Processo estrutural: solução aplicável ao processo do trabalho?

Structural injunctions: is this solution applicable to labor procedure?[*]

Lourival Barão Marques Filho

Doutorando e mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Juiz do Trabalho em Curitiba/Paraná (Brasi)

lourivalbarao@trt9.jus.br 0000-0002-3806-1867

Thiago Mira de Assumpção Rosado

Mestre em Estudos Internacionais e da União Europeia pela Universidade de València

Juiz do Trabalho em Curitiba/Paraná (Brasil)

thiagorosado@trt9.jus.br 0000-0002-7287-284X

e-Revista Internacional de la Protección Social ▶ 2022

Vol. VII ▶ Nº 1 ▶ pp. 216 - 232

ISSN 2445-3269 ▶ http://dx.doi.org/10.12795/e-RIPS.2022.i01.11

Recibido: 09.11.2021 | Aceptado: 21.03.2022

RESUMO

PALAVRAS-CHAVE

Por intermédio de metodologia dedutiva e pesquisa bibliográfica o artigo visa responder a seguinte pergunta: o processo estrutural é aplicável ao processo do trabalho? Defende-se que o processo estrutural incide na integralidade no processo do trabalho, já que em simbiose com sua principiologia e resulta em relação jurídica processual que tem a capacidade de solucionar de modo perene e a longo prazo aqueles litígios complexos que estão enraizados e que geram um problema de desconformidade permanente.

Processo estrutural

Justiça do trabalho

Processo do trabalho

Autossuficiência normativa

Jurisdição brasileira

ABSTRACT

KEYWORDS

Using deductive method and bibliographic research, this article analyzes if structural injunctions are applicable to labor procedures. Our position is that structural injunctions are fully applicable to labor procedures, once they are in a symbiosis with its main principles and, also, because its results have the power to solve complex and deep-rooted conflicts, that usually generate permanent nonconformity, in a perennial and long term manner.

Structural injunction

Labor Justice

Labor procedure

Normative self-sufficiency

Brazilian jurisdiction

SUMÁRIO:

I. INTRODUÇÃO

II. APERFEIÇOAMENTO DO SISTEMA: NECESSÁRIA SOFISTICAÇÃO PARA A SOLUÇÃO DE DEMANDAS COMPLEXAS E PLURISSUBJETIVAS

III. PROCESSO ESTRUTURAL: A ORIGEM

IV. CONFLITOS ESTRUTURAIS: DEFINIÇÃO, ALCANCE E DIMENSÃO

V. PROCESSOS E DECISÕES ESTRUTURAIS – SUFICIÊNCIA NORMATIVA

VI. COMPATIBILIDADE COM OS CONFLITOS SOCIAIS LABORAIS E O PROCESSO DO TRABALHO

VII. CONCLUSÃO

Bibliografia

I. INTRODUÇÃO

Por intermédio de metodologia dedutiva e pesquisa bibliográfica, o artigo tem como objetivo analisar a utilização do processo estrutural nas demandas trabalhistas. Para tanto, estabelece-se o seguinte itinerário: em primeiro lugar é identificada a inaptidão e a ineficiência das tutelas processuais individual e coletiva clássicas brasileiras e como elas não conseguem fornecer respostas satisfatórias às situações complexas existentes. Com efeito, há demandas que pelas suas características, alcance e dimensão exigem atuações mais amplas e sofisticadas.

Em seguida, é apresentada a origem e a evolução histórica do processo estrutural, definindo-se seu campo de atuação e efeitos, dando ênfase na visão prospectiva e no caráter complexo e plurissubjetivo da figura processual.

O terceiro passo é demonstrar que a arquitetura jurídica brasileira já possui elementos para a utilização do processo estrutural, não sendo necessária a criação de legislação própria e específica. De fato, há autossuficiência normativa para a adoção do processo estrutural, inclusive quanto ao procedimento bifásico e à necessidade de provimentos cíclicos e espiralados.

Por fim, defende-se que o processo estrutural é plenamente aplicável ao processo do trabalho, já que em simbiose com sua principiologia e resulta em relação jurídica processual que tem a capacidade de solucionar, de modo perene e a longo prazo, aqueles litígios complexos que estão enraizados e que geram um problema de desconformidade permanente.

II. APERFEIÇOAMENTO DO SISTEMA: NECESSÁRIA SOFISTICAÇÃO PARA A SOLUÇÃO DE DEMANDAS COMPLEXAS E PLURISSUBJETIVAS  ^ 

O aperfeiçoamento dos meios de solução de conflitos sempre representou o norte para a busca da satisfação social, da diminuição das desigualdades, da maturidade na cultura da lide e da consequente redução da litigiosidade.

Nos últimos anos, a legislação brasileira evoluiu em inúmeros aspectos visando à promoção de circunstâncias mais adequadas à resolução demandas, à efetiva entrega da prestação jurisdicional, à consagração dos direitos sociais e à solução célere das demandas.

No âmbito brasileiro, o princípio da duração razoável do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal[1] foi inserido como uma garantia fundamental processual, com o intuito de que a decisão judicial seja proferida em tempo aceitável, constituindo um desdobramento do direito de ação, por ser garantidor do direito de se obter uma tutela jurisdicional adequada. Nesse cenário, dá-se concretude interna à previsão internacional contida no Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos, de 1969)[2], que prevê a garantia de que todos devem ser ouvidos em tempo razoável, o que, inclusive se alinha à 3ª onda renovatória do processo de Garth e Cappelletti[3].

No campo processual, ainda, as leis brasileiras evoluíram ao estabelecerem: i) súmulas impeditivas de recurso[4]; ii) ritos céleres e desburocratizados, sobretudo para ações de pequeno valor e menor complexidade; iii) procedimentos de jurisdição voluntária[5]; iv) súmulas e precedentes vinculantes[6]; v) estabelecimento de inúmeros procedimentos executivos típicos e atípicos e de ferramentas eletrônicas de pesquisa patrimonial, inovações combinadas ao já bem enraizado processo eletrônico no país.

Além disso, a noção de efetividade processual ganha espaço no próprio conceito púbico de eficiência, cabendo ao Poder Judiciário garantir de forma adequada, oportuna, tempestiva, e não essencialmente onerosa, a tutela pretendida pelo titular do direito material.

Ocorre que a satisfação em tempo razoável e a existência de mecanismos de responsabilização patrimonial efetiva não são suficientes para a resolução de todos os problemas que chegam ao Judiciário. De fato, há demandas que pelas suas características, alcance, dimensão e complexidade exigem respostas mais amplas e sofisticadas.

Nesta esteira, vem ganhando espaço na doutrina e aderindo ao Judiciário um gênero processual destinado à resolução adequada, em longo prazo e de forma prospectiva, de conflitos considerados distintos, peculiares, complexos e plurissubjetivos –denominados estruturais–, conferindo compreensão ao próprio conteúdo decisório e sua forma de cumprimento. Para tanto, é necessário compreender o fenômeno da explosão de litigiosidade, analisar o perfil dos conflitos públicos e privados, propor instrumentos de gerenciamento e prevenção de litígios (incluindo planos de compliance), e aperfeiçoar as ferramentas judiciais disponíveis. Trata-se da nova fronteira do direito processual brasileiro e daí decorre o interesse e a necessidade de catalogar, localizar, definir e estabelecer a forma e conteúdo da aplicação e da incidência deste instituto.

Embora a existência de conflitos globais, locais ou irradiados seja característica da vida em sociedade, é possível notar que, ao longo do tempo, são semelhantes os litígios e litigantes levados ao Judiciário. Mais que isto: é frequente observar que os mesmos réus frequentam o Judiciário, incluindo o trabalhista, ano após ano e que problemas estruturais já assimilados por qualquer cidadão minimamente informado não ultrapassam promessas políticas de solução futura.

O modelo brasileiro de processo coletivo previsto nas leis 8.078/90 e Lei 7.345/85 de modo geral não oferece respostas aceitáveis e, em várias situações, apresenta resultados sofríveis. Com efeito, esse microssistema legal mostrou-se inábil para a solução de conflitos de massa/repetitivos, porque: a) baseia-se em um tratamento individualizado do litígio, ainda que o conflito seja apresentado de forma coletiva; b) limita-se a um caráter bilateral, e não multilateral; c) não tem visão prospectiva, restringindo-se à solução dos problemas pretéritos; d) limita-se à entrega do bem da vida pretendido (publicação da sentença), ainda que a própria legislação processual civil já tenha atestado que a sentença condenatória não é ato que põe fim ao litígio.

Há, assim, um cenário que se retroalimenta e que é extremamente nocivo ao sistema judicial: a timidez e insuficiência das ações coletivas, diante da baixa efetividade das decisões nelas proferidas, geram uma quantidade colossal de demandas individuais repetitivas e permitem que determinadas empresas ou órgãos se utilizem do Poder Judiciário de modo predatório.

Diante desta insuficiência para a solução dos conflitos em massa, sobretudo aqueles já estruturados em nossa sociedade, emerge a necessidade de reformar instituições, estruturas e burocracias por intermédio do processo, o que implica, paralelamente, a própria intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas.

Neste panorama de ineficiência, o estudo do processo estrutural ganha especial relevo, cujas raízes são encontradas no direito americano na década de 1950 e atualmente ajustadas ao sistema processual brasileiro pelo trabalho essencialmente de Sérgio Arenhardt, Fredie Didier Júnior e Edilson Vitorelli, sobre os quais se debruça este artigo.

III. PROCESSO ESTRUTURAL: A ORIGEM  ^ 

Sabe-se que até a década de 60 do século passado, o papel que o Judiciário americano atribuía às class actions era de solucionar os conflitos pertinentes à segregação racial, o que foi iniciado pela importante e paradigmática decisão proferida em Brown v. Board of Education of Topeka, em 1954[7], já que, segundo Vitorelli, outras pretensões de movimentos de consumidores e ambientalistas chegavam aos tribunais com perfis distintos da inspiração inicial das referidas ações de classe.

Referido precedente tratou-se de um caso que impactou sobremaneira a vida dos norte americanos. Isto se deve ao fato de que muito embora a Declaração de Independência dos Estados Unidos reputasse que “todos os homens são criados iguais”, que a 13ª Emenda registrasse o fim da escravidão (em 1865), a 14ª Emenda fortalecesse os direitos dos escravos recém libertados (em 1866) e a 15ª emenda consolidasse a proibição de negativa de votação aos ex-escravos (em 1869), a segregação racial e étnica permanecia uma realidade, pois institucionalizada na doutrina “separate but equal”, consolidada no caso Plessy v. Ferguson (de 1896), por meio da qual a Suprema Corte americana entendeu que a segregação racial promovida por alguns estados do sul, como Louisiana, não violava a 14ª emenda (ou a própria Constituição), e que a separação era mera questão política[8], legitimando a constitucionalidade de leis de segregação entre brancos e negros, como foi o caso dos “Black codes” e das Jim Crow Laws[9].

Assim, apesar das emendas acima mencionadas e com base no precedente Plessy v. Ferguson, os negros ainda eram tratados de forma distinta em várias partes do país, sobretudo no sul, inclusive com base em leis racialmente discriminatórias.

Alguns precedentes passaram a confirmar a violação ao direito de não segregação ou mesmo a incorreta aplicação da teoria do separate but equal. No caso Murray v. Pearson (1936), o Tribunal de Apelações de Maryland deu ganho de causa a Thurgood Marshall para que fosse matriculado na Faculdade de Direito de Maryland e não em outra destinada a negros, que era de qualidade educacional inferior, o que importava prejuízo à lógica do “separados, mas iguais”, e que sua rejeição como aluno, por sua raça, portanto, foi ilegal[10].

Outros casos relevantes foram identificados em Missouri el rel Gaines v. Canada (1938), em que a Suprema Corte destacou que a cláusula de proteção igual (separate but equal) não estava sendo aplicada pelo estado de Missouri, uma vez que Gaines não poderia ser enviado a outro estado para estudar direito, já que o próprio estado fornecia educação jurídica para brancos na Universidade de Missouri[11], e no precedente McLaurin v. Oklahoma Board of Regents of Higher Education (1950)[12], por meio da qual a Suprema Corte determinou que cessassem as condutas de segregação impostas ao estudante McLaurin por parte da Universidade de Oklahoma, até a consolidação dos cinco casos em que se questionou a constitucionalidade da segregação (separação de negros e brancos) nas escolas públicas, conhecido como Brown v. Board of Education of Topeka[13], por meio da qual houve uma atuação diferente e histórica da Suprema Corte.

Em suma, Linda Brown, que vivia em Topeka, Kansas, cruzava a cidade para chegar à escola pública onde estava matriculada, já que as mais próximas não admitiam crianças negras, recusa que originou a ação contra o Conselho de Educação local.

Este movimento pelos civil rights não deixava de considerar a segregação racial um mal em si, que violava diversos preceitos vigentes à época, inclusive a Cláusula de proteção igual da 14ª Emenda.

Ocorre que, diversamente de outras decisões já proferidas pela Suprema Corte, o colegiado entendeu que a dessegregação deveria prosseguir em “máxima velocidade”, e ao invés de apenas reconhecer o direito e entregar a tutela jurisdicional de forma “tradicional”, resolvendo o conflito sob uma análise pontual, individual e pretérita do litígio, entendeu por bem devolver os casos aos juízos de origem para a formulação de ordens (injunctions ou structural injunctions) locais (considerando a variedade de condições, a complexidade regional, etc.), adotando providências compatíveis, expedindo medidas, estabelecendo estratégias locais, etc., a fim de que os interessados ingressem em escolas públicas não segregadas racialmente[14].

Estas medidas foram denominadas ações coordenadas e estruturantes, pois invadiam espaço jurídico distinto, cuja finalidade almejava a concretização de uma solução efetiva, duradoura e ampla, a fim de resolver todos os problemas futuros relacionados à segregação racial nas escolas públicas dos Estados Unidos.

Segundo Vitorelli[15], a Suprema Corte disse o que deveria ser feito, porém sem especificar como fazer, deixando claramente de responder os complexos questionamentos formulados nas ações. Este segundo momento passou a ser conhecido doutrinariamente como Brown II, a partir do qual, quando do desenvolvimento de algumas estratégias locais por determinados juízes, o cognominado processo estrutural – na prática - pôde nascer, para posteriormente ser teorizado.

O fim da doutrina do separate but equal decorrente deste leading case marcou o início de uma nova visão da própria atuação da Suprema Corte e do Judiciário como um todo, já que esta decisão acarretou a concretização de políticas públicas antes limitadas aos poderes executivo e legislativo.

A partir desta decisão, eventuais dificuldades de implementação por questões econômicas, de transporte e urbanização e até mesmo sociais, foram superadas e transpostas a fim de assegurar que não haveria discriminação no ingresso de uma criança negra em uma escola originariamente destinada a brancos.[16]

IV. CONFLITOS ESTRUTURAIS: DEFINIÇÃO, ALCANCE E DIMENSÃO  ^ 

Vitorelli[17] aponta a existência, no âmbito coletivo, de ao menos 3 tipos de litígio: i) globais: referem-se a lesões coletivas, mas com pouca ou nenhuma repercussão aos indivíduos que compõem este grupo/coletivo, a exemplo dos danos causados ao consumidor; ii) locais: representam danos coletivos relevantes e que impactam significativamente determinados grupos de indivíduos, que igualmente sofrem com a lesão causada, a exemplo de grupos vulneráveis, como os indígenas; iii) irradiados: representam conflitos relevantes coletivamente, que acabam por atingir indivíduos também de forma significativa, mas cada um com peculiaridades, intensidades e qualidades distintas, a exemplo de alguns danos ambientais, como os causados por derramamentos de óleo no mar, o rompimento de barragens, o desmatamento, etc.

São questões de ampla gama, tal como aquelas que envolvem o direito à saúde (fornecimento de medicamentos, custeio de tratamentos e o encargo econômico das medidas judiciais relacionadas), o sistema carcerário (superlotação, falta de ressocialização dos presos, comando por facções criminosas, prisões temporárias elastecidas), o sistema educacional (parametrização dos estudos públicos, capacitação do corpo docente, falta de vagas em creches públicas), o meio ambiente (desmatamento, falta de fiscalização de barragens, etc.), a questão indígena (vacinação de silvícolas, preservação cultural e geográfica, etc.) e o direito dos trabalhadores (refugiados e demais migrantes, danos no meio ambiente laboral, etc.).

Assim, por exemplo, no caso de derramamento de óleo no mar, é possível considerar o prejuízo ambiental propriamente dito (destruição de fauna e flora), a inviabilidade de atividade de pesca, o fechamento de praias (impacto em turistas, moradores e comerciantes locais), intoxicações, entre vários outros impactos, inclusive trabalhistas.

Um outro exemplo pode considerar a tutela inibitória em face de condutas ambientalmente lesivas, que impactem significativamente na segurança, integridade física e psíquica e até mesmo direito à vida dos trabalhadores, seus familiares e a própria estrutura social, como a exploração do labor infantil, as condições análogas à escravidão, a servidão por dívida, entre outras situações.

Os litígios estruturais integram o subgrupo dos litígios irradiados, já que não decorrem de um único ato/fato, mas de como uma instituição, uma estrutura burocrática, uma entidade ou um órgão se comportam e os efeitos causados por este comportamento. A partir do caso Brown vs Board of Education of Topeka (1954), iniciou-se um movimento para teorizar os chamados “problemas estruturais”, analisando-se como uma estrutura ou uma instituição (comumente pública, mas excepcionalmente privada) se comporta, causando ou fomentando a violação de direitos de um determinado grupo de pessoas, que inclusive experimentam a lesão de maneiras distintas[18].

É um tipo de conflito que envolve “um vasto grupo de pessoas, afetadas de modos distintos pela controvérsia, com visões diferentes sobre como ela deveria terminar e, por isso mesmo, com interesses diversos, a serem representados no processo”[19].

Como o mau funcionamento da estrutura cria um problema de desconformidade permanente[20] e esta irregularidade é a causa do litígio, é a alteração desta estrutura, instituição ou burocracia que impactará na solução ou atenuação do litígio estruturante.

Desta maneira, uma tutela jurisdicional que se enquadre apenas na avaliação dos efeitos imediatos, como na comum entrega do bem da vida em uma tradicional demanda, não apresentará resultados amplos, duradouros ou mesmo significativos, o que exige a tomada de uma série de atos e o envolvimento de uma multiplicidade de atores.

Assim, quando se está diante de um litígio estrutural, a afetação a grupos distintos, em diferentes qualidades e quantidades, implica a existência de uma solução que seja eficaz a todos os envolvidos, em um modelo cuja participação não seja exclusiva do Judiciário e dos dois polos de uma demanda, mas sim de um exercício ativo do julgador e da colaboração plural de todos os potencialmente envolvidos, sejam eles os autores dos danos, as vítimas e aqueles que detêm, ainda que minimamente, envolvimento ou obrigações relacionadas aos fatos sociais.

Neste sentido, determinados tipos de litígios, os chamados estruturais, justamente em razão desta natureza sui generis não devem ser efetivados seguindo o modelo tradicional, em processos lineares e de acepção essencialmente individual. De fato, como os problemas se inserem de forma permanente nas estruturas sociais, públicas e institucionais, são necessárias soluções que atendam ao problema do ponto de vista macro, ultrapassando, assim, aquela visão clássica de processo que se contenta na solução de uma situação específica, cujos efeitos ocorrem a curto prazo e circunscritas aos efetivos demandantes.

V. PROCESSOS E DECISÕES ESTRUTURAIS – SUFICIÊNCIA NORMATIVA  ^ 

Fixadas as premissas acima, é possível lançar uma definição de processo estrutural. Processo estrutural é aquele que tem por objetivo resolver um problema estrutural, seja em uma instituição pública ou privada, reconstruindo seus pilares e estruturas ou remanejando sua burocracia, a fim de afastar, impedir ou inibir que elas sejam a causa ou a fonte de litígios estruturais.

De acordo com os argumentos acima, a demanda estrutural se destaca notadamente por situações nas quais a solução individualizada, baseada em fatos sociais pretéritos e estáticos não é suficiente, pois atua em problemas fluidos, complexos e com alto grau de conflitualidade social.

Segundo aponta Vitorelli[21], a reestruturação da instituição/estrutura deve envolver um plano de longo prazo, com a adoção de providências sucessivas e incrementais, e não apenas uma decisão que diga quem está certo ou errado, quem é o credor ou o devedor, entregando-lhe o bem da vida, mas sim pacificar socialmente o conflito como um todo, em abrangente aspecto.

Para o autor, o conflito social é sempre coletivo, mas não nasce necessariamente de uma demanda coletiva. Por isto, a manifestação deste litígio no campo processual dependerá de uma série de atos, contingências, medidas, inclusive de ordem legislativa.

Diverge Fredie Didier Júnior[22] ao afirmar que o processo estrutural é definido pelo seu objeto (que costuma ser um problema coletivo), mas nem sempre é, como é o caso do inventário (a depender da situação, número de credores, cria-se um problema estrutural num processo individual). Exemplifica, ainda, com a hipótese de uma pessoa com deficiência demandando rampa de acesso (há um problema estrutural numa ação individual), bem como nas situações envolvendo concurso de credores, como é o caso dos processos falimentares. Contudo, com apoio em Edilson Vitorelli[23] entende-se que o problema precisa estar sendo vivenciado por um grupo para que se esteja diante de um litígio estrutural, pois uma simples reforma arquitetônica, por exemplo, não depende de uma reorganização institucional ou de uma política estrutural.

Deste modo, é correta a afirmação de que é o propósito (e não necessariamente o objeto) o que define e caracteriza o processo estrutural. Mais do que simplesmente resolver um problema individual (entrega do bem da vida em uma ação individual), ou coletivamente, em ação proposta pelo Ministério Público ou Sindicato (para a tutela coletiva, abrangendo grupo de interessados), o processo estrutural tem como propósito identificar as causas das violações a direito (e não apenas tutelar as obrigações e responsabilidades das consequências), visando estancar o problema estrutural enraizado na sociedade ou na região.

Esta ilustração permite destacar que o papel do Judiciário é o de atuar como agente de equilíbrio, implementação e fiscalização de uma série de atos e de medidas a serem construídas preferencialmente de modo consensual, com flexibilidade e envolvendo vários polos.

Por isto, é possível caracterizar o processo estrutural como complexo, flexível, baseado na resolução de um problema estrutural (seu objeto ou propósito), com alto grau de conflitualidade e que demanda a definição de um plano (inclusive observada a necessária transição), sua implementação e a respectiva fiscalização.

Dado o alto grau de conflitualidade nos processos estruturais, na medida em que se está diante de um problema social complexo, há a necessidade de se adotar um procedimento bifásico: em primeiro lugar identifica-se o litígio estrutural (problema/diagnóstico) por intermédio de uma decisão meta. Em seguida passa-se para a segunda fase, que se subdivide no planejamento, implementação e acompanhamento. Dada a complexidade da situação, tem razão Vitorelli quando afirma que nas duas fases é necessário que existam provimentos cíclicos e espiralados[24]. Com isso é possível que a decisão vá melhorando progressivamente a realidade. Em sentido semelhante Arenhart sugere a necessidade de provimentos em cascata[25], ou seja, que se prolongam no tempo a partir da primeira decisão, que cria um núcleo da posição jurisdicional sobre o tema.

Nos termos cunhados por Owen Fiss, trata-se de uma ampliação da cadeia decisória para compreender que a execução de uma sentença estruturante tem um início, possivelmente um meio, porém não tem ou quase não tem fim.[26]

As decisões proferidas pelo magistrado durante um processo estrutural, portanto, após tais cautelas, tendem a ser destinadas a melhorar progressivamente a realidade, dando-se por intermédio de uma execução estrutural, na qual as etapas do plano originário são cumpridas, avaliadas e reavaliadas continuamente do ponto de vista dos avanços que proporcionam, permitindo a necessária transição a que faz menção o art. 23 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro[27].

Por este motivo, são decisões fragmentadas, cíclicas e não lineares, o que já suscitou questionamento quanto à existência de infraestrutura normativa suficiente para a condução destes processos complexos no Brasil.

Neste aspecto, ainda que não haja legislação específica sobre o curso do processo estrutural no país (assim como inexiste mesmo nos EUA, precursor do precedente e da teoria), a legislação processual brasileira possui um rico arcabouço para acomodar os processos estruturantes.

É possível extrair de várias passagens do Código de Processo Civil brasileiro os fundamentos normativos que autorizam e legitimam o processo estrutural: i) há expressa permissão processual para a publicação de decisões fragmentadas (decomposição ideológica do conteúdo decisório ou teoria dos capítulos da sentença); ii) é autorizada a sentença parcial de mérito; iii) o Código de Processo Civil estimula e fomenta a realização de negócios processuais entre as partes; iv) é possível a adoção de legislação extravagante no procedimento comum. Para além do Código de Processo Civil, a lei falimentar brasileira (Lei 11.101/2005), prevê que são separados os procedimentos e atos decisórios, sendo o processo falimentar um dos exemplos citados pela doutrina[28] a respeito de processos estruturais.

Existem, ainda, mais dois institutos processuais que possuem íntima simbiose com os processos estruturais: o princípio da cooperação e as audiências públicas.

De fato, nos processos estruturais, incide o princípio da cooperação[29] em sua máxima extensão e dimensão. É claro que isso não significa que as partes deixem de proteger seus interesses, tampouco que os litigantes passem a ostentar companheirismo[30]. Definitivamente, não é disso que se trata. O que se busca é a participação ativa das partes, do magistrado e de todos aqueles com interesse no processo, na construção de soluções para a gestão adequada da demanda. A cooperação judicial tem papel efetivo e preponderante nos conflitos estruturais e resulta em uma partição adequada de responsabilidades dos sujeitos do processo.

Por sua vez, as audiências públicas com a oitiva de todos aqueles que possam ser atingidos direta ou indiretamente pelos processos estruturais, além de conferir legitimidade para a decisão que será proferida, a municia com a absorção de múltiplos entendimentos, inúmeras facetas e distintas características que são exploradas por ocasião das sessões públicas. A realidade é muito rica, mais dinâmica e apresenta situações impossíveis de previsão, daí surgindo a audiência pública como mecanismo de aproximação do prolator da decisão com as pessoas que sentirão os seus efeitos.

Como exemplos práticos de processos estruturais no Brasil é possível citar, em primeiro lugar, a Ação Civil Pública (1035519-02.2020.4.01.3800) ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da União Federal e da Agência Nacional de Mineração - ANM[31], primeiro exemplo de pedido estrutural explícito formulado no país e por meio da qual se solicitou um plano de reestruturação da atividade de fiscalização de barragens na atividade minerária.

Como exemplos mais recentes, ainda, é possível citar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental[32] (ADPF 709)[33], que trata da proteção das comunidades indígenas, na qual o Supremo Tribunal Federal admite evidenciar a índole estrutural da demanda relacionada em ação que tem por objeto falhas e omissões do Poder Público no combate à pandemia da COVID-19 entre os Povos Indígenas, com alto risco de contágio e mesmo de extermínio de etnias.

Além disso, no RESP 1854842-CE[34], o STJ definiu que o litígio (casas de acolhimento de adolescentes) tinha características estruturais e deveria ser processado de maneira estrutural, devolvendo o feito à instância inferior, já que, segundo a Corte Superior, a dificuldade de um problema não significa que ele não possa ser tratado e que o Judiciário não pode lavar suas mãos, sob pena de configuração do non liquet (art. 4º, Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro[35].

VI. COMPATIBILIDADE COM OS CONFLITOS SOCIAIS LABORAIS E O PROCESSO DO TRABALHO  ^ 

No processo do trabalho é comum a existência de demandas repetitivas envolvendo idênticos fatos com relação aos mesmos réus. Pesquisa empírica realizada pelos autores no Tribunal Regional do Trabalho do Estado do Paraná investigou quantas ações foram ajuizadas no respectivo tribunal no período de 01/01/2016 a 15/03/2020. Apurou-se que ingressaram 525.993 (quinhentas e vinte e cinco mil, novecentas e noventa e três) novas ações na Justiça do Trabalho do Paraná. Após verificar a quantidade, buscou-se identificar quais são as empresas que mais frequentam o judiciário paranaense.

Dentre as empresas que constam com mais ações ajuizadas, destacam-se o banco Itaú que foi réu em 4.646 (quatro mil, seiscentos e quarenta e seis) demandas, a rede de supermercados de origem americana WalMart, que foi ré em 4.334 (quatro mil, trezentos e trinta e quatro) ações e a cooperativa agropecuária Coopavel que foi demandada em 3.536 (três mil, quinhentos e trinta e seis) ações. Foram milhares de ações individuais abordando situações jurídicas e fáticas na maior parte das vezes iguais ou que guardam intensa semelhança e que geraram um enorme volume de atos processuais, audiências, sentenças, recursos e execuções. É evidente que essa situação teria solução muito mais racional –até mesmo para se evitar decisões diferentes em situações iguais, o que sem dúvida gera desprestígio ao sistema de justiça– se tivesse sido adotado um modelo de tutela coletiva que alcançasse esses demandantes e servisse tanto como tutela ressarcitória (indenizando os prejuízos já consolidados) como também como tutela inibitória (evitando a prática ou repetição dos atos ilícitos)[36].

É inegável que a busca por uma solução coletiva dos conflitos tende a trazer melhores resultados que em relação às demandas puramente individuais, na medida em que mais do que apenas resolver um problema específico (que irá se renovar em demandas semelhantes e de modo prospectivo, no futuro, envolvendo as mesmas partes), urge considerar a quebra do paradigma do processo e buscar resoluções sociais gerais, que atendam aos interesses não apenas dos envolvidos, mas que impliquem, com efeitos de longo prazo e de maior alcance, o atendimento aos fins sociais.

Ocorre que o atual sistema processual coletivo brasileiro também não é capaz de atender à finalidade para a qual foi originariamente proposto e não se tem apresentado como instrumento eficaz para uma solução prospectiva, ampla, de longo prazo, bem como não é apto à resolução dos problemas estruturais.

Isto se deve ao fato de que o processo coletivo brasileiro necessita de aperfeiçoamento e de técnicas mais adequadas e avançadas para a satisfação dos direitos envolvidos. De fato, é possível identificar pelo menos três grandes dificuldades operacionais nas tutelas coletivas: a) decisões judiciais proferidas de difícil cumprimento e voltadas para o passado; b) despreparo técnico dos intérpretes e operadores do direito; c) jurisprudência defensiva e retrógrada dos tribunais sobre a matéria.

Nesse cenário de litigância atomizada e reiterada, emerge a figura do processo estrutural como instrumento hábil a fornecer respostas jurisdicionais mais completas, racionais e abrangentes. Mais que prezar pela pura e simples resolução célere dos litígios individuais, o Poder Judiciário trabalhista deve estar munido de elementos eficazes para o correto enfrentamento dos litígios estruturais e, assim, atuar em conjunto com os demais envolvidos, consensualmente, na resolução de problemas de forma dinâmica, global, integral, prospectiva e de longo prazo.

Tal postura, que dependerá também da vontade do julgador em submergir no estudo, avigorar seu conhecimento e robustecer sua participação como intermediador, implicará vultosa contribuição, por exemplo: i) ao combate do trabalho infantil e ao trabalho escravo; ii) ao acesso ao pleno emprego às pessoas com deficiência; iii) à manutenção de um patamar mínimo aos trabalhadores migrantes e refugiados; iv) à não discriminação no ambiente de trabalho; v) ao combate ao assédio moral e sexual; vi) à proteção ao trabalho da mulher; vii) ao enfrentamento às demandas repetitivas, etc.

Estas soluções, a bem da verdade, não se limitarão à mera relação dual entre trabalhador (ou grupo de trabalhadores ou, ainda, o substituto processual) e a empresa, e envolverão uma série de outros atores, públicos e privados, incluindo aqueles ligados à atividade executiva e legislativa, atores sociais (sindicatos, partidos, cidadãos) e à própria instituição ou estrutura burocrática onde se enraizou o problema estrutural, e serão tomadas através de estabelecimento de políticas públicas, ações afirmativas, reformulação de estruturas burocráticas, implementação de melhorias, investimentos de base, entre outras medidas.

Hipóteses de cabimento de processos estruturais no âmbito laboral:

  1. Demandas repetitivas contra grandes litigantes e/ou objetos semelhantes

    São inúmeras as demandas ajuizadas na Justiça do Trabalho do Brasil em que se postulam, em face do mesmo empregador, direitos trabalhistas decorrentes da violação à jornada de trabalho diária/semanal, ao desvio/acúmulo de funções, trabalho em condições insalubres e perigosas, e submissão a assédio moral.

    De igual forma, em outros processos, é comum observar que as pretensões formuladas em determinada região, por determinado grupo ou determinada categoria de trabalhadores, ou em face de determinado ramo patronal, são bastante similares e se repetem ao longo dos anos.

    Ainda que em muitas destas situações seja possível identificar direitos heterogêneos ou individuais homogêneos, os conflitos sociais em referência são convenientemente frequentes em razão da passividade da atividade de fiscalização e nas reiteradas práticas trabalhistas irregulares por determinados empregadores, acomodados em eventuais condenações judiciais individuais, na falta de denúncias ou no difícil acesso ao Judiciário.

    Tais situações demonstram que não apenas o Poder Judiciário trabalhista se sobrecarrega da análise de fatos já conhecidos e vivenciados em momento pretérito e atual no âmbito do mesmo empregador (e que possivelmente continuarão a ocorrer), como também atinge os trabalhadores que mantêm contrato de trabalho. A manifesta e reiterada violação ao direito, aliás, vai de encontro à própria função social da empresa.

    Diante destes motivos, entende-se que é possível considerar a existência de um problema estrutural na instituição privada (empregador) ou pública (empresas públicas, sociedades de economia mista ou administração pública direta, autárquica e fundacional que contrata mediante o regime da CLT) e/ou na atividade de fiscalização (auditoria fiscal do trabalho) que viabiliza ou mesmo fomenta o desrespeito às normas trabalhistas não apenas por parte de um determinado empregador, mas de todos aqueles que acompanham a leniência do poder público na fiscalização de tais contratos, o que demanda a atuação conjunta de outros atores sociais e políticos na implementação das soluções, de modo a inibir/anular determinadas práticas que aviltam direitos dos trabalhadores e que são permitidas/viabilizadas por conta da falta de fiscalização ou da existência de sanções brandas.

  2. Trabalho escravo.

    Atualmente ocorre uma solução imediata e individualizada correspondente ao resgate de trabalhadores em condição análoga à escravidão (especialmente mulheres, crianças e migrantes) que consiste no registro formal do contrato de trabalho, pagamento de salários e horas extras, dentre outros fatores. Contudo, isso não impede que em outros locais outros (ou estes mesmos empregados) voltem a ser explorados ou, ainda pior, que o mesmo empregador reitere a ilegal conduta.

    Nesse contexto, um processo estrutural traria método, procedimento e solução diversos. Começaria por envolver as empresas acusadas de submissão ilegal de empregados à condição análoga à escravidão, mas não se limitaria a elas, trazendo para essa relação jurídica processual, de natureza plural e complexa, também os sindicatos, representantes públicos do Legislativo e Executivo, empresas relacionadas e beneficiadas com o trabalho escravo seja direta ou indiretamente. Isso propiciaria a instituição de políticas públicas eficazes para: a) recolocação profissional adequada dos trabalhadores, a fim de que não sejam explorados da mesma forma, sobretudo, mulheres e migrantes; b) criação de um sistema de formação profissional para trabalhadores (profissionalização e capacitação) financiada pelo Estado e por violadores dos direitos dos empregados; c) redução de encargos sociais para a contratação formal de determinados grupos vulneráveis; d) criação de uma base de dados de empregadores que utilizam trabalho escravo a fim de impedir ou reduzir seu acesso às contratações com pessoas jurídicas de direito público, dentre outras medidas.

  3. Fluxos migratórios.

    Pelas dificuldades ínsitas à sua natureza, os imigrantes se consubstanciam em grupo vulnerável e normalmente explorado. O Brasil recebeu uma imigração massiva de haitianos a partir de 2010, que ingressavam no território nacional por intermédio do Estado do Acre e que estavam em péssimas condições sociais, econômicas e laborais[37]. A fim de corrigir essa situação e diante da leniência da atuação estatal, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho ingressaram com ação[38], com nítido teor estrutural, para: i) regularizar a situação documental dos haitianos; ii) lutar pelo tratamento digno dos migrantes; iii) regularizar a gestão dos abrigos de estrangeiros; iv) combater o tráfico internacional de trabalhadores e sua submissão à situação de trabalho escravo.

    A ação proposta pelo Ministério Público não se limitava, portanto, à solução episódica do problema, com a tradicional lide dual envolvendo empregador e empregado, mas na própria falta de atuação efetiva do governo federal no combate à rota de imigração, na submissão de estrangeiros ao trabalho escravo, à demora e à restrição na concessão de vistos, na falta de inclusão dos haitianos no SINE (Sistema Nacional de Emprego), na falta de fiscalização de empresas que contratavam referidos estrangeiros, não protegidos por uma eficaz e segura política migratória.

VII. CONCLUSÃO  ^ 

Feitas as considerações acima, é forçoso reconhecer que um processo estrutural é aquele que tem por objetivo resolver um problema estrutural (seja pelo propósito ou pelo objeto).

Sua tendência é ser mais abstruso, multipolar e coletivo, já que busca uma reestruturação/reorganização, novas políticas, que envolvem a elaboração de um plano de longo prazo no funcionamento da instituição/estrutura ou mesmo uma empresa, e sua posterior implementação, o que demandará providências contínuas e impulsionais a fim de garantir os melhores, mais viáveis resultados e com a menor contingência de efeitos secundários e danos inesperados.

Também por estes motivos, é importante que o processo estrutural seja flexível e consensual, com a participação e o envolvimento de toda sociedade, cumprindo ao Judiciário o papel de intermediador e fiscalizador.

No uso das medidas processuais já disponíveis em nosso ordenamento jurídico, que é suficiente para tutelar as demandas estruturais, a decisão estruturante se dissocia da prestação jurisdicional tradicional, pois buscará o juiz proferir decisões em cascata, fragmentadas e prospectivas.

A utilização deste mecanismo de solução de litígios complexos se mostra como uma alternativa essencial para a resolução global, a longo prazo e de amplo espectro dos conflitos, razão pela qual deve igualmente ser utilizado na seara trabalhista, uma vez que compatível com sua principiologia.

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[*] Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[1] Os coautores colaboraram em igual medida na deliberação, fixação do problema e das hipóteses, bem como na conclusão deste trabalho.

[2] Art. 8º - Garantias judiciais: 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

[3] Cappelleti, M. e Garth, B.: Acesso à justiça, Safe, Porto Alegre, 1988, p. 71.

[4] Têm por finalidade restringir o acesso de ações simples aos tribunais superiores.

[5] Procedimento que permite ampla discricionariedade do magistrado.

[6] Estabelecimento de teses pelos tribunais superiores que vinculam e obrigam a adoção pelos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição.

[7] Lima, E. V. D.: O Devido Processo Legal Coletivo: Representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional [Tese doutoral], Universidade Federal do Paraná, 2015, p. 238.

[8] Esta decisão fomentou a ideia posteriormente rejeitada pelo precedente Brown v. Board of Education (1954), de que a doutrina “separado, mas igual” para brancos e afro-americanos era permitida pela Décima Quarta Emenda. US Supreme Court (1896). Plessy v. Ferguson. Disponível em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/163/537/#tab-opinion-1917401 (acesso em 9 novembro 2021).

[9] As Jim Crow Laws eram uma designação às leis sulistas que estabeleciam regras distintas para negros e brancos (baseados na supremacia branca) e faziam menção à expressão Jim Crow, uma forma pejorativa de se referir a uma pessoa negra. “A brief history of Jim Crow”, Constitutional rights foundation. Disponível em: https://www.crf-usa.org/black-history-month/a-brief-history-of-jim-crow (acesso em 7 novembro 2021.

[10] United States Courts. History: Brown v. Board of Education Re-enactment. Disponível em: https://www.uscourts.gov/educational-resources/educational-activities/history-brown-v-board-education-re-enactment (acesso em 9 novembro 2021).

[11] US Supreme Court (1938). Missouri ex rel. Gaines v. Canada. Disponível em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/305/337/ (acesso em 7 novembro 2021).

[12] United States Courts. History: Brown v. Board of Education Re-enactment. Disponível em: https://www.uscourts.gov/educational-resources/educational-activities/history-brown-v-board-education-re-enactment (acesso em 9 novembro 2021).

[13] US Supreme Court (1950). McLaurin v. Oklahoma State Regents. Disponível em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/339/637/ (acesso em 7 novembro 2021).

[14] “With all deliberate speed”, Separate is not equal. Disponível em: https://americanhistory.si.edu/brown/history/6-legacy/deliberate-speed.html (acesso em 7 novembro 2021).

[15] Lima, E. V. D.: O Devido Processo Legal Coletivo: Representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, ob. cit., p. 240.

[16] Britto, L. M. T. e Karninke, T. M.: “O caso Brown v. Board of Education, medidas estruturantes e o ativismo judicial”, em Moschen, V. R. B. (org.): Anais do IV Congresso de Processo Civil Internacional, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (Brasil), 2019, p. 279.

[17] Lima, E. V. D.: O Devido Processo Legal Coletivo: Representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, ob. cit., p. 20.

[18] Lima, E. V. D.: O Devido Processo Legal Coletivo: Representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional, ob. cit., p. 242.

[19] Lima, E. V. D.: “Litígios estruturais: decisão e implementação de mudanças socialmente relevantes pela via processual”, em Arenhart, S. C. e Jobim, M. F. (org): Processos estruturais, JusPodivm, Salvador, 2019, p. 274.

[20] Didier Jr., F. et al.: “Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro”, Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, núm. 75, 2020, pp. 101-136.

[21] Lima, E. V. D.: “Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças”, Revista de Processo, vol. 43, núm. 284, 2018, 333-369.

[22] Didier Jr., F. et al.: “Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro”, ob. cit.

[23] Lima, E. V. D.: “Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças”, ob. cit.

[24] Lima, E. V. D.: “Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças”, ob. cit.

[25] Arenhart, S. C.: “Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro”, Revista de Processo, vol. 38, núm. 225, 2013, pp. 389-410.

[26] Fiss, O.: “The forms of justice”, Harvard Law Review, vol. 93, núm. 1, 1979, p. 42.

[27] Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

[28] Didier Jr., F. et al.: “Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro”, ob. cit.

[29] Sobre o princípio da cooperação confira: Cunha, L.: “Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro”, em Cabral, A. P. e Nogueira, P. H. (coord.): Negócios processuais, JusPodivm, Salvador, 2019, pp. 43-78; Davis, K. E. e Hershkoff, H.: “Contracting for procedure”, em Cabral, A. P. e Nogueira, P. H. (Coord.): Negócios processuais, JusPodivm, Salvador, 2019, pp. 175-222; Santos, I. R.: “Processo, igualdade e colaboração: os deveres de esclarecimento, prevenção, consulta e auxílio como meio de redução das desigualdades no processo civil”, Revista de processo, Vol. 36, núm. 192, 2011, pp. 47-80; Peyrano, J. W.: “Sobre el proyeto em curso de reformas al Código Procesal Civil de Brasil”, em Ribeiro, D. e Félix Jobim, M. (coord.): Desvendando o novo CPC, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2015, pp. 87-98.

[30] Greger, R.: “Cooperação como princípio processual”, Revista de Processo, Vol. 37, núm. 206, 2012, pp. 123-134. No mesmo sentido: Didier Jr., F.: “O princípio da cooperação: uma apresentação”, Revista de Processo, Vol. 30, núm. 127, 2005, pp. 75-79.

[31] Ministério Público Federal (2019). Ação civil pública com com pedido de tutela provisória de urgência. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/acp_anm_uniao-1 (acesso em 2 novembro 2021).

[32] Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental é uma ação que tem por objeto a garantia ou defesa de preceito fundamental previsto na Constituição Federal brasileira, competindo funcionalmente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar a demanda.

[33] Supremo Tribunal Federal. (2020). Referendo na medida cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental 709 Distrito Federal. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754033962 (acesso em 2 novembro 2021).

[34] Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1854842 / CE. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/859491025/recurso-especial-resp-1854842-ce-2019-0160746-3/inteiro-teor-859491039 (acesso em 9 novembro 2021).

[35] Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

[36] Marinoni, L. G.: Tutela inibitória: individual e coletiva, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p. 36.

[37] Teles, T. R.: “A atuação jurídica do Estado Brasileiro na migração haitiana a partir do Estado do Acre (2010-2015)”, Revista Grifos, vol. 29, núm. 49, 2020, pp. 26-48.

[38] Ação Civil Pública n.º 0000723-55.2012.4.01.3000.