Novas tecnologias e saúde do trabalhador: riscos psicossociais e o direito à desconexão digital

New technologies and occupational health: psychosocial risks and the right to digital disconnection

Talita Corrêa Gomes Cardim

Doutoranda em Direito do Trabalho

Universidad de Valencia (España)

talita.cardim.adv@gmail.com 0000-0002-4924-7704

e-Revista Internacional de la Protección Social ▶ 2021

Vol. VI ▶ Nº 2 ▶ pp. 312 - 334

ISSN 2445-3269 ▶ https://dx.doi.org/10.12795/e-RIPS.2021.i02.14

Recibido: 04.11.2021. Aceptado: 20.11.2021

RESUMO

PALAVRAS-CHAVE

As novas tecnologias da informação e comunicação alteraram significativamente os conceitos tradicionais de trabalho e tempos de trabalho e descanso, surgindo assim inúmeros reflexos a saúde do trabalhador e questões jurídicas a serem respondidas pelo direito do trabalho. O principal objetivo deste artigo é analisar o impacto quanto aos novos riscos psicossociais e a necessidade da desconexão digital do trabalhador. Dentre as problemáticas encontradas, o objeto de estudo centra-se na questão da hiperconectividade do trabalhador, a eliminação da barreira entre o tempo de trabalho e descanso e os riscos psicossociais, abordando a telepressão e tecnostress, escravidão digital, novas doenças laborais, bem como o direito à desconexão digital. Para o desenvolvimento do trabalho foi utilizada a metodologia sistêmica, bem como a pesquisa descritiva e bibliográfica.

Tempo de trabalho e tempo de descanso

Saúde e segurança no trabalho

Direito à desconexão

Riscos psicossociais

Doenças modernas do trabalho

ABSTRACT

KEYWORDS

The new information and communication technologies have significantly altered the traditional concepts of work and working time and rest time, thus giving rise to numerous reflections on worker health and legal questions to be answered by labour law. The main objective of this article is to analyze the impact on new psychosocial risks and the need for the worker’s digital disconnection. Among the problems encountered, the object of study focuses on the issue of hyperconnectivity of the worker, the elimination of the barrier between working time and rest and psychosocial risks, addressing telepressure and technostress, digital slavery, new labour diseases, as well as the right to digital disconnection. For the development of the work was used the systemic methodology, as well as the descriptive and bibliographic research.

Working time and rest time

Health and safety at work

Right to disconnection

Psychosocial risks

Modern occupational diseases

SUMARIO:

I. INTRODUÇÃO

II. HIPERCONECTIVIDADE E A ELIMINAÇÃO DA BARREIRA ENTRE TEMPO DE TRABALHO E DESCANSO

III. NOVOS RISCOS PSICOSSOCIAIS A SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHADOR

A. Telepressão e tecnostress

B. Escravidão digital

C. Doenças “modernas” do trabalho. Síndrome de burnout

IV. DO DIREITO À DESCONEXÃO DIGITAL

A. Espanha

B. Brasil

C. Um direito já existente?

D. Regulação ineficaz. Implementação e fiscalização do direito à desconexão digital

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Bibliografia

I. INTRODUÇÃO  ^ 

A partir da quarta Revolução Industrial[1] houve o surgimento da sociedade digital da era do conhecimento e um dos maiores desenvolvimentos no mundo atual do trabalho foi o aparecimento das plataformas digitais de trabalho, que operam em quase todos os setores, permitindo o labor de forma remota e em qualquer lugar que se encontre o trabalhador[2], havendo uma disruptura na sociedade com a introdução das novas tecnologias que alteraram completamente os conceitos existentes até então nas relações de trabalho.[3]

Pela pela primeira vez na história o crescimento econômico e uma revolução industrial são impulsionados pela era da informação, não se tratando mais de uma ideia de um futuro distante, mas uma realidade com inúmeros efeitos que não passam despercebidos e “perante esta realidade, os operadores do direito defrontam, constantemente, novas questões, para as quais os ordenamentos positivos, sobretudo os de matriz legislativa, nem sempre dispõe de resposta sensível e imediata”[4].

As novas formas de trabalho requerem níveis de labor mais intensos e aumentam a probabilidade de conflitos entre trabalho-descanso-vida privada. Ora, se por um lado estes novos empregos permitem que os trabalhadores gozem de horários de trabalho mais flexíveis, por outro, a ausência de uma regulamentação efetiva traz importantes preocupações relativamente ao baixo nível de proteção, deixando o trabalhador de se beneficiar da segurança e saúde no trabalho.

A sociedade atual se encontra hiperconectada.

Existe assim uma “crise do Direito do trabalho”, com inúmeras novas questões jurídicas e riscos psicossociais, que “sendo este uma metodologia do relacionamento humano, custa a ser valorizada, porque não é uma resposta direta virada ao culto da tecnologia”.[5]

É relevante que a legislação ao reconhecer as novas formas de trabalho, garanta também que os trabalhadores não irão realizar suas obrigações laborais durante seu tempo de descanso e vida privada. Com isso, o que se pretende é que eles não sejam diluídos as margens do dia de trabalho e que os direitos da coletividade de trabalhadores não sejam absorvidos por reflexos negativos da era tecnológica desenfreada.

Se a tecnologia é capaz de gerar novas formas de trabalho na organização das empresas, é necessário se perguntar e estudar quais serão impactos. Como fica a Previdência se esta não reconhece um novo nexo causal de doenças e acidentes de trabalho?

II. HIPERCONECTIVIDADE E A ELIMINAÇÃO DA BARREIRA ENTRE TEMPO DE TRABALHO E DESCANSO  ^ 

A era tecnológica permite que se possa trabalhar a qualquer hora e lugar e, portanto, os limites clássicos do tempo e do local de trabalho são facilmente quebrados.

Como bem explica Rodríguez Fernández, a tecnologia pode facilitar a combinação de momentos de trabalho e vida privada, mas o que mais acaba acontecendo como impacto na vida do trabalhador é que ao se possibilitar o trabalho a todo e qualquer momento, sem limites, extingue-se qualquer tempo para vida privada e descanso[6].

Houve globalmente impactos importantes nas relações laborais, com a significativa alteração dos meios de trabalho em razão do desenvolvimento da quarta revolução industrial, através da introdução de meios de tecnologia digitais, que certamente jamais permanecerão as mesmas.

Atualmente, tem-se como normal assumir o dia “7/24”, ou seja, o trabalhador estar disponível 24 horas por dia, sete dias por semana e não há dúvida de que o tempo trabalho condiciona o resto dos tempos de qualquer indivíduo. Neste sentido, tem-se utilizado muito a expressão “trabalho anytime, anywhere”.[7]

E aqui não se levanta a categorização simplista entre o tempo de trabalho efetivo e o tempo de descanso, mas com a crescente demanda por flexibilidade, deve ser abordada a regulamentação da proteção ao tempo de não trabalho neste novo modelo de organização e os impactos psicossociais ao trabalhador desta falta de regulamentação.

Teresa Coelho Moreira introduz o grande questionamento: qual é o tempo de trabalho de um trabalhador digital? E qual o seu período de repouso?[8]

Diante da revolução digital, a cada dia surgem novos problemas quanto a limitação dos tempos de trabalho e que estão diretamente relacionados com as novas tecnologias e com as novas formas de labor e neste “novo mundo” do trabalho, o tempo de prestação de serviços torna-se cada vez mais flexível.

Se por um lado vislumbra-se a possibilidade de melhor conciliação dos tempos de trabalho e de vida privada, ao mesmo tempo surgem novos problemas com a sua limitação, na medida em que os trabalhadores passaram a ser avaliados pelos resultados e não pelo trabalho que realizam, culminando na intensificação dos tempos de trabalho.

Constata-se assim uma preocupante diminuição progressiva da barreira entre o tempo de trabalho e o tempo de descanso, em que cada vez mais a subordinação deste trabalhador se estende a sua vida privada, predominantemente através da utilização de instrumentos e recursos tecnológicos que não permitem que o “trabalho fique no trabalho”[9].

Com o uso das TIC (tecnologias da informação e comunicação), a sociedade atual está em estado de constante “astreinte”[10], permanecendo à disposição de eventuais chamadas, sendo que da “telesubordinação”, passamos rapidamente a “teledisponibilidade”[11].

O que ocorre é que com a conexão extrema e um número cada vez maior de tecnologias de informação e de comunicação, o espaço de trabalho e o tempo deixam de ser relevantes, culminando em uma cultura laboral cada vez mais permissiva.

Neste sentido, a Eurofound e a OIT produziram no ano de 2017 um relatório[12] no qual concluíram que a introdução de novas tecnologias acarreta efetivamente uma extensão do horário de trabalho, sem estabelecer quaisquer limites sobre importante de repouso durante as noites, nos fins de semana e feriados. Este relatório é muito importante, eis que uma nova forma de trabalho nunca poderá refletir em diminuição ou eliminação dos direitos trabalhistas já adquiridos.

Ainda, na Espanha, 64 % dos trabalhadores confirmam que desenvolvem seu desempenho profissional mesmo durante suas horas livres e 68 % confirmam que recebem e-mails e telefonemas relativos fora do horário de trabalho[13].

Na esteira do que destaca Leal Amado, “são de todas conhecidas as impressionantes mudanças registadas na nossa forma de viver, de comunicar e de trabalhar, resultantes da informatização, da internet, do e-mail, das redes sociais, dos smartphones, dos computadores (...). E um dos principais efeitos destes fenômenos consiste, sem dúvida, na diluição das tradicionais fronteiras entre a vida profissional e vida pessoal, entre o público e o privado, sobretudo no âmbito das atividades de cariz intelectual. Agora, em muitos casos, o trabalho (e, por conta disso, o empregador) pode facilmente acompanhar o trabalhador, seja quando for e onde quer que este se encontre”[14].

Estes problemas da hiperconectivade que são inúmeros e complexos, obviamente não são fáceis de eliminar, contudo, o direito do trabalho neste novo cenário digital, deverá ser o mesmo de sua origem, qual seja, de limitar o tempo de trabalho, salvaguardar a saúde do trabalhador e garantir a autodisponibilidade[15].

As novas tecnologias possibilitam uma maior flexibilidade de espaço e tempo de trabalho, contudo, permitem ao mesmo tempo a adoção de horários irregulares, incluindo a prestação de trabalho para além do período normal de labor, cujas implicações a nível da concorrência não podem ser desprezadas, como veremos a seguir[16].

III. NOVOS RISCOS PSICOSSOCIAIS A SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHADOR  ^ 

O tipo de trabalho realizado pode favorecer ou piorar a saúde mental dos trabalhadores, o que foi acelerado com a introdução das novas tecnologias e é preciso reconhecer a existência de novos riscos psicossociais diante das novas formas de trabalho.

Como elucida Zenha Martins, “a tecnologia digital abre novas possibilidades de monitorização do tempo de trabalho e a dispersão de locais de trabalho é progressiva, aumentando as prestações de trabalho marcadamente intelectuais, realizáveis a partir de qualquer lugar. As vantagens oferecidas por novas formas de emprego como o trabalho por carteira e o trabalho móvel com recurso a tecnologias no que respeita às aspirações de uma organização do trabalho mais flexível são contrapesadas por riscos efetivos de aumento do tempo de trabalho, comprometendo-se, com isso, a saúde e a segurança dos trabalhadores”[17].

Os tempos atuais de trabalho se tornaram “flexíveis”, contudo, apenas com relação a prolongação da jornada, incidindo na fatiga digital, na qual há uma menor incidência de acidentes físicos, contudo, maior índice de enfermidades psicológicas.

Estamos diante de novos riscos psicossociais, como o sentimento de ter de estar disponível a qualquer momento e lugar, bem como um maior desequilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional do trabalhador, com maior pressão para realizar menos intervalos, trabalhar por mais horas e correr riscos contra a saúde e segurança no trabalho[18].

Os avanços tecnológicos mudaram a forma como transferimos a informação e mantemos relações com outros em nosso trabalho, resultando na realização das atividades laborais utilizando predominantemente tecnologias de informação e comunicação. Desta forma, os benefícios do uso das TIC podem ser diminuídos pelos custos de saúde mental e física dos trabalhadores a médio e longo prazo se não for bem regulamentado.

A diferença entre os riscos é que os psicossociais são subjetivos e não podem ser delimitados. O rol de fatores psicossociais é muito amplo e não pode ser taxativo.

Conforme dispõe a “Nota Técnica de Prevenção nº 1123 Las Tecnologías de la Información y la Comunicación (TIC) (II): factores de riesgo psicosocial asociados a las nuevas formas de organización del trabajo”[19] da Espanha, as TIC incidem em fatores de risco psicossocial associados as novas formas de organização de trabalho e foi incluído como demanda psicológica a diminuição do tempo de descanso mental e físico necessários para a recuperação do trabalhador devido a prolongação do tempo de trabalho e da necessidade de estar sempre disponível proporcionada pelo uso das tecnologias e da conectividade permanente.

A partir da identificação da existência de novos riscos psicossociais, surge a urgente necessidade de reexaminar uma política nacional coerente relacionada com o meio ambiente de trabalho sadio. Essa política deve ter por objeto prevenir os novos tipos de acidentes e doenças de trabalho, bem como nexo de causalidade, com a intenção de reduzir ao mínimo as causas dos riscos inerentes ao novo meio ambiente de trabalho.

É necessário um novo sistema de controle para minimizar os riscos, exigindo dos empregadores que estes garantam que o ambiente de trabalho seja saudável, eis que são direitos laborais básicos e devem-se focar sempre sob a perspectiva dos direitos humanos sem distinção entre tipos de trabalho.

É preciso implementar uma cultura preventiva de riscos psicossociais na medida em que não se pode pensar mais apenas em riscos físicos, atualmente os riscos se tornaram muito mais psicológicos. Está diretamente relacionada com a saúde e riscos psicológicos também e prevenção de riscos, que geram situações de incapacidades temporárias e permanentes decorrentes da falta de descanso.

Para Supiot, a capacidade de trabalho acha-se subordinada a uma capacidade física, e todos os acontecimentos que afetem esta, afetarão aquela: a fadiga, a doença, a juventude ou a velhice. O trabalho “intelectual” conhece, de resto, as suas patologias específicas e a fadiga nervosa está e, vias de se tornar, nas nossas sociedades, a forma mais frequente e mais visível da usura física dos trabalhadores.[20]

Os avanços tecnológicos mudaram a forma como transferimos a informação e mantemos relações com outros em nosso trabalho, resultando na realização das atividades laborais utilizando predominantemente tecnologias de informação e comunicação. Desta forma, os benefícios do uso das TIC podem ser diminuídos pelos custos de saúde mental e física dos trabalhadores a médio e longo prazo.

Vejamos três dos principais riscos identificados acerca dos reflexos do uso desenfreado e não regulamentado das tecnologias no trabalho para a saúde do trabalhador.

A. Telepressão e tecnostress  ^ 

Embora a acessibilidade forneça às pessoas a flexibilidade para gerenciar relacionamentos e tarefas a partir de um único dispositivo, também pode levar a expectativas maiores de conectividade social e respostas imediatas, mesmo fora do tempo de trabalho[21]. Atualmente, tudo é urgente.

A extrema conexão com o trabalho não permite mais que os trabalhadores usufruam do período de repouso e vida privada entre uma jornada e outra de labor.

A telepressão no local de trabalho é descrita como um estado psicológico que incentiva os trabalhadores a se manterem conectados por meio de dispositivos de informação e comunicação[22].

Assim, mesmo quando não estão trabalhando efetivamente, os trabalhadores tendem cada vez mais a sentir pressão para responder a mensagens relacionadas ao trabalho que chegam em seus dispositivos, denominando de “telepressão”[23].

Se experimentar altos níveis de telepressão, o trabalhador sentirá obrigatoriedade para responder imediatamente a uma comunicação assíncrona, semelhante ao esperado em uma solicitação síncrona e presencial. Isso pode levar os trabalhadores a priorizar as comunicações de TIC durante todo o dia de trabalho e não usufruir períodos de recuperação entre tarefas. Além do tempo de trabalho designado, essa mudança de foco pode transformar o uso assíncrono de TIC longe de uma percepção de “acesso flexível ao trabalho” para “trabalho inescapável””[24].

Em resumo, trata-se da pressão exercida sobre o trabalhador para a urgência em responder e-mails e mensagens que poderiam ser respondidas na jornada de trabalho seguinte, sob a ideia de estarem sob pressão e vigilância do empregador, culminando na total ausência de desconexão do trabalhado nos períodos de vida privada.

Ressalta-se que frequentemente se confunde ou de maneira mal-intencionada justifica-se, que os empregados respondem voluntariamente a demandas de trabalho após o horário em razão de engajamento, contudo, a telepressão e um indivíduo workaholic[25] diferem na orientação motivacional. A telepressão no local de trabalho é amplamente focada na manutenção das relações sociais e das impressões no trabalho por meio da comunicação mediada por um instrumento TIC. Como tal, o foco é responder a mensagens relacionadas ao trabalho em vez de realmente executar tarefas de trabalho.

Também há estudos reconhecidos que confirmam a vinculação entre a hiperconexão, o stress laboral e a saúde do trabalhador, decorrente da economia das 24 horas, aumentando do tempo de trabalho após o trabalho com o uso das TICs. O tecnostress é descrito como uma enfermidade de adaptação causada pela falta de habilidade com o uso das novas tecnologias no ambiente de trabalho de forma saudável. Neste caso, o trabalhador se vê obrigado a estar em contato com dispositivos eletrônicos recebendo instruções de trabalho a qualquer momento em seu tempo de vida privada.

Destaca-se que desde o ano de 1999 o stress ocupacional é reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho das Nações Unidas, como uma “epidemia global”[26].

O estudo apontou fortes indícios de que o fato de estar constantemente conectado com o trabalho fora do horário de labor diminui a produtividade e aumenta as chances de desenvolvimento de problemas de saúde. Isso porque, estar sempre conectado impede que o trabalhador se recupere das atividades profissionais do dia a dia.

Em períodos curtos ou moderados de tempo, a telepressão no local de trabalho pode não afetar negativamente os resultados de saúde. Contudo, a exposição de médio e longo prazo pode ter efeitos cumulativos na saúde devido à falta de desligamento contínuo do trabalho.

Concluiu-se ainda que o aumento da telepressão e tecnostress associam-se ao desenvolvimento da síndrome de burnout e tantos outros reflexos negativos de saúde dos trabalhadores. A conexão em tempo integral através de e-mails, mensagens sempre sob o título de urgentes e relatórios inadiáveis, configura ainda um verdadeiro assédio moral, bem como uma situação de servidão digital, como será exposto a seguir.[27]

B. Escravidão digital  ^ 

Neste “Admirável Mundo Novo do Trabalho”[28], a discussão da limitação dos tempos de trabalho é de extrema importância, na medida em que “parece poder permitir quase um novo tipo de escravatura” que em que pese ser diferente do conceito de escravidão que estamos acostumados até então, coloca em pauta um dos mais antigos direitos dos trabalhadores, qual seja, o direito ao tempo de descanso e vida privada entre as jornadas de trabalho.

Houve o surgimento de uma tendência na sociedade que é o de permanecer conectado as ferramentas de trabalho 24 horas por dia, 7 dias por semana, em qualquer lugar que se encontre, com constante pressão, vigilância e cobrança de que o empregado esteja conectado e disponível a qualquer tempo.

As horas de trabalho oficiais perdem o significado quando o trabalho pode ser levado para a casa do trabalhador e continuar a ser realizado sem qualquer controle de limite temporal e ainda mais quando o trabalho é realizado a todo o tempo em domicílio, como no teletrabalho.

Exige-se que os trabalhadores estejam cada vez mais disponíveis fora do horário de trabalho e tem-se uma maior intensificação de controle digital, embora o trabalhador pareça mais livre. Isso é um risco em concreto e não deve ser desconsiderado ou deixado de lado pelo direito do trabalho.

Estamos diante do fenômeno ao qual se tem classificado como “escravidão digital”. Esclarece-se que não se trata do conceito de escravidão que conhecemos e que é objeto de penalidades no Código Penal. O atual conceito de trabalho escravo não mais se restringe à privação local de liberdade e de propriedade de um ser humano, como anteriormente”[29].

Atualmente é preciso estar permanentemente conectado e disponível para poder trabalhar, e tal fato repercute no aumento potencial de sofrer acidentes de trabalho. Pergunta-se, quem é o responsável frente a estes danos? Cada nova forma de trabalho tem suas características e riscos físicos e psicossociais associados.

A tecnologia permite maior controle com GPS e algoritmos, e as consequências são prejudiciais aos trabalhadores que se sentem constantemente controlados e julgados, prejudicando a sua saúde, com o aumento do tecnostress, depressão, enfermidades, angustia, cansaço, inclusive os trabalhadores e repartidores tem que estar sempre disponíveis, se não, não trabalham.

São forçados a estar sempre disponíveis. Não é uma disponibilidade voluntária como se tenta convencer.

Teresa Coelho Moreira[30] e João Leal Amado[31] também refletem a respeito de estarmos vivendo um novo tipo de escravatura, reflexão esta compartilhada pela autora deste trabalho[32].

De fato, qual é o trabalhador que atualmente trabalha só no local de trabalho? E nesta nova realidade, na qual muitas vezes o local de trabalho é o próprio domicílio do trabalhador, eliminando a barreira entre local de trabalho e vida privada?

O trabalhador moderno encontra-se em uma situação limite de “exaustão, mas incapaz de desconectar”[33].

As exigências expressas e veladas no novo mundo do trabalho impõem uma verdadeira “escravidão”, através da obrigação de acessibilidade e disponibilidade do trabalhador sem quaisquer balizas ou muito para além dos limites da razoabilidade[34].

O avanço da tecnologia a utilização das ferramentas de comunicação no labor deve servir para a melhoria das relações de trabalho e otimização das atividades, jamais para escravizar o trabalhador e invadir o tempo de vida privada, implicando em graves violações a direitos fundamentais e sociais do trabalhador como a dignidade da pessoa humana, o direito ao lazer, à saúde e ao meio ambiente de trabalho sadio.

Há atualmente a proteção e regulamentação de atividades que não existem mais, que eram uma realidade da época na qual as legislações foram regulamentadas, sendo que não era possível prever em tal época a era digital. A realidade comprova que é preciso a modernização da legislação, para que as novas tecnologias venham auxiliar e não limitar a liberdade do trabalhador, sendo inadmissível que alguns dos direitos que foram objeto de tantas lutas no passado, aos poucos estão sendo deixados de lado de forma consciente.

C. Doenças “modernas” do trabalho. Síndrome de burnout  ^ 

lyon previu no ano de 1992 que diante do surgimento das tecnologias da informação, em 25 anos só seria necessário 10% da força atual de trabalho, com o aparecimento de uma “indústria da felicidade”, onde se incluiriam os tempos livres, atividades do domínio da saúde e bem-estar[35] [36].

A previsão de Lyon não se concretizou, havendo na verdade a diminuição do tempo livre e a tal indústria da felicidade transformou-se em uma forma de servidão digital. Acompanhando Pedro Morgado, “apesar da ilusão de que a automatização dos processos produtivos poderia conduzir à redução das necessidades de trabalho humano com consequente aumento dos tempos de lazer e fruição, a verdade é que o trabalho continua a ser um elemento central da vida humana no século XXI”[37], ainda mais diante das formas remotas de trabalho e extrema pressão imposta ao trabalhador, conforme já exposto.

A alteração das tipologias de trabalho e o constante crescimento da pressão sobre os trabalhadores culminou na mudança dos impactos do trabalho na saúde, que era tradicionalmente centrado nas consequências físicas e passando a aumentar o impacto na saúde mental. Deste modo, observa-se como um dos impactos do uso desenfreado e sem regulamentação específica para os novos riscos no ambiente de trabalho, a alteração dos reflexos que antes eram físicos, para o reflexo mental.

São fatores psicossociais de risco, o aumento da intensidade do trabalho e tempos de trabalho, tais como ultrapassar o horário normal de trabalho, a disponibilidade permanente do trabalhador a qualquer hora, a obrigação velada ou expressa de levar trabalho para casa, para além do horário normal e dificuldades de conciliação entre o trabalho e a vida fora do trabalho[38].

O aumento de horário de labor no teletrabalho e extrema conexão afetam a estabilidade da vida laboral dos trabalhadores e consequentemente, a sua segurança e saúde. Atualmente, cerca de um terço da força de trabalho mundial (36,1%) cumpre horários de trabalho excessivos – ou seja, trabalha regularmente mais de 48 horas por semana[39].

A relação entre reconhecimento de riscos à saúde mental e o trabalho é complexa. Os riscos psicossociais no ambiente laboral não são recentes, mas com a aceleração da revolução tecnológica e extrema conectividade do trabalhador, ganhou maior destaque nos últimos anos.

Os indicadores de saúde mental dos trabalhadores correlacionam-se com a produtividade geral das empresas, com as taxas de doença, o nível de absenteísmo, os acidentes de trabalho e a estabilidade do corpo produtivo, sendo que a duração e a organização do trabalho são fatores diretamente relacionados com a qualidade dos indicadores mentais dos trabalhadores, não podendo ser deixado de lado ainda a duração da jornada de trabalho diária[40].

São fatores psicossociais de risco, o aumento da intensidade do trabalho e tempos de trabalho, tais como ultrapassar o horário normal de trabalho, a disponibilidade permanente do trabalhador a qualquer hora, a obrigação velada ou expressa de levar trabalho para casa, para além do horário normal e dificuldades de conciliação entre o trabalho e a vida fora do trabalho[41].

Estes horários de trabalho excessivos estão associados à fadiga crônica, que pode resultar em doenças cardiovasculares, distúrbios gastrointestinais ou no declínio da saúde mental, como será exposto neste capítulo. Dentre as denominadas “doenças modernas do trabalho”, tem-se o stress laboral e a síndrome de burnout.

A síndrome de burnout é considerada um dos danos laborais de caráter psicossocial mais grave da atualidade, sendo conceituada como um prolongamento do stress ocupacional, muito frequentemente decorrente da sobrecarga de trabalho, horário extenso de labor e pressão para cumprimento de prazos e hiperconexão.

A telepressão e o meio digital agravaram significativamente o aumento de casos de profissionais diagnosticados com a síndrome de burnout. Resta claro a importância do tempo de trabalho e descanso no “novo normal” das relações de trabalho com o uso das TIC.

A extrema conectividade acarreta inúmeros problemas de saúde ao trabalhador e pesquisas em diversos países comprovam o crescimento do número de acidentes de trabalho reflexos da ausência de desconexão digital.

A síndrome de burnout é um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de um esgotamento físico e mental intenso, cuja causa está intimamente ligada à vida profissional[42].

A Organização Mundial da Saúde, incluiu recentemente a síndrome de burnout na 11ª revisão da Classificação Internacional de Doenças –CID-11, com o código QD85– como um fenômeno ocupacional.[43] Cumpre esclarecer a Síndrome já estava incluída na CID-10, na mesma categoria que na CID-11, mas a definição está agora mais detalhada, qual seja, “Síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso”. A OMS reconhece expressamente a relação entre o Burnout e o trabalho[44].

Destaca-se que a Síndrome do esgotamento profissional não exige notificação ao Ministério da Saúde no Brasil, motivo pelo qual o órgão não tem dados suficientes para informar a real quantidade de trabalhadores que foram diagnosticados com a doença até o momento. Positivamente, com o reconhecimento da OMS sobre os critérios para burnout, poderemos passar a ter estatísticas mais precisas sobre o problema no país.

Como bem pontua Carla Barros, a desvalorização dos riscos psicossociais dificulta uma tomada de consciência da sua importância e impede a implementação de políticas e práticas dirigidas à intervenção as condições de trabalho[45]. Importante ressaltar que a avaliação e a intervenção nos riscos psicossociais são da responsabilidade dos empregadores, devendo estes avaliar e gerir os diferentes tipos de risco de uma forma preventiva e estabelecer medidas e sistemas de implementação[46].

O relatório de 2019 da Comissão Mundial da OIT sobre o futuro do trabalho declara que: a limitação dos horários de trabalho excessivos reduzirá o número de acidentes de trabalho e os riscos psicossociais associados (OIT, 2019a).[47]

Ainda há um longo caminho a percorrer para a garantia da tutela plena do direito dos trabalhadores à segurança e saúde no trabalho com relação aos riscos psicossociais.

IV. DO DIREITO À DESCONEXÃO DIGITAL  ^ 

A tecnologia pode facilitar a combinação de momentos de trabalho e vida privada, mas ao se possibilitar o trabalho a todo momento, sem limites, extingue-se qualquer tempo para vida privada e descanso[48].

Há algumas décadas não era possível imaginar que a tecnologia iria romper determinadas barreiras de tempo e espaço de trabalho na forma como ocorre atualmente. Não obstante, o uso indiscriminado de correios eletrônicos e reuniões virtuais com o uso de plataformas digitais próprias, causa uma sobrecarga nos trabalhadores e tem piorado a sua produtividade e a saúde do trabalhador. As formas de trabalho mais flexíveis e com maior uso de tecnologia necessitam de uma regulação eficaz para proteger os trabalhadores do uso excessivo dos meios tecnológicos no ambiente laboral.

Diante disso, necessário se faz discutir a regulamentação do direito à desconexão digital do trabalhador.

Conforme doutrina especializada, “o uso sistemático, no contexto das relações de trabalho, das várias formas de comunicação eletrônica, todas disponíveis por instrumentos portáteis, se, por um lado, contribuiu para uma crescente “desmaterialização” da comunicação no interior das organizações de trabalho (ex. abandono arquivos de papel), por outro passou a permitir, com uma amplitude ilimitada, a interação das hierarquias e dos subordinados, tendendo a eliminar a necessidade da presença física e do contato pessoal. Esta evolução abre espaço a formas invasivas de relacionamento profissional, caracterizadas pela ideia de que as pessoas devem estar sempre “contatáveis” e “disponíveis”, para além dos limites dos “tempos de trabalho”, sem que os empregadores estejam condicionados por qualquer forma nem tenham que suportar com isso qualquer agravamento de encargos salariais”[49].

A expressão desconexão digital era vista até pouco tempo atrás como uma barreira ao progresso, eis que o futuro do trabalho irá utilizar os meios digitais. Contudo, esta desconexão tem grande impacto na relação laboral, saúde e segurança do trabalho e cada vez mais este tema se torna atual em razão da consolidação do uso das TICs no ambiente de trabalho como o “novo normal”[50].

Como já visto, a hiperconectividade constante pode levar ao aparecimento de patologias ocupacionais. Os riscos psicossociais no trabalho à distância são diferentes dos riscos decorrentes do trabalho presencial, como já exposto em item próprio.

Diante dos riscos e inúmeras violações aos direitos fundamentais dos trabalhadores, com os abusos no uso indiscriminado e sem qualquer regulamentação protetiva na utilização dos novos meios tecnológicos, é preciso que o direito do trabalho estabeleça limites a conexão laboral e ao nível de fatiga digital, com a garantia da sua vida privada, salvaguardando o seu período de autodisponibilidade[51], sendo extremamente necessário discutir o direito à desconexão do trabalhador.

“O grande problema para a maioria dos trabalhadores é como exercer, realmente, esse “direito à desconexão”, num tempo de concorrência global e desenfreada. Ora, como ousar desligar e desconectar-se, como premir o botão off, numa época marcada pelo excesso de trabalho de alguns, mas também pelo desemprego de muitos?” [52].

O direito à desconexão do trabalho envolve o direito de trabalhar, uma garantia social do ser humano que deve ser respeitada, mas também o direito de se desconectar do trabalho ao encerrar sua jornada[53]. É preciso atualizar a legislação laboral, para que as novas tecnologias venham sempre para auxiliar o meio ambiente de trabalho e não para limitar a liberdade do trabalhador.

Importante destacar que não há em nenhuma legislação até o momento uma definição robusta e exata que descreva o conceito de “direito à desconexão”.

Como tão brilhantemente elucida Monteiro Fernandes:

“o direito à desconexão diz respeito aos períodos em que o trabalhador não tem qualquer obrigação contratual de disponibilidade e visa garantir que o descanso e lazer sejam integralmente respeitados. Significa que o empregador e companheiros de trabalho não podem estabelecer com o trabalhador contatos sobre matéria profissional– e, sobretudo, significa que o trabalhador pode obstar e não atender esses contatos, sem que sejam admissíveis consequências negativas”[54].

Acompanhando a doutrina brasileira:

A pertinência situa-se no próprio fato de que ao falar em desconexão faz-se um paralelo entre a tecnologia, que é fato determinante da vida moderna, e o trabalho humano, com o objetivo de vislumbrar um direito do homem de não trabalhar, ou, como dito, metaforicamente, o direito a se desconectar do trabalho.

Esclareça-se que o não-trabalho aqui referido não é visto no sentido de não trabalhar completamente e sim no sentido de trabalhar menos, até o nível necessário à preservação da vida privada e da saúde, considerando-se essencial esta preocupação (de se desligar, concretamente, do trabalho) exatamente por conta das características deste mundo do trabalho marcado pela evolução tecnológica[55].

O direito a desconexão do trabalho envolve o direito de trabalhar, uma garantia social do ser humano que deve ser respeitada, mas também o direito de se desconectar do trabalho ao encerrar sua jornada[56].

No direito à desconexão, o trabalhador deixa de estar - e importante, deve deixar de se “sentir” obrigado a permanecer ligado ou disponível durante os seus períodos de descanso para responder às ordens ou solicitações de serviço que lhe são enviadas através dos meios eletrônicos.

O direito à desconexão existe como suporte nas normas sobre limites da duração do trabalho, horários de trabalho e direito ao repouso. O que está em causa não é o tempo de trabalho, mas sim o que acontece após o horário de trabalho, o que se faz dele. Um enorme progresso como os meios tecnológicos deverá vir acompanhado de medidas protetivas aos trabalhadores.

Não se pretende repor a eficácia plena das garantias ligadas ao horário de trabalho e ao período de trabalho contratado, mas antes restringir o uso abusivo das novas tecnologias por parte das empresas[57].

A. Espanha  ^ 

Desde o final do ano de 2018, a Espanha prevê o direito à desconexão, ainda que em legislação escassa.

Através da Lei Orgânica de Proteção de Dados Pessoais e Garantia de Direitos Digitais nº 3/2018[58] sobre a proteção de dados pessoais e garantia de direitos digitais, incluiu o direito à desconexão digital no âmbito laboral em seu artigo 88, sendo um avanço, ainda que tímido e fora de uma lei trabalhista. Este artigo é responsável apenas por um reconhecimento básico do direito, transferindo a responsabilidade pela sua configuração para a autorregulação coletiva. Este único dispositivo estabelece um dever para as empresas de realizar uma busca diária de horas de trabalho dos trabalhadores na empresa, na qual deverá constar o cronograma de início e de conclusão do trabalho de cada empregado.

Os artigos nº 88[59] e 90 da LO 3/2018, regulamentaram pela primeira vez no país o direito à desconexão no local de trabalho e o direito à privacidade na utilização de sistemas de geolocalização e visa potencializar a conciliação da vida laboral e da vida pessoal privada, estando sujeitas ao que for estabelecido em negociação coletiva, ou na sua falta, o acordado entre a empresa e os representantes dos trabalhadores.

Após dois anos, o artigo nº 18 do Decreto-Lei Real 28/2020 garantiu que as pessoas que trabalham remotamente, particularmente no teletrabalho, tenham direito à desconexão digital fora de suas horas de trabalho, nos termos estabelecidos no artigo 88 da Lei Orgânica 3/2018 e é dever empresarial garantir a desconexão.

Este dispositivo estabelece um dever para as empresas de realizar uma busca diária de horas de trabalho dos trabalhadores na empresa, em que conste o cronograma de o início e conclusão do trabalho de cada um deles, sem prejuízo da flexibilidade de tempo que está estabelecida neste artigo.

A jurisprudência ainda estabelece que o tempo de trabalho no domicílio do trabalhador terá o tempo de trabalho igual ao realizado no local da prestação de serviços. Nestes termos, com base no direito à segurança eficaz e proteção, o artigo 14.1 da Lei nº 31/1995 que sobre Prevenção de Riscos Ocupacionais[60], dispõe que o empregador deverá respeitar os limites do dia de trabalho e descanso, mesmo se o trabalhador prestar o serviço em sua casa.

Portanto, há um reconhecimento no sistema jurídico trabalhista espanhol do direito à desconexão digital. Esse novo direito garante três aspectos fundamentais da vida de cada trabalhador, quais sejam, o direito de conciliação entre a vida laboral e privada, o tempo de trabalho e não trabalho e a prevenção de riscos ocupacionais.

Acrescento que um dos problemas jurídicos identificados é que a lei espanhola, assim com a pioneira lei francesa, não prevê penalidades a serem impostas contra a violação do direito à desconexão, o que não inibe de forma alguma o empregador de descumprir este direito, tampouco tem força suficiente para que o mesmo estipule um regulamento interno de prevenção, mas é importante que se tenha dado este primeiro passo, para que assim a legislação de outros países possam seguir o exemplo e incentivar o debate acerca da matéria.

Para o futuro próximo, surge a necessidade de alteração do Estatuto do Trabalhador para a inclusão do direito a desconexão na Lei do Trabalho e seria o momento ideal para a Espanha suprir as omissões e lacunas legais, com a inclusão de mais artigos sobre o tema, prevendo conceitos específicos, penalidades, meios de aplicação e hipóteses de exceção, entre outros. Deve-se aproveitar o momento de grande discussão acadêmica e legislativa sobre a matéria para a salvaguarda da saúde do trabalhador.

B. Brasil  ^ 

No Brasil houve somente dois Projetos de Lei efetivamente apresentados para a garantia do direito à desconexão, sendo o primeiro o Projeto de lei n.º 6.038, de 2016 [61], não tendo sido aprovado e o segundo, mais recente –quatro anos após a apresentação do primeiro– o Projeto de lei n.º 4.044 de 2020[62].

Neste último Projeto apresentado, verifica-se que o tratamento dado ao tema é de que a desconexão seria uma obrigação do empregador para com o trabalhador, como será visto mais adiante. Contudo, o que nos preocupa é que se inicia a garantia citando expressamente que se aplica aos casos te teletrabalho, o que deixa desde o início margem para discussões no sentido de que não se aplicaria aos empregados presenciais.

O Projeto também prevê que exceções serão previstas por meio de acordo coletivo e que em período de férias, os programas de mensagens instantâneas de trabalho e programa de acesso a e-mails serão excluídos dos instrumentos utilizados pelo trabalhador.

Após anos do primeiro projeto apresentado, este segundo texto também é ineficiente, contendo apenas três artigos para a garantia do direito, de forma ampla, sem maiores detalhamentos ou previsão de sanções em casos de descumprimentos, sendo que não há mais espaço atualmente para que um novo direito já nasça com inúmeras lacunas e ineficiência.

No Brasil, a discussão sobre o direito à desconexão encontra-se atrasado, havendo, contudo, decisões judiciais que apliquem sanções ao empregador quando do descumprimento do período de descanso e vida privada. Neste sentido, temos a decisão no AIRR nº 2058-43.2012.5.02.0464[63], na qual um analista de suporte foi indenizado por ofensa ao direito à desconexão. O empregado sustentou na reclamação trabalhista que o sistema de sobreaviso imposto pela empresa o privou do direito ao descanso e ao lazer e à desconexão ao trabalho. O relator do agravo, o Ministro Cláudio Brandão, reconheceu que a evolução da tecnologia refletiu diretamente nas relações de trabalho, mas pontuou que é essencial que o trabalhador se desconecte a fim de preservar sua integridade física e mental.

É preciso que o Brasil acompanhe as demais legislações, com melhorias para garantir efetivamente a obrigação de cumprimento deste direito.

C. Um direito já existente?  ^ 

Outra questão jurídica que tem atrasado a regulamentação do direito no Brasil é o debate no sentido de que não seria necessário regulamentar um direito à desconexão, já que se trataria apenas de uma repetição da garantia de um intervalo já legislado, como o intervalo entre uma jornada e outra de trabalho, que seria “regular o que já se encontra regulado” e por isso não haveria de se falar em direito à desconexão.

O direito ao desligamento digital, é tido como uma salvaguarda do clássico direito ao descanso, contudo, na era digital, é preciso uma regulação para um reflexo da era digital, que é diverso do intervalo para descanso clássico já previsto na maior parte das legislações laborais.

Novos tempos e novas formas de labor com o uso das NTIC (novas tecnologias da informação e comunicação) exigem novas regulações, uma regulamentação própria para esta nova situação.

Ora, o direito clássico e tradicional ao descanso consagrado nas regulamentações trabalhistas não significa que não haja outra base normativa existente que a proteja. O direito clássico já protege o trabalhador fora do horário de trabalho, como limite a jornada de trabalho, descanso, férias, entre outros, que por óbvio impede que os empregados respondam mensagens neste período, contudo, nesta nova era laboral, na qual ainda é preciso regular um novo conceito de tempo de trabalho para o trabalhador digital como já visto, entre outras questões, aqui o que se pretende evitar é que os trabalhadores sofram uma sobrecarga na utilização das TIC.

Parte da doutrina em Espanha como Vallecillo Gámez[64] e Molina Navarrete[65], adota a corrente de que se trata de um antigo direito ao descanso ou um direito simbólico. Contudo, para outra parte da corrente doutrinária em Espanha, é um direito relacionado com a jornada de trabalho e intervalos obrigatórios, contudo, um direito próprio.

Os direitos protegidos pela desconexão digital são a saúde, intimidade, privacidade. Segundo Oriol Cremades Chueca, são protegidos também a liberdade, justiça, dignidade e o livre desenvolvimento da personalidade, igualdade e produtividade.

O direito à desconexão, além de andar em conjunto com o direito fundamental ao descanso, vem acompanhado de no mínimo outros quatro direitos fundamentais, quais sejam “o direito a saúde, a vida e a integridade física e moral, o direito a intimidade pessoal e o direito a conciliação entre a vida laboral, familiar e pessoal”.[66]

Assim, os bens protegidos pela desconexão são mais amplos do que inicialmente se pensa.

Antes não havia a hiperconexão, eis que os trabalhadores em sua grande maioria laboravam apenas presencialmente e não tinham celular da empresa, notebook, entre outros. Ao encerrar a jornada de trabalho, o empregado ia para sua casa e somente tinha meios de se conectar ao trabalho no dia seguinte, presencialmente.

O uso crescente desenfreado das novas tecnologias nas relações de trabalho, o crescimento dos riscos psicossociais e a necessidade de desconexão digital estão intimamente relacionados.

A desconexão deve ser real e não apenas uma aparência.

Acompanhando a reflexão realizada por Trujillo Pons:

“es indudable la necessidade de regulación más amplia del derecho a la desconexión digital en el trabajo; es um reto que marcá-la la sociedad y que el legislador há de tormarlo como tal; um derecho incipiente (apenas no llega a dos años de su existência em el ordenamento jurídico español) que está llamado, en um futuro cercano, a ocupar uma posición nuclear em las relaciones laborales. Es um derecho importante en el presente siglo y que tiene uma afectación muy grande para la sociedad: afecta a todos los trabajadores, ya sean desde um âmbito privado como público. Y no solo a la población activa, trambién entorno de las personas trabajadores que trabajan incluso desde casa y que han de lidiar a la vez, com la conciliación de la vida personal y familiar; el hecho de no poder desconectar del trabajo no permite a los empleados ni um descanso de calidad ni relaciones familiares de calidad”[67].

Após estudo do debate em tela, considero que não se trata de uma repetição de um direito já existente e, portanto, urgente e necessário se faz a sua regulamentação de forma eficiente. A desconexão pode se aproximar do direito ao intervalo para descanso, contudo, não se trata da mesma garantia. Deve ser considerado como um novo direito decorrente das novas relações de trabalho e uso das NTIC, um direito “digital”, como o classificou a Espanha, ao inserir o direito na Lei de Proteção de Dados Digitais.

D. Regulação ineficaz. Implementação e fiscalização do direito à desconexão digital  ^ 

As regulamentações pioneiras no direito europeu não esgotam o tema e ainda necessitam de aprimoramento, já que não dispõem sequer sobre eventuais penalidades em caso de descumprimento, mas é extremamente importante que alguns países comecem a caminhar no sentido da regulamentação deste direito, e assim, as legislações de outros países possam seguir o exemplo e aprofundar o debate acerca da matéria.

Mesmos nos países que já garantem este direito, há inúmeras questões por resolver, como por exemplo, não atribuir responsabilidade ao empregador pela fiscalização dos tempos de trabalho e nem estabelecer qualquer penalidade para comportamentos que atentem contra este direito à desconexão. Ou seja, a grande problemática é que este direito à desconexão com o tempo irá tornar-se ineficaz.

Para uma melhor eficácia no cumprimento seria necessário o reforço legal no aspecto da obrigação do empregador, em oposição ao direito do trabalhador, ser considerado falta grave a ausência de uma política de desconexão.

Não podemos ainda desconsiderar a pressão exercida pelo cliente, a pressão interna do empregador, o receio de má reputação junto aos colegas, que levam o trabalhador a não se desconectar.

Deste modo, ainda que o direito seja previsto em legislação, temos o seguinte ponto a responder: como garantir efetivamente o cumprimento deste direito à desconexão digital na medida em que não há previsão de penalidades em caso de descumprimento?

Em primeiro lugar, a fiscalização neste primeiro momento, dificilmente será eficaz, eis que o número de órgãos fiscalizadores não possui um contingente de profissionais necessários ao trabalho, havendo um número de estabelecimentos empresariais superior a capacidade de serem fiscalizados.

Expressamente o legislador remete para as convenções coletivas ou acordos de empresas as modalidades de exercício deste direito à desconexão digital e atribui a responsabilidade ao empregador que, mediante consulta prévia dos representantes dos trabalhadores, deverá estabelecer uma política para a formação e sensibilização dos trabalhadores para o uso das ferramentas tecnológicas.

Do ponto de vista procedimental, a Espanha aproxima-se do estabelecido pelo legislador francês. Isso porque, a lei espanhola prevê este direito laboral conferindo ao direito coletivo a sua regulamentação e adaptação aos contextos próprios de cada tipo de empresa.

A grande questão é que será muito difícil controlar as horas de trabalho e desconexão no teletrabalho por exemplo. Por essa razão, as matérias estão interligadas, ou seja, é necessário discutir a regulação do tempo de trabalho do trabalhador digital, restringir o uso abusivo das TIC e legislar sobre como poderá ser feito controle de jornada no ambiente digital, sem invasão da privacidade ou incorrer em atos ilegais, entre outros, para que a empresa também possa efetivamente prevenir e assegurar que os empregados estão cumprindo as normas de desconexão.

A desconexão não é apenas um direito do trabalhador, mas um dever empresarial de não contatar o trabalhador fora dos períodos de trabalho.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS  ^ 

Um dos maiores impactos das NTIC nas relações de trabalho foi sobre justamente no tempo de labor e tempo de vida privada – ou ainda sobre a ausência da barreira que separava ambos até então. Não é exagero concluir que os trabalhadores têm se tornado escravos do tempo de trabalho, que aumenta a cada dia que passa em razão da invasão do tempo de descanso, seja através de um chamado por telefone, seja por uma mensagem classificada como despretensiosa em um grupo de mensagens no smartphone.

O trabalho na era digital só pode ser verdadeiramente um sucesso se estiver em sintonia com as necessidades dos trabalhadores e em conformidade com o conceito de trabalho decente. Pondero que a solução para as problemáticas expostas deverá partir sempre da observância à dignidade dos trabalhadores e de direitos fundamentais que tão duramente foram conquistados, sob pena de nos encaminharmos para um futuro de incertezas no direito do trabalho.

A extrema conexão e a ausência de regulamentação específica têm reflexos diretos no estado psicológico do trabalhador com a telepressão, tecnostress, Síndrome de Burnout, entre outros. E a conclusão que se chega é que em que pese a cada dia que passa haver mais afastamentos do trabalho associados as novas doenças psíquicas, este tema ainda não é tratado com a devida atenção, não apenas do legislador, mas pela própria sociedade.

O estudo do direito à desconexão, é um aliado para a proteção e prevenção das questões aqui expostas.

É preciso estar atento as rápidas mudanças, para a entrega do direito de forma antecipada. E por essa razão, deve-se vislumbrar um cenário mais expansivo do conteúdo regulatório da legislação trabalhista, que deve acompanhar as novas formas de trabalho.

É inconcebível existir um trabalho do futuro com a regulamentação do trabalho do passado e as novas relações laborais não se adaptarem às singularidades dos novos tempos advindos da era tecnológica da quarta revolução industrial.

O direito ao trabalho e o direito processual como o conhecemos até o início de 2020 mudou. O papel de todos os operadores do direito do trabalho deve acompanhar a nova realidade.

Ora, se o direito do trabalho não acompanhar as novas formas de trabalho, qual é a sua função? Não estaria sendo cumprida e por isso é necessária ampla discussão para que se leve a novas regulamentações[68].

É assim que chegamos ao futuro, no qual a legislação trabalhista deverá se adaptar. O direito do trabalho terá de lidar com situações ocorridas no passado e as novas situações que surgirão.

A atual incorporação das novas tecnologias nas relações laborais constitui, sem dúvida, um desafio de primeira ordem para o direito do trabalho do futuro, cabendo aos juslaboralistas encontrar um equilíbrio entre os benefícios do uso das novas tecnologias e os direitos fundamentais do trabalhador.

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Valio, M. R. B.: Síndrome de Burnout e a responsabilidade do empregador, LTr, São Paulo, 2018.


[1] Para uma melhor compreensão do contexto histórico das revoluções industriais anteriores, recomenda-se a leitura do capítulo 1, p. 9 e seguintes: Schwab, K.: A quarta revolução industrial, Levoir, 2019.

[2] A transição entre o final do século XX e o início do século XXI trouxe importantes transformações e impactos para o mundo trabalho, podendo a globalização e o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) ser consideradas como uma das principais, tendo um grande alcance em sua dimensão, uma profunda complexidade e rapidez. Almeida, J. P.: Variações sobre o trabalho moderno, Mundos Sociais, Lisboa, 2012, p. 13.

[3] Schwab, K.: Moldando a quarta revolução industrial, Levoir, 2019, p. 13.

[4] Redinha, M. R.: “Utilização de Novas Tecnologias no Local de Trabalho - Algumas Questões”, in Moreira, A. (coord.): IV Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2002, p. 115.

[5] “De se pontuar que esta nova “crise” é de facto muito profunda. As novas tecnologias estão a alterar profundamente a forma de trabalhar”. Cabral, F. A.: “O direito do trabalho e as novas tecnologias”, in Moreira, A. (coord.): II Congresso Nacional de Direito do Trabalho: memórias, Almedina, Coimbra, 1999, p. 121.

[6] Rodríguez Fernández, M. L.; Pérez del Prado, D.: Economía digital: su impacto sobre las condiciones de trabajo, Fundación para el diálogo social, Madrid, 2017, p. 21.

[7] Neste sentido, faz uso da expressão Liberal Fernandes em “Organização do trabalho e tecnologias de informação e comunicação”, Questões Laborais, núm. 50, 2018, p. 9.

[8] Moreira, T. C.: “O direito à desconexão dos trabalhadores”, Questões Laborais, num. 49, 2017, pp. 7-10.

[9] Alves, M. L. T.: “As fronteiras do tempo de trabalho”, in Monteiro Fernandes, A. (org.): Estudos de direito do trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 250.

[10] Período durante o qual o trabalhador está à disposição permanente e imediata do empregador.

[11] “Neste tempo de astreinte, o trabalhador não é inteiramente dono do seu tempo e da sua pessoa”. Baptista, A. M.: “Tempos de trabalho e de não trabalho”, in Moreira, A.; Coelho Moreira, T. (coords.): V Congresso Nacional de Direito do Trabalho: memórias, Almedina, Coimbra, 2003, p. 185.

[12] Eurofound and the International Labour Office: Working anytime, anywhere: The effects on the world of work, Publications Office of the European Union, Geneva, 2017, pp. 22-23, disponível em http://eurofound.link/ef1658 (acesso em 22/05/2021).

[13] Ibid., pp. 21-25.

[14] Amado, J. L.: “Tempo de trabalho e tempo de vida: sobre o Direito à Desconexão Profissional”, in Roxo, M. M. (coord.): Trabalho sem fronteiras? O papel da Regulação, Almedina, Coimbra, 2017, p. 119.

[15] Amado, J. L.: “Tempo de trabalho e tempo de vida: sobre o Direito à Desconexão Profissional”, cit., p. 126.

[16] O uso das novas tecnologias pelo trabalhador e a eliminação da fronteira entre tempo de trabalho e de descanso, é um tema importante e atual, discutido por grandes juristas, tais como Fernandes, F. L.: “Organização do trabalho e tecnologias de informação e comunicação”, cit., p. 13.

[17] Martins, J. Z.: “Tempo de trabalho e tempo de repouso: qualificação e delimitação de conceitos”, in Palma Ramalho, M. R; Coelho Moreira, T. (coords.): Tempo de trabalho e tempos de não trabalho: o regime nacional do tempo de trabalho à luz do direito internacional, AAFDL Editora, Lisboa, 2018, p. 26.

[18] Os riscos atuais e futuros do uso desenfreado da tecnologia no meio ambiente de trabalho foi amplo objeto de estudo e discussão pela OIT no ano de 2019, considerando ainda que “no futuro, há cada vez mais a probabilidade de as pessoas trabalharem remotamente ou fora dos locais tradicionais de trabalho, podendo colocá-los sujeitos a novos riscos”. OIT: Segurança e saúde no centro do futuro do trabalho: tirando partido de 100 anos de experiência, 1919-2019, Organização Internacional do Trabalho, Genebra, 2019.

[19] Disponível em https://www.insst.es/documents/94886/566858/ntp-1123.pdf (acesso em 01.11.2021).

[20] Supiot, A.: Crítica do direito do trabalho, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2016, pp. 73-74.

[21] Afinal, tem-se comum a cultura de que se o trabalhador está com o telemóvel da empresa ou laborando em teletrabalho em domicílio, deve estar contactável a qualquer tempo e local, o trabalhador deve estar inibido de desligar o aparelho fora do horário de trabalho ou de aguardar o dia seguinte para responder a uma mensagem não urgente.

[22] Neste trabalho, destaca-se a importância de discutir a telepressão no local de trabalho de uma perspectiva de saúde ocupacional do trabalhador, não entrando em outros méritos.

[23] O termo “telepressão” foi criado pelas pesquisadoras do departamento de psicologia da Universidade do Norte de Illinois, Estados Unidos, Larissa Barber e Alecia Santuzzi, que realizaram um profundo estudo médico científico, publicado com o título, ora traduzido livremente do inglês, “Responda o mais rápido possível: Telepressão no local de trabalho e recuperação de funcionários”, sobre a relação entre a obrigação de responder e-mails de trabalho a toda hora e o prejuízo na saúde do trabalhador. Barber, L. K.; Santuzzi, A. M.: “Please respond ASAP: Workplace telepressure and employee recovery”, Journal of Occupational Health Psychology, vol. 20, num. 2, 2015, pp. 172-189.

[24] Barber, L. K.; Santuzzi, A. M.: “Please respond ASAP: Workplace telepressure and employee recovery”, cit., p. 173.

[25] Indivíduo viciado em trabalho.

[26] Para melhor compreensão do stress laboral e do Burnout do ponto de vista da medicina, recomenda-se a leitura completa da obra: Saraiva, D. M. R. F.; Pinto, A. S. S.: Stress ocupacional e Burnout, Euedito, Vila Nova de Gaia, 2014.

[27] Amado, J. L.: “Tempo de trabalho e tempo de vida: sobre o Direito à Desconexão Profissional”, cit., p. 124.

[28] Expressão muito utilizada por Teresa Coelho Moreira em suas diversas obras sobre o tema do direito à desconexão. Neste sentido, Moreira, T. C.: “O direito à desconexão dos trabalhadores”, cit., p. 10.

[29] “A liberdade de trabalho parece hoje não ter qualquer papel positivo face à questão do desemprego. Essa liberdade é redutora, reduzida à qualidade de valor de troca pelo contrato de trabalho.” Supiot, A.: Crítica do direito do trabalho, cit., pp. 338 e 339.

[30] “De facto, qual é o trabalhador que atualmente trabalha só no local de trabalho? Quantos não trabalham também noutros locais, nomeadamente em casa, quando estão em férias, limitando-se a reagir apenas em tempo real, já que na atual cultura da urgência, do just in time, tudo é urgente, embora nem tudo seja importante? Não estaremos perante um novo tipo de escravatura: a escravatura dos tempos modernos? (...) Será que estas novas tecnologias, em vez de conduzir a uma liberdade reforçada, não acarretam antes uma servidão voluntária? Não originam antes um novo tipo de escravatura, dita moderna, ou, para utilizar uma terminologia mais adequada às NTIC, uma escravatura de última geração, ou escravatura do homo connectus?”. Moreira, T. C.: “O direito à desconexão dos trabalhadores”, cit., pp. 114 e 115.

[31] “Agora, o modelo é o de um trabalhador conectado e disponível 24 sobre 24 horas, pois a tecnologia permite a conexão por tempo integral (hiperconexão), potenciando situações de quase escravização do trabalhador – a escravatura, diz-se, do homo connectus, visto, amiúde, como “colaborador” de quem não se espera outra coisa senão dedicação permanente e limitada.”. Amado, J. L.: “Tempo de trabalho e tempo de vida: sobre o Direito à Desconexão Profissional”, cit., p. 119.

[32] Fala-se em “servidão voluntária”, contudo, que nada tem de voluntária, ao contrário, trata-se de um medo disseminado pela própria cultura da empresa de que o emprego é garantido pela disponibilidade total do trabalhador a qualquer tempo, seja de trabalho ou de descanso, pela maior produtividade, sendo que em muitos casos para se dar conta do aumento de tarefas que em razão do volume não permitem a execução completa dentro do horário normal de trabalho, devem ser levadas para casa através do trabalho remoto, para que este não seja demitido. Deste modo, o próprio trabalhador não mais se permite desconectar em razão da cultura de que se o mesmo permanecer desconectado, estará se recusando a prestar serviço e será substituído rapidamente, ou seja, a “telepressão” o submete ainda a “escravidão digital”.

[33] Tradução livre da expressão “exhausted but unable to disconnect”, título de um trabalho de investigação da autoria dos norte-americanos Liuba Belkin, William Becker e Samantha Conroy, de 2016. Fernandes, F. L.: “Organização do trabalho e tecnologias de informação e comunicação”, cit., p. 7.

[34] Alves, M. L. T.: “As fronteiras do tempo de trabalho”, cit., p. 250.

[35] Madruga, R. M. S.: As tecnologias da informação e a flexibilidade do trabalho: o teletrabalho, [Tese mestrado], Univ. Técnica de Lisboa. Lisboa, 1998, p. 64.

[36] Neste sentido, “numa visão ilídica, tende-se mesmo a descrever um mundo em que os teletrabalhadores se encontrariam nas praias com os seus computadores portáteis, realizando a sua prestação entre dois mergulhos”, o que se comprovou pela realidade ser apenas um mito esta visão. Gomes, J.: Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, vol. I, p. 737.

[37] Morgado, P.: “Impacto do Trabalho na Saúde Mental, uma perspectiva do século XXI”, in Roxo, M. M. (Coord.): Trabalho sem fronteiras? O papel da Regulação, Almedina, Coimbra, 2017, p. 138.

[38] Barros, C.: “Fatores psicossociais de risco no trabalho de hoje”, in Roxo, M. M. (coord.): Trabalho sem fronteiras? O papel da Regulação, Almedina, Coimbra, 2017, p. 143.

[39] OIT: Segurança e saúde no centro do futuro do trabalho: tirando partido de 100 anos de experiência, 1919-2019, cit., p. 49.

[40] Morgado, P. “Impacto do Trabalho na Saúde Mental, uma perspectiva do século XXI”, cit., pp.134 e 135.

[41] Barros, C. “Fatores psicossociais de risco no trabalho de hoje”, cit., p. 143.

[42] Herbert Freudenberger, psiquiatra psicanalista norteamericano que nos anos 70 definiu a Síndrome pela primeira vez como um conjunto de sintomas médicos, biológicos e psicossociais inespecíficos, resultantes de uma exigência excessiva de energia no trabalho, sendo que Cristina Maslach, psicóloga social desenvolveu e aprofundou este conceito nos anos 80 com a criação de um instrumento de avaliação, o Inventário de Burnout de Maslach. Madruga, R. M. S. As tecnologias da informação e a flexibilidade do trabalho: o teletrabalho, cit., p. 39.

[44] Já reconhecida também no Brasil como de cunho ocupacional, sendo registada no grupo V, do código internacional de doenças do trabalho no CID 10. Z73.0. Recomenda-se a leitura completa da obra para melhor compreensão do tema. Valio, M. R. B.: Síndrome de Burnout e a responsabilidade do empregador, LTr, São Paulo, 2018.

[45] Barros, C. “Fatores psicossociais de risco no trabalho de hoje”, cit., p. 154

[46] Tal como estipulado na Diretiva-Quadro 89/391/CEE relativa à segurança e saúde dos trabalhadores.

[47] Relatório Inicial para a Comissão Mundial sobre O Futuro do Trabalho. Disponível em https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/publication/wcms_682688.pdf (acesso em 15.10.2021).

[48] Rodríguez Fernández, M. L.; Pérez del Prado, D.: Economía digital: su impacto sobre las condiciones de trabajo, cit., p. 21.

[49] Fernandes, A. M.: Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 541 e 542.

[50] Há estatísticas que mostram que as pessoas desbloqueiam seus telefones móveis cerca de 150 vezes ao dia. “Qué es la “economía de la atención” y por qué tu smartphone te hace parte de ella”, BBC News Mundo, 13 septiembre 2018. Disponível em https://www.bbc.com/mundo/noticias-45509092 (acesso em 14.05.2021).

[51] Amado, J. L.: “Tempo de trabalho e tempo de vida: sobre o Direito à Desconexão Profissional”, cit., p. 117

[52] “Vivemos numa era virtual, digital, marcada por múltiplas contradições: preocupamo-nos com o não-trabalho, com o descanso, com o lazer, com o ócio, num mundo marcado pelo desemprego; preocupamo-nos com o desemprego causado pelo avanço tecnológico, num mundo em que a tecnologia não tem deixado de escravizar o homem ao trabalho; preocupamo-nos com a dignificação do homem através do trabalho, num mundo em que a tecnologia pode roubar dignidade ao homem que trabalha, devassando a sua intimidade e perturbando a vida privada.”. Amado, J. L.: “Tempo de trabalho e tempo de vida: sobre o Direito à Desconexão Profissional”, cit., pp. 120 e 121.

[53] Almeida, A. E.; Severo; V. S.: Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho, LTr, São Paulo, 2016, p. 10.

[54] Fernandes, A. M. Direito do Trabalho, cit., pp. 541 e 542.

[55] Importante realizar a leitura completa do artigo para que se entenda os paradoxos das novas tecnologias x vida privada. Souto Maior, J. L. Do direito à desconexão do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, SP, n. 23, pp. 296-313, jul./dez. 2003, disponível em: https://www.jorgesoutomaior.com/uploads/5/3/9/1/53916439/do_direito_%C3%A0_desconex%C3%A3o_do_trabalho..pdf (acesso em 03.10.2021).

[56] Almeida, A. E.; Severo; V. S. Direito à desconexão nas relações sociais de trabalho, cit., p. 10.

[57] Fernandes, F. L.: “Organização do trabalho e tecnologias de informação e comunicação”, cit., p. 11.

[58] Disponível em https://www.boe.es/eli/es/lo/2018/12/05/3 (acesso em 23.05.2021).

[59] “Artículo 88. Derecho a la desconexión digital en el ámbito laboral.

1. Los trabajadores y los empleados públicos tienen derecho a la desconexión digital a fin de garantizar, del tiempo de trabajo legal o convencionalmente establecido, respeto de su tiempo de descanso, permisos y vacaciones, así como de su intimidad personal y familiar. (...)

3. (...) En particular, se reservará el derecho a la desconexión digital en los supuestos de realización total o parcial del trabajo a distancia, así como en el domicilio del empleado vinculado al uso con multas laborales de herramientas tecnológicas”.

[60] Disponível em https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-1995-24292 (acesso em 08/06/2021).

[63] TST, Relator: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 18/10/2017, 7ª Turma. Data de Publicação: DEJT 27/10/2017. Disponível em https://jurisprudencia-backend.tst.jus.br/rest/documentos/921ba76557c4686812d59ac984d9b0ed (acesso em 22/11/2021).

[64] Vallecillo Gámez, M. R.: “El derecho a la desconexión: ¿“Novedad digital” o esnobismo del “viejo” derecho al descanso?”, Estudios financieros. Revista de trabajo y seguridad social. Comentarios, casos prácticos: recursos humanos, núm. 408, 2017, pp. 167-178.

[65] Molina Navarrete, C.: “El tiempo de los derechos en un mundo digital: ¿Existe un nuevo “Derecho humano a la desconexión” de los trabajadores fuera de la jornada?”, Revista de la Facultad de Derecho de México, vol. 67, núm, 269, 2017, pp. 891-920.

[66] Requena Montes, O.: “La desconexión digital en España: propuesta de regulación desde la prevención del estrés”, in Ludovico, G.; Fita Ortega, F.; Nahas, T. C. (coord.): Novas tecnologias, plataformas digitais e direito do trabalho: uma comparação entre Itália, Espanha e Brasil, Thomson Reuters Brasil, São Paulo, 2020, p. 237.

[67] Trujillo Pons, F.; Valero Moldes, F.: “La positivización del derecho laboral”, en Toscani Giménez, D.; Trujillo Pons, F. (dirs.).: La desconexión digital en el trabajo, Thomson Reuters Aranzadi, Cizur Menor, 2020, p. 83.

[68] Cardim, T. C. G.: “Direito à desconexão: um novo direito fundamental do trabalhador”, en AA.VV.: Direitos fundamentais e inovações no Direito, Instituto Iberoamericano de Estudos Jurídicos, Madrid, 2020, pp. 143-150.