que siguen siendo sólidos tras el encuentro– sufren ellos, empapándolos–. Emergen incólumes de sus encuentros con los sólidos, en tanto que estos últimos –si es que siguen siendo sólidos tras el encuentro– sufren un cambio: se humedecen o empapan. La extraordinaria movilidad de los fluidos es lo que los asocia con la idea de “levedad” (Bauman, Z.: Modernidad líquida, Fondo de Cultura Económica, p. 7 [Edición de Kindle]).
[17] Consoante pesquisa entabulada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística sobre trabalhadores em plataformas, “Os trabalhadores plataformizados tinham, no 4º trimestre de 2022, rendimento 5,4% maior (R$ 2.645) que o rendimento médio do total de ocupados (R$ 2.513). Na mesma comparação, eram os que trabalhavam mais horas semanais: 46h contra 39,6h.“Para os dois grupos menos escolarizados, o rendimento médio mensal real das pessoas que trabalhavam por meio de aplicativos de serviço ultrapassava em mais de 30% o rendimento das que não faziam uso dessas ferramentas digitais. Por outro lado, entre as pessoas com o nível superior completo, o rendimento dos plataformizados (R$ 4.319) era 19,2% inferior ao daqueles que não trabalhavam por meio de aplicativos de serviços (R$ 5.348)”, apontou o levantamento. (...) Os trabalhadores plataformizados tinham, no 4º trimestre de 2022, rendimento 5,4% maior (R$ 2.645) que o rendimento médio do total de ocupados (R$ 2.513). Na mesma comparação, eram os que trabalhavam mais horas semanais: 46h contra 39,6h. “Para os dois grupos menos escolarizados, o rendimento médio mensal real das pessoas que trabalhavam por meio de aplicativos de serviço ultrapassava em mais de 30% o rendimento das que não faziam uso dessas ferramentas digitais. Por outro lado, entre as pessoas com o nível superior completo, o rendimento dos plataformizados (R$ 4.319) era 19,2% inferior ao daqueles que não trabalhavam por meio de aplicativos de serviços (R$ 5.348)”, apontou o levantamento” (Índio do Brasil, C.: “IBGE: país tem 2,1 milhões de trabalhadores de plataformas digitais”, Agência Brasil - Rio de Janeiro, 25 de outubro de 2023, disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-10/ibge-pais-tem-21-milhoes-de-trabalhadores-de-plataformas-digitais, acesso em 30/10/2023).
[18] OIT: Informe Mundial sobre la Protección Social 2020-2022: La protección social en la encrucijada: en busca de un futuro mejor, ob. cit.
[19] Sierra Benítez, E.M.: “El tránsito de la dependencia industrial a la dependencia digital: ¿Qué Derecho del Trabajo dependiente debemos construir para el siglo XXI?” Revista Internacional y Comparada de Relaciones Laborales y Derecho del Empleo, Vol. 3, núm. 4, 2015.
[20] Veja por exemplo a página do Estado Espanhol (Información y atención a emprendedores - Empresas - Trámites y Servicios Electrónicos - Punto de Acceso General (administracion.gob.es); no Chile (Emprendedor Chile); no Mexico (Así es la fuerza del emprendimiento en México - Emprendedor); no Brasil (sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/).
[21] A OIT considera, por exemplo, mulheres, trabalhadores migrantes e jovens entre 15 e 24 anos de idades grupos vulneráveis de trabalhadores e estabelece um programa de proteção (OIT: “Un programa dirigido a los trabajadores más vulnerables en todo el mundo”, disponível em https://www.ilo.org/global/topics/safety-and-health-at-work/programmes-projects/safety-health-for-all/WCMS_721184/lang--es/index.htm, acesso em 14/06/2023).
[22] Ratcliff, C. et al.: Una agenda digital para Europa, Comisión Europea, Fichas técnicas sobre la Unión Europea – 2023, disponível em https://www.europarl.europa.eu/factsheets/es/sheet/64/una-agenda-digital-para-europa, acesso em 10/05/2023.
[23] MERCOSUL: “Agenda Digital: rumo ao mercado digital livre, abrangente, seguro e inclusivo”, Mercosur, 23 de dezembro de 2021), disponível em https://www.mercosur.int/pt-br/conquista-18-agenda-digital/, acesso em 10/5/2023.
[24] Ibid.
[25] Lei nº 14533 de 11/01/2023, disponível em L14533 (planalto.gov.br), acesso em 12/01/2023.
[26] OIT: Informe Mundial sobre la Protección Social 2020-2022: La protección social en la encrucijada: en busca de un futuro mejor, ob. cit.
[27] Corte IDH: Opiniao Consultiva nº 22 de 26/02/2016, solicitada pela República do Panamá, disponivel emhttps://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_22_esp.pdf, acesso em 29/09/2023.