Da crise à reinvenção dos sindicatos na era digital: a teoria do reconhecimento como proposta de proteção social

From the crisis to the reinvention of trade unions in the digital era: the theory of recognition as a proposal for social protection

Marcos Paulo da Silva Oliveira

Doctorando en Derecho Laboral, con beca de investigación internacional de la Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Brasil

Profesor de Derecho

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas (Brasil)

marcosmtd.adv@gmail.com 0000-0002-0214-1064

e-Revista Internacional de la Protección Social ▶ 2021

Vol. VI ▶ Nº 2 ▶ pp. 354 - 371

ISSN 2445-3269 ▶ https://dx.doi.org/10.12795/e-RIPS.2021.i02.16

Recibido: 04.11.2021. Aceptado: 20.11.2021

RESUMO

PALAVRAS CHAVE

O presente artigo analisa o movimento sindical brasileiro a partir da crise do Direito do Trabalho ocasionada pelas novas tecnologias. A pesquisa é teórica, tendo como pano de fundo a noção de uma era do software, na qual as tecnologias da informação e comunicação são instrumentalizadas para precarizar o trabalho humano, culminando no agravamento da crise dos sindicatos obreiros e do próprio Direito do Trabalho. Desse diagnóstico objetiva-se,na presente pesquisa, por meio de um método jurídico-prospectivo, apontar tendências futuras para o sindicalismo obreiro, na tentativa de indicar caminhos para a superação do atual cenário de enfraquecimento dos movimentos sindicais no Brasil. Para tal formulação, propõe-se uma investigação interdisciplinar tendo como importante marco teórico a teoria do reconhecimento recíproco de Axel Honneth em diálogo com as abordagens sobre redistribuição de renda e os novos movimentos sociais. Nesse contexto, aponta-se a importância de que os sindicatos se articulem em redes e engajem-se politicamente para além das pautas econômicas, utilizando-se das novas tecnologias da informação e da comunicação como instrumentos de reaproximação com as bases, reconstruindo os laços de solidariedade tão caros para as lutas sociais empreendidas no mundo do trabalho.

Sindicatos em rede

Software

Teoria do reconhecimento

Tecnología

Direito do Trabalho

ABSTRACT

KEYWORDS

This article analyzes the Brazilian trade union movement from the Labor Law crisis caused by new technologies. The research is theoretical, having as a background the notion of a software era, in which information and communication technologies are used to make human work more precarious, culminating in the worsening of the crisis of workers unions and of the Labor Law itself. The objective of this diagnosis is, in this research, by means of a juridical-prospective method, to point out future trends for worker unionism, in an attempt to indicate ways to overcome the current weakening scenario of union movements in Brazil. For such a formulation, an interdisciplinary investigation is proposed, having as an important theoretical framework Axel Honneth’s theory of reciprocal recognition in dialogue with approaches to income redistribution and new social movements. In this context, it is important for unions to articulate themselves in networks and engage politically beyond the economic agendas, using new information and communication technologies as instruments of rapprochement with the bases, rebuilding the ties of solidarity so dear to the social struggles undertaken in the world of work.

Networked trade unions

Software

Recognition theory

Technology. Labor Law

SUMÁRIO:

I. A sociedade digital e a crise dos sindicatos dos trabalhadores

II. A teoria do reconhecimento em âmbito sindical

III. O mercado capitalista na perspectiva da integração social

IV. Intersubjetividade e identitarismo NO SINDICALISMO: como pertencer no coletivo na era da informação?

V. Conclusões

Bibliografia

I. A sociedade digital e a crise dos sindicatos dos trabalhadores  ^ 

A crise do sindicalismo no Brasil e no mundo é também uma crise do próprio Direito do Trabalho como um todo. Em tempos de neoliberalismo, variadas são as tentativas de precarizar o trabalho humano em prol da maximização de lucros, com fundamentos que vão desde o alegado fim do trabalho humano e sua substituição por tecnologia até aos fundamentos de ordem psíquico-moral, dizendo-se que na contemporaneidade as pessoas não precisam de proteção do Estado, que são os únicos responsáveis por suas próprias escolhas e não precisariam de tutelas que supostamente tolhem a liberdade[1].

O discurso neoliberal afirma a primazia da liberdade contratual nas relações de emprego em detrimento da garantia de igualdade fática e reconhecimento de direitos pela via estatal. Na era digital as relações quase sempre escapam da proteção do emprego, formando-se um exército de trabalhadores precários e a tempo parcial, informais e sem sindicalização. As interações humanas são menores, mas a subordinação digital é uma marca bastante presente na era do software. Nesse discurso neoliberal digital, afirma-se também que as pessoas estão melhor sozinhas, sendo desnecessário o pertencimento no coletivo, já que os sujeitos deveriam pensar de maneira individualizada, colocando-se em primeiro lugar. Dardot e Laval[2] chamam esse movimento ideológico de “self-help”, pelo qual o sujeito deve pensar apenas em si próprio e nas vantagens que será capaz de auferir individualmente, culminando numa crise do coletivo.

Essa ideologia típica do neoliberalismo abala os sindicatos justamente porque eles têm como imprescindível o pertencimento no grupo, o reconhecimento de classe e a luta coletivizada. Nesse cenário, os sindicatos dos trabalhadores estão em crise ao longo do globo, com poucas expectativas de fortalecimento. Em crise também está o Direito do Trabalho, pois esse ramo jurídico surgiu no coletivo, da força dos sindicatos dos trabalhadores. A era digital trouxe novas e complexas formas de trabalhar que o sindicato não tem dado conta de basilar em termos de luta e coletivização de demandas. O teletrabalho e os trabalhos prestados por aplicativos tornaram-se uma crescente, enquanto que a filiação sindical está em verdadeiro declínio.

Ainda assim, na contramão da ideologia individualista acima verificada vêm os apontamentos de Axel Honneth[3], pensador da teoria do reconhecimento recíproco, pela qual se identifica que os sujeitos só podem se constituir socialmente a partir do reconhecimento intersubjetivo com seus parceiros de inteiração. A teoria do reconhecimento de Honneth debruça-se sobre categorias ético-morais formando o chamado conceito da “eticidade”, que perpassa pelas esferas do amor, direito e solidariedade, com interessante relevo ao papel do coletivo.

Teodoro[4] afirma a importância da teoria do reconhecimento de Honneth para o Direito e com isso para o próprio Direito do Trabalho, diante de sua finalidade humanística voltada para a dignidade da pessoa humana.

II. A teoria do reconhecimento em âmbito sindical  ^ 

Hoje os trabalhadores já não se sentem pertencentes ao tradicional agrupamento social e jurídico da classe, os sindicatos. Seja pelos valores individualistas que imperam nas sociedades capitalistas contemporâneas, seja pela criticável atuação enfraquecida de alguns sindicatos acomodados ou por todo esse conjunto somado a uma legislação defeituosa, atualmente pertencer no grupo é tema difícil e espinhoso, conforme também identificado por Bauman[5] ao apresentar a era do “software”.

Pelas lições de Honneth[6], se vivenciadas de maneira adequada as esferas do reconhecimento permitem aos sujeitos desenvolver a autoconfiança, o auto-respeito e a auto-estima, com garantias de integridade física, integridade social, honra e dignidade. Contudo, caso as esferas de reconhecimento recíproco sejam desrespeitadas o caminho será o de maus-tratos e violação na esfera primária (amor), privação de direitos e exclusão na seara jurídica e por fim, degradação moral e ofensa na esfera da solidariedade.

Avaliando a aplicabilidade da teoria de Axel Honneth no Direito do Trabalho brasileiro, Chaves, Ferreira e Dantas[7] alertam que o sistema capitalista tem conseguido dissolver o processo de reconhecimento entre os trabalhadores toda vez que adota modelos de trabalho que primam pelo individualismo, pela meritocracia e isolamento, em detrimento do fortalecimento do coletivo.

Assim, busca-se agora investigar as condições teóricas e práticas que serão capazes de restabelecer o reconhecimento recíproco no sindicalismo brasileiro, caso ele já tenha ocorrido, ou ao menos indicar possibilidades para que ele se efetive.

A partir da teoria do reconhecimento remontada por Honneth e diante da problemática identificada no mundo sindical, busca-se empreender uma crítica incisiva de fundo histórico, sociológico e filosófico que, para além de questionar a atuação sindical contemporânea dentro da seara jurídica, persiga as raízes dos problemas estruturantes dessas entidades, sobretudo no tocante a (re)construção da consciência política e formação do movimento de luta que são ou deveriam ser os sindicatos obreiros, tudo isso objetivando fomentar debate sobre a garantia da dignidade humana e a efetivação da justiça social, fundamentos básicos do Direito Laboral[8]. Aquí se fala de proteção social, porque o Direito do Trabalho é um dos seus pilares, juntamente com a seguridade social e a assistência aos desamparados.

As crises do sistema capitalista têm sido o principal argumento para o abrandamento do Direito do Trabalho e para as investidas antissindicais, que culminam em desproteções generalizadas. A crise do Direito do Trabalho é também a crise da proteção social. A desconstrução desses argumentos é medida que se impõe no intento de formular proposições acerca do reconhecimento recíproco e democrático no mundo do trabalho. O Direito do Trabalho nasce de crises, e mais, “ganha destaque com as crises, é combatido a cada crise que se apresenta, mais do que qualquer outro ramo do Direito sofre os efeitos das medidas adotadas para combater crises e dele é exigido que mostre a sua força especialmente em momentos de crise”[9]. Assim, é preciso que esse momento de desconstrução do Direito do Trabalho sirva como palco para novas descobertas e reconstruções.

Nesse contexto, acredita-se na potencialidade das teorizações de Honneth[10] acerca do reconhecimento recíproco, pois essa teoria “nos indica um caminho de interpretação crítica dos processos de evolução social, em que se aproxime o estado último de um conceito expansivo de moral, que se afaste de perspectivas estreitas”[11] Nesse intento, não se pode desconsiderar que os apontamentos de Honneth[12] foram duramente criticados por dar excessivo enfoque as questões éticas, colocando em segundo plano boa parte da problemática econômica e política.[13]

Conforme Fraser, na contemporaneidade tanto o reconhecimento quanto a redistribuição de renda se associam aos movimentos sociais concretos e dessa maneira, a política de classe se equipara a política de redistribuição, enquanto que a política de reconhecimento se aproxima das políticas identitárias, ligadas as questões de gênero, sexualidade, nacionalidade e étnico-raciais[14].

A teoria do reconhecimento recíproco de Honneth está vinculada as experiências de grupos historicamente oprimidos, que se insurgem contra a dominação sistêmica em prol do reconhecimento social de sua identidade. Nesse aspecto, vale ressaltar que o próprio Honneth[15] dedicou parte dos seus estudos ao mundo do trabalho, na tentativa de recolocar o labor humano nas discussões da teoria crítica. Nesse sentido é que o autor formula interessantes teorizações acerca do mercado capitalista numa perspectiva de integração social que culmine num conceito emancipatório de trabalho, longe da degradação moral e material atualmente experimentadas pela classe trabalhadora.

III. O mercado capitalista na perspectiva da integração social  ^ 

Para Honneth o trabalho enquanto espaço de distribuição de renda e acesso aos bens de consumo é de suma importância, mas as categorias de emancipação dos sujeitos por meio do trabalho não devem ser deixadas de lado. Por mais que o discurso neoliberal tente fazer crer que não, a população, de modo geral, continua a afirmar sua identidade por meio do papel que cada sujeito desempenha no processo organizado de produção.

Segundo esse autor:

“A busca por um local de trabalho que não apenas assegure a subsistência, mas também satisfaça individualmente de modo algum desapareceu; ela tão somente deixou de determinar as discussões públicas e as arenas da disputa política; contudo, deduzir deste estranho e encabulado silêncio que as exigências de uma reformulação das relações de trabalho pertençam definitivamente ao passado seria empiricamente falso e quase cínico”[16].

Nesse sentido, verificamos que os pensamentos de Honneth[17] dialogam com as assertivas de Teodoro[18] sobre a ideologia neoliberal que tenta incutir uma inserção dos sujeitos através do consumo, desconsiderando o papel dessas pessoas na produção. Tenta-se desconsiderar que a pessoa que consome é a mesma que trabalha e que o trabalho permanece central na vida dos sujeitos. O local de trabalho, seja físico ou virtual, é onde as pessoas passam o maior tempo de suas vidas, onde conhecem novas pessoas e aprendem a se reconhecer com seus parceiros de inteiração.

Para Honneth[19], contudo, as perspectivas de pensar em uma emancipação por meio do trabalho encontram grandes dificuldades no mundo prático, pois a alienação diante das forças globalizantes do mercado capitalista é potencializada. A normatização capitalista não tem permitido espaços para trabalhos não estranhados e por isso torna-se difícil pensar racionalmente no trabalho como um componente da vida boa[20].

Em suas teorizações sobre reconhecimento, teoria crítica e o mundo do trabalho, Honneth[21] é guiado pela seguinte questão: “como a categoria trabalho social deveria ser incluída no marco de uma teoria social para que dentro dela abra uma perspectiva de melhoria qualitativa que não seja apenas utópica?”.

Nesse sentido, Honneth aponta que o capitalismo de hoje é cada vez mais normativista, voltado para situações da economia, desconsiderando os valores morais e éticos da sociedade. Então, para pensar um conceito emancipatório de trabalho, que coloque a pessoa humana no seu centro de proteção social, é preciso o afastamento de perspectivas estreitas. Parra Honneth, esse conceito emancipatório só poderá ser construído se ele for conectado às condições de reconhecimento, o que importa dizer que “para cada trabalho que ultrapassar o limiar da ocupação puramente privada e autônoma deve valer que ele precisa estar de algum modo organizado e estruturado, para possuir a dignidade do reconhecimento prometido pela sociedade”[22].

Diante da nova dinâmica social no trabalho, Honneth aponta que pensar num reconhecimento do homem simplesmente no objeto que ele produz (perspectiva derivada das teorias de Marx) não mais se coloca. Afinal, o homem de serviços não produz um objeto, mas realiza uma atividade. Como se reconhecer pura e simplesmente na atividade desempenhada?

“Da maioria das atividades que hoje são realizadas por exemplo no setor de serviços, nós sequer saberíamos o que significaria que elas pedem por si mesmas por uma execução autônoma, puramente proposital e objetificante: não se produz um produto, no qual as habilidades adquiridas pudessem se espelhar, mas tão somente se reage, na medida do possível com criatividade, às exigências pessoais ou anônimas daqueles em cujo benefício a prestação é efetuada. Em outras palavras, é extremamente despropositado querer afirmar a respeito de todas as atividades socialmente necessárias que elas, por si próprias, estão afeitas a uma estrutura conclusiva, orgânica, segundo o tipo do fazer artesanal”[23].

Nesse ponto, Honneth indica que pensar o trabalho humano de maneira emancipatória não pode ser algo maquinal, pronto e acabado. Para ele, a emancipação por meio do trabalho está nas raízes da forma real de organização do trabalho. E essa tarefa de perquirir racionalmente as raízes da emancipação e do reconhecimento por meio do trabalho não pode ser concretizada através da simples perseguição de sentido diante de um capitalismo ligado a mera eficiência econômica, o que esse autor chama de “integração sistêmica”[24].

Para Honneth pensar o reconhecimento e a emancipação no trabalho dentro do sistema capitalista só é possível se for pressuposta uma função desse sistema para com a integração social. Assim, o Direito do Trabalho deve ser forte, assim como os sistemas de seguridade social e assistência.

Honneth aponta que a ideia de um capitalismo na perspectiva da integração social já era perquirida por Hegel, que entendia que o capitalismo, para ser bem sucedido, precisava de um ancoramento moral ligado a legitimação popular. Essa legitimação, por sua vez, só seria possível se cada um recebesse aquilo que lhe fosse devido dentro da conjuntura que ali se colocava. Isto é, para que a pessoa abdique de seu egoísmo subjetivo para atuar em prol da satisfação das necessidades de todos os outros (produzir para que outros possam consumir) ela deve ser recompensada. Essa recompensa, na atualidade, seria um salário digno. Mas, para Honneth, a principal recompensa do trabalho num sistema capitalista na perspectiva da integração social deveria ser a possibilidade de reconhecimento daquele trabalhador enquanto contribuinte para o bem geral, a partir de suas habilidades. Ou seja, por meio da proteção social das pessoas que trabalham.

Honneth não nega que hoje se torna bastante dificultoso pensar em reconhecimento no sistema capitalista. As ideologias contemporâneas deflagradas a partir desse sistema econômico desvinculam o mercado de quaisquer perspectivas morais. “As relações de trabalho hoje existentes, crescentemente desregulamentadas, parecem fazer escárnio às exposições sobre a infra-estrutura moral da forma capitalista de economia”[25].

Nesse aspecto, para Honneth, na contemporaneidade, para formular teorizações críticas sobre o trabalho é preciso tomar uma escolha: pensar no mercado capitalista na perspectiva da integração sistêmica ou na perspectiva da integração social. Se for feita a opção pela primeira forma interpretativa, o pensamento sobre o trabalho humano se limitará as condições econômicas de circulação de bens e serviços e as flutuações entre oferta e demanda; já na segunda forma de interpretação, as categorias éticas e morais passam a ser fundamentais à perspectiva de proteção do trabalho digno e igualmente a proteção social como um todo, passando aos ideais de seguridade.

Neste sentido, ao responder a questão, se dispomos de critérios imanentes para a crítica das relações de trabalho existentes, tudo depende da decisão de analisar o mercado capitalista na perspectiva da integração sistêmica ou da integração social: se nos limitarmos à primeira perspectiva, então no mercado se revelam condições e regulamentações pré-econômicas, mas não princípios morais; mas se, ao contrário, nos deixamos orientar pela segunda perspectiva, então no mesmo mercado se revelam as implicações morais que, segundo Hegel e Durkheim, garantem seu ancoramento normativo no mundo social da vida[26].

Assim, na presente investigação, visualiza-se a necessidade de entender o mercado capitalista na perspectiva da integração social, criando as condições teóricas para o desenvolvimento prático da ancoragem do sindicalismo ao reconhecimento recíproco, permitindo a resistência obreira diante das propostas de precarização do trabalho humano engendradas pelos ideais neoliberalistas atualmente deflagrados no ocidente. O Direito do Trabalho é instrumento dessa integração social e somente ao pensar-se na teleologia desse ramo jurídico autônomo, seus fins de proteção da classe trabalhadora diante da exploração capitalista é que se consegue falar de uma reinvenção sindical democrática na era do “software”. A ideia de liberdade social[27] ganha especial destaque nesse momento, fornecendo elementos para o teste da hipótese da presente investigação, isto é, de que através das redes informacionais os espaços de deliberação política podem ser acessados pelos trabalhadores organizados, culminando em reivindicações que podem beneficiar a classe trabalhadora em contraposição a retirada de direitos atualmente verificada. Ou seja, uma instrumentalização das redes em busca de mais proteção social.

A materialização do reconhecimento intersubjetivo nas sociedades contemporâneas dentro do sistema capitalista, para Honneth, demanda a concepção do mercado na perspectiva da integração social. Nesse sentido, uma ética garantidora da liberdade, a partir de um sistema de atividades econômicas com base em solidariedade anterior ao mercado.

Ao examinar as lições de Hegel e Durkheim sobre o mercado de trabalho, Honneth[28] constata que somente quando o mercado é interpretado numa perspectiva de integração social é que se torna possível falar através das categorias éticas e morais pré-existentes à economia em cooperação e não em concorrência entre os sujeitos que vivem do trabalho. Nesse sentido, Honneth não desconsidera as críticas marxistas de que o mercado nega boa parte do exercício da liberdade para os não possuidores de capital. Apesar disso, Honneth pretende uma reconstrução normativa dentro da economia de mercado atualmente existente, de modo que, a liberdade social possa ser vinculada aos aspectos da democracia liberal[29].

Na presente investigação não se desconsideram as críticas de diversos filósofos e sociólogos de que o sistema neoliberal é antidemocrático. Apesar disso, acredita-se que as investigações de Honneth fornecem interessantes elementos para se pensar em uma vinculação democrática entre capital e trabalho a partir dos ditames da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O sindicalismo como esfera máxima do exercício da liberdade social por parte dos trabalhadores ganha especial destaque nesse ponto, justamente por meio de sua vinculação à participação democrática nas redes informacionais, assunto que será mais bem examinado no próximo capítulo.

Sobre a teoria do reconhecimento, importa dizer que sua vinculação ao sindicalismo contemporâneo se faz urgente e necessária, justamente porque constatada a fragmentação de lutas da classe trabalhadora que externa todas as suas subalternidades de classe (que se misturam com variadas questões identitárias). A teoria do reconhecimento, ao acoplar as críticas de Nancy Fraser, possibilita dar enfoque à formação da identidade pessoal através da valorização da diferença, mas também da interdependência existente entre os sujeitos, valorizando a ideia de representatividade e melhor distribuição de renda.[30]

IV. Intersubjetividade e identitarismo NO SINDICALISMO: como pertencer no coletivo na era da informação?  ^ 

Honneth e Fraser identificam que os movimentos sociais que hoje se colocam como os mais atuantes, ainda que sofram as opressões econômicas do capitalismo neoliberal e se contraponham a elas, reivindicam, sobretudo, o seu direito de existir em suas diferenças culturais.

Os movimentos emancipadores mais recentes –representados pelo feminismo, pelas minorias étnicas e pelos LGBTs– já não lutam exclusivamente pela igualdade econômica e a redistribuição material, mas sim pelo respeito as suas características que lhes fazem sentir culturalmente unidos[31].

Isso não quer dizer que não exista urgência na luta de classes por uma melhor distribuição de renda, como lembra Fraser. Os conflitos surgem da violação das esferas do reconhecimento e essas violações são de ordem moral, mas, também e principalmente econômica, apesar da discordância inicial de Honneth sobre o assunto. É que enquanto Nancy Fraser acredita que o crescimento dos debates identitários veiculados pelos movimentos sociais são oriundos de uma descrença em um mundo mais igualitário economicamente, Axel Honneth acredita que esses debates de cunho identitários são fruto de uma evolução moral que dá igual importância a distribuição de renda e ao respeito e garantia das subjetividades como forma de justiça.

De toda sorte, resta claro pelo reconhecimento teorizado por Honneth que os sujeitos apenas adquirem consciência de si mesmos quando visualizam os efeitos de suas ações pelas lentes de outros sujeitos, seus parceiros de inteiração. Nesse ponto, Honneth[32] retoma os pensamentos de Mead esclarecendo que essa consciência de si avança para uma consciência coletiva através da divisão funcional do trabalho na qual os sujeitos buscam valores e ideais comuns. Exatamente por isso, no presente estudo, entende-se que a partir das dimensões do reconhecimento recíproco reconfiguradas na leitura honnethiana (amor, direito e solidariedade), será possível obter as condições teóricas para a retomada prática da consciência da classe trabalhadora.

O fato de que a teoria de Honneth[33] tem como pressuposto a integração social, afastando-se de discussões sobre o papel do Estado e também da economia, não parecem interferir no teste da presente hipótese de reconhecimento sindical por meio das redes informacionais. O pertencimento no coletivo, como visto, na contemporaneidade, demanda mais do que um olhar simplista para as opressões da desigual distribuição de renda, até porque essa visão centralizada conduziria novamente ao impasse trazido pela ideologia neoliberal que tenta sobrepor o reconhecimento por meio do trabalho pelo reconhecimento através do consumo em sua modalidade consumista. Conforme Honneth, um dos pressupostos para a liberdade social é justamente o nivelamento do consumo equanime. Apesar disso, atualmente existe uma grande lacuna entre aquele trabalhador que consome para subsistir e aquele consumidor do mercado de alto luxo. Como lembra Honneth[34]: “Não parece haver um acordo implícito entre os consumidores, que poderiam, de maneira unificada, exercer uma pressão sobre preços e desenvolvimento de produtos por parte das empresas.”. Nesse campo, também o reconhecimento por meio do consumo não encontra condições de se colocar socialmente em prol de uma vida mais digna tal qual se mostra a potência do trabalho.

Em um grau muito maior que a atividade de consumo, que, por mais que esteja adequadamente organizada, pouco contribui para a autoestima individual, a atividade objetificada do trabalho depende de um reconhecimento mútuo no contexto de toda a sociedade, pois dela depende toda a ‘honra’ e a liberdade civil do homem moderno ou, mais precisamente, do varão moderno[35].

Pertencer no coletivo hoje é um desafio econômico, mas que também depende da avaliação de categorias éticas e morais, que demanda análises que perpassam pela psicologia social e a questão da identidade de grupos historicamente oprimidos.

Retomando as categorias de reconhecimento em Honneth, aplicando-as a realidade do sindicalismo em crise, percebe-se que os sujeitos já não encontram muitas condições de reconhecimento na esfera basilar –amor– nem ao menos diante de seus parceiros de inteiração mais próximos (família, amigos e companheiros de trabalho). Segundo Beck nas sociedades pós-industriais, os sujeitos são afastados das formas sociais da sociedade industrial, isto é, foram desatados dos ideais de classe, estrato e família[36]. Logo, é possível perceber que o reconhecimento na esfera do amor por si só já se encontra seriamente abalado, impossibilitando as condições teóricas e práticas para o desenvolvimento dos níveis de reconhecimento jurídico e de estima social (solidariedade).

Não há como se pensar em avanços jurídicos para os sindicatos e para o Direito do Trabalho como um todo se a base que os impulsiona como forças de resistência e garantias de direitos já não conferem a eles verdadeiro sustento.

Aqui não se podem negar as debilidades jurídicas que atualmente se fazem entrave para os direitos dos trabalhadores.

Conforme Bauman[37], atualmente cada vez mais parece haver certa tendência social a dar preferências às questões individuais, o que inclusive justifica o descaso para com as demandas sindicais. Teodoro[38] critica que a postura extremamente negocial dos sindicatos potencializou seu descrédito perante as massas de trabalhadores. Assim, na visão da referida autora, há a necessidade de que o “sindicalismo se reinvente para que a negociação coletiva não se restrinja a apenas discutir o percentual do reajuste salarial, mas também reposicione a pessoa humana dos trabalhadores em seu centro, buscando mecanismos para conceder-lhe vida digna no trabalho”.[39]

Dessa forma, além de questionar a atuação sindical contemporânea dentro da seara jurídica, é imprescindível perseguir as raízes dos problemas estruturantes dessas entidades, sobretudo no tocante a (re)construção da consciência política e formação do movimento de luta que são ou deveriam ser os sindicatos obreiros.

Antunes[40], diante do claro cenário de desconstrução dos direitos trabalhistas no Brasil e diante da debilidade sindical, aponta que a saída é a centralização das lutas obreiras nas esferas extrainstitucionais. Nesse aspecto, Antunes retoma a necessidade de que as lutas contra a exploração sistêmica se dêem de maneira globalizada. E aqui, acredita-se no potencial revolucionário da internet. Segundo Antunes, cada vez mais as lutas sociais brasileiras devem se articular em amplitude internacional. Na outra ponta, esse mesmo autor critica quaisquer perspectivas do sindicato se manter em sua formação verticalizada, tal qual na era fordista. O sindicato precisa se horizontalizar, dialogar com suas bases, entender suas necessidades e as dinâmicas dos novos tempos. Para Antunes, os sindicatos dos novos tempos devem abarcar as novas identidades do ser social, dada a nova morfologia do trabalho, referindo-se às questões de gênero, geração, raça e etnia.

Se os instrumentos tecnológicos e a globalização têm sido utilizados para precarizar o trabalho, cabe agora aos sindicatos reverter esse quadro por meio de um reconhecimento recíproco que lhe devolva o protagonismo das lutas no mundo do trabalho. Segundo Rey[41] os sindicatos devem se aproximar dos movimentos sociais, com eles aprender a reconhecer diferenças e potencializar inovadoras visões de mundo. O sindicato, na visão de Rey[42] não deve simplesmente se adaptar aos novos tempos, mas deve protagonizar as mudanças, apropriando-se dos espaços cibernéticos, fazendo bom uso das redes de informação, acoplando lutas diversas que possibilitem sua maior articulação a nível global.

Aclara-se, através dos pensamentos de Rey[43], a importância de um novo modelo de sindicatos, que utiliza as plataformas virtuais como forma de aproximação dos trabalhadores, criando um ambiente favorável para ação coletiva. As redes sociais podem ser utilizadas inclusive como forma de sensibilizar a opinião pública. Se na era fordista faziam-se manifestos impressos chamando os trabalhadores para as lutas, que agora os sindicatos façam manifestos on-line.

A gradual construção de uma política social de Estado, como a do final do século XIX e que quase todos os países liberais da Europa Ocidental, é explicada hoje, na historiografia predominante, quase sempre com referência à enorme pressão que um movimento operário já fortemente organizado foi capaz de exercer sobre a opinião pública que então se formava como sobre grupos de parlamentares[44].

Hoje as empresas utilizam-se dos instrumentos de rede para a promoção de marketings virais na intenção de atrair um exército de consumidores para seus produtos[45]. O marketing dos sindicatos também pode ser feito de maneira on-line, viral, por meio de campanhas criativas, de cunho lúdico e nem por isso menos engajadas, para aproximar a já tão distante juventude dessa realidade de lutas no mundo do trabalho.

Antunes entende que a aproximação do sindicato com a juventude é fundamental para a renovação das lutas coletivas no mundo do trabalho. Para o desenvolvimento de um reconhecimento recíproco que culmine num fortalecimento das bases dos sindicatos dos trabalhadores, agora, é imprescindível que os sindicatos se abram para as diferenças. Segundo Antunes aos sindicatos devem se juntar trabalhadores de distintas raças e etnias, em especial, índios, negros e imigrantes – os trabalhadores que mais sofrem com a precarização oriunda dos ditames neoliberais. Antunes ainda adverte que:

“Para que essa ação tenha concretude é imprescindível e inadiável a eliminação de qualquer resquício de tendências xenófobas, ultranacionalistas, de apelo ao racismo e de conivência com as ações discriminatórias de qualquer ordem, incluindo as sexistas e homofóbicas”[46].

Ao comentar o mercado capitalista na perspectiva da integração social, visando apontar condições práticas para o exercício da liberdade social, Honneth[47] ressalta a importância da participação democrática dos trabalhadores na gestão das empresas. Retomando um passado histórico em que o trabalho e seu ramo jurídico de proteção gozavam de maior prestígio, Honneth esclarece que caso essa participação democrática não se fizesse politicamente possível –seja pela postura do empregador ou pela postura do Estado– os trabalhadores, por meio da ação coletiva –boicotes, greves e manipulação do maquinário–, conseguiam costurar novas realidades político-laborais que engendravam melhorias nos processos de trabalho. Essa potência insurgente é que precisa ser redescoberta na contemporaneidade.

Apesar disso, Honneth não desconsidera a importância de que o caminho para o exercício das insurgências dos trabalhadores seja um caminho institucionalmente possível. Precisam ser conferidos mecanismos discursivos para a classe trabalhadora. Nesse aspecto, este autor comenta que os sindicatos, historicamente, e em especial em seus tempos de maior valorização, sempre desempenharam “uma espécie de contrapoder ao capital organizado”.[48] Isso não quer dizer que ao longo da história os sindicatos não tenham enfrentado dificuldades para externas suas pautas. Os sindicatos sempre se depararam com desafios inteiramente novos, sendo que em cada momento histórico os sentimentos de solidariedade eram definidores das lutas obreiras.

Atualmente não se encontram resistências obreiras de interesses coletivos, no máximo resistências privadas, individualizadas. Ao analisar a globalização, as evoluções tecnológicas e as mudanças na estrutura empresarial, Honneth aponta que:

“Diferentemente do proletariado industrial tradicional, que invocava a resistência comum nas fábricas e tinha uma bem-sucedida história de lutas sociais, além de um símbolo poderoso do próprio rendimento do ‘trabalho manual’, o novo proletariado de serviços se vê carente não apenas de qualquer história coletiva que possa ser narrada, mas também de oportunidades para identificar a instância controladora das empresas”[49].

Para Honneth torna-se difícil superar a apatia social diante das retiradas de direitos trabalhistas. Até mesmo a classe média, também não detentora dos meios de produção, passou a sentir na pele o medo do declínio social e não se opôs à progressiva desregulamentação do Direito do Trabalho. Conforme Honneth a ideia que se tem é de uma total privatização dos sentimentos diante da retirada dos patamares de dignidade no trabalho. Apesar das redes de comunicação que, para Honneth[50] “deveriam facilitar a articulação pública de sua preocupação, a tendência parece ser mais a de privatizar o descontentamento, como se cada qual fosse responsável por sua eminente demissão ou transferência”.

Apesar de tal diagnóstico, Honneth não é fatalista e assim como outros filósofos e sociólogos do mundo do trabalho acredita em possibilidades de articulações coletivas a níveis transnacionais, com o apoio da opinião pública, a fim de promover uma recivilização moral do mercado capitalista.

“Sob a pressão de associações transnacionais de sindicatos e organizações não governamentais já foram criados os primeiros procedimentos que permitem influir nas normas da regulação do trabalho há muito vigentes em âmbito global; as certificações de padrão de qualidade do trabalho, os procedimentos de supervisão dos acordos e as campanhas públicas que transcendem as fronteiras nacionais afirmam-se como os caminhos para retomar a história interrompida de uma paulatina socialização do mercado de trabalho”[51].

Nesse aspecto, Honneth acredita no potencial da internet enquanto fonte de mobilização e formação pública da opinião e da vontade, inclusive em nível transnacional. O sindicalismo em rede, na presente investigação, é então apontado como o motor capaz de guiar as novas lutas dos trabalhadores contra as investigas precarizantes do capitalismo neoliberal.

Para Consentino[52] há uma clara e emergencial necessidade de se estabelecer um novo sindicalismoque promova a união da classe que vive do trabalho e que reconheça o protagonismo dos trabalhadores do conhecimento diante do capitalismo informacional.

Esse novo modelo de sindicatos é o que no presente estudo é chamado de “e-sindicalismo”, um sindicato que faça o uso estratégico das tecnologias da informação e da comunicação para se fortalecer, reconquistar suas bases, ampliar suas lutas e se contrapor democraticamente à flexibilização “in pejus” implementada pelos ideais neoliberalistas.

Conforme Consentino: “Os trabalhadores do conhecimento exercem um papel fundamental nesse contexto de reformulação das bases sindicais. Esses atores devem se politizar cada vez mais, para que essa força explosiva seja canalizada em prol dos trabalhadores”[53]. A politização desses trabalhadores do conhecimento passa pelo desenvolvimento de todos os níveis de reconhecimento desenhados por Axel Honneth –amor, direito e solidariedade–, numa perspectiva capaz de promover o sentimento de pertencimento em classe desse tipo de trabalhadores. O pertencimento em classe é um passo fundamental para o sentimento de pertença nos sindicatos dos trabalhadores. Para Consentino[54]: “No contexto da sociedade do conhecimento, toda a sociedade usuária das tecnologias da informação já possui a força necessária para influenciar nos processos decisórios, o que lhes falta é conscientização política”.

Dessa constatação, resta aos sindicatos obreiros o desafio de se tornarem usuários das tecnológicas da informação e comunicação. A noção de ‘Wiki’, de cooperação, concentrada na mobilização das pessoas é urgente e necessária para a reinvenção dos sindicatos obreiros na contemporaneidade.

A mobilização sindical por meio da tecnologia informacional pode ser perquirida por meio do uso programático das redes sociais, tais quais: o Facebook, Instagram e Youtube. Além disso, para as assembleias e deliberações, hoje existem ferramentas interessantes que podem ser utilizadas para reuniões virtuais. Citam-se, exemplificativamente, as ferramentas da “CISCO WEBEX”.

Os produtos WebEx são distribuídos via Cisco WebExCloud, uma infraestrutura desenvolvida para comunicação via internet em tempo real e que é utilizada por diversas empresas multinacionais. De acordo com dados do próprio site da Cisco, 71 milhões de pessoas participam de reuniões pelo WebEx mensalmente, enquanto que 93% das empresas do Fortune 100 e 78% das empresas do Fortune 500 usam as soluções de colaboração por vídeo da Cisco.[55]

O ATENS, Sindicato Nacional dos Técnicos de Nível Superior das IFES, faz uso da plataforma WeBex para a realização de assembleias e, hoje, de acordo com a diretora presidente Maria do Rosário Alves de Oliveira, promove consultas virtuais no site institucional, com uma participação significativamente maior do que as consultas presenciais. (informação verbal)[56]. Vale dizer que apesar de um interessante exemplo, o uso das redes pelo ATENS, conta com a facilidade de ser um sindicato de servidores públicos, portanto, trabalhadores estáveis. Justamente por isso, é preciso cautela ao avaliar os impactos das mobilizações em rede desse sindicato para os fins da presente pesquisa, que trata dos sindicatos dos trabalhadores de empresas privadas, sem estabilidade.

De toda forma, a experiência demonstra que o uso consciente e politizado desse tipo de instrumento (WeBex, Facebook e outros) pode viabilizar os processos de reconhecimento no âmbito dos sindicatos, cativando a aproximação da juventude com os sindicatos, além de possibilitar a sensibilização das grandes massas em prol das pautas reivindicativas dos sindicatos.

Outro ponto ressaltado no tocante ao uso das tecnologias informacionais pelos sindicatos, está atrelado à possibilidade de globalização das lutas dos trabalhadores. Não resta dúvida de que o capitalismo age em dimensão global utilizando-se das redes, logo, a luta dos trabalhadores também deve desencadear articuladamente em todo esse espaço.

Sobre a globalização das lutas sindicais, se destaca a importância de que se criem “redes de redes”, agregando a classe que vive do trabalho em escala global. Diante da nova dinâmica social de caráter flexível e globalizada, pensa-se, sobretudo, nas novas formas de organização popular no contexto trabalhista em nível nacional, regional e global. Para Antunes[57]: “A transnacionalização do capital e do seu sistema produtivo, com a difusão das novas cadeias geradoras de valor, obriga ainda mais os sindicatos a desenvolverem formas internacionais de ação, solidariedade e confrontação”. No presente caso, ante as similitudes políticas e jurídicas, destaca-se a imperiosidade de que esse trabalho se inicie com um recorte para a América Latina e o Mercado Comum do Sul (Mercosul) até que alcance as proporções globais.

V. Conclusões  ^ 

A crise do sindicato e do Direito do Trabalho na era digital não pode ser negada. A proteção social está em verdadeira encruzilhada, mas, diagnósticos meramente fatalistas não bastam. É preciso buscar soluções para o sindicalismo n era digital. Se de um lado as novas tecnologias engendram cenários de trabalhos mais complexos e menos protetivos, como, por exemplo, o teletrabalho e o labor prestado nas plataformas digitais, igualmente, através das redes informacionais os espaços de deliberação política podem ser acessados pelos trabalhadores organizados, culminando em reivindicações que podem beneficiar a classe trabalhadora em contraposição a retirada de direitos atualmente verificada.

A busca pela proteção da classe trabalhadora na era do software passa pela discussão de qual é o papel que deve ser desempenhado pelos sindicatos dos trabalhadores nesse novo contexto. Precisam ser conferidos mecanismos discursivos para a classe trabalhadora. Nesse aspecto, os sindicatos sempre desempenharam um contrapoder a precarização e superexploração capitalista e assim devem continuar sendo. Mas, para isso, é preciso que o sindicato se articule em rede, utilize os espaços informacionais e faça com que as bases voltem a se reconhecer nos espaços de deliberação coletiva. Esse novo sindicalismo tem a ver com uma era digital mais democrática, que aqui ousamos chamar de “e-sindicalismo”. Ou seja, um movimento sindical de reconhecimento e proteção social, voltado para o campo das novas tecnologias, sem perder de vista a importância da valorização das subjetividades e das pessoas que trabalham como um todo.

Bibliografia  ^ 

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[1] Bauman, Z.: Modernidade Líquida, Zahar, Rio de Janeiro, 2001, p. 80.

[2] Dardot, P; Laval, C.: A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, Boitempo, São Paulo, 2016, p. 98.

[3] Honneth, A.: A Luta Por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais, Editora 34, São Paulo, 2003, p. 30.

[4] Teodoro, M.: O princípio da Adequação Setorial Negociada no Direito do Trabalho, Ltr, São Paulo, 2018, p. 50.

[5] Bauman, Z.: Modernidade Líquida, ob. cit., p. 60.

[6] Honneth, A.: A Luta Por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais, ob. cit., p. 60.

[7] Chaves, D.; Ferreira, C.; Dantas, M.: “Reconhecimento e Trabalho: a aplicação da teoria de Axel Honneth no âmbito laboral”, em Diniz, F. P.; Pereira, H. V. (Org.): Estudos Contemporâneos em Direito Público e Privado, D’Plácido, Belo Horizonte, 2015, vol. 1, pp. 81-102.

[8] A ancoragem da ciência justrabalhista à dignidade da pessoa humana e justiça social é identificada por Almeida como uma noção do Direito do Trabalho de segunda dimensão, que considera o sujeito para além das meras questões econômicas, mas também pelas questões de cidadania e participação política. Em: Almeida, C.: “Redução e Expansão do Direito do Trabalho: por um direito do trabalho de segunda geração”, em AA.VV.: Direito Material e Processual do Trabalho: III Congresso Latino-americano de Direito Material e Processual do Trabalho, LTr, São Paulo, 2016, p. 41.

[9] Almeida, C.: “Redução e Expansão do Direito do Trabalho: por um direito do trabalho de segunda geração”, ob. cit., p. 41.

[10] Honneth, A.: A Luta Por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais, ob. cit., p. 80.

[11] Oliveira, M.: “O direito sindical como esfera do reconhecimento”, Cadernos de Direito, vol. 18, num. 34, 2018, p. 382.

[12] Honneth, A.: A Luta Por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais, ob. cit., p. 80.

[13] Honneth, A.; Fraser, N.: ¿ Redistribuición o reconocimiento?: un debate politico-filosófico, Morata, Madrid, 2006, p. 40.

[14] No original: “En cuanto paradigmas populares, la redistribución y el reconocimiento se asocian a menudo com movimientos sociales concretos. Así, la política de la redistribución suele equipararse a la política de clase, mientras que la política de la redistribución suele equipararse a la política de clase, mientras que la política del reconocimiento se asimila a la ‘política de la identidad’, que, a su vez, se equipara a las luchas acerca del género, la sexualidad, la nacionalidad, el carácter étnico y la ‘raza’” Em: Honneth, A.; Fraser, N.: ¿ Redistribución o reconocimiento?: un debate polí tico-filosófico, ob. cit., p. 21.

[15] Honneth, A.: “Trabalho e reconhecimento: tentativa de uma redefinição”, Civitas - Revista De Ciências Sociais, vol. 8, num. 1, 2008, p. 46-67.

[16] Honneth, A.: “Trabalho e reconhecimento: tentativa de uma redefinição”, ob. cit., p. 47.

[17] Ibid., p. 46.

[18] Teodoro, M.: O princípio da Adequação Setorial Negociada no Direito do Trabalho, ob. cit., p. 56.

[19] Honneth, A.: “Trabalho e reconhecimento: tentativa de uma redefinição”, ob. cit., pp. 46-67.

[20] “Seria possível dizer que aquilo que pode ser necessário para a boa vida do indivíduo em experiências de trabalho não pode ser colocado, simultaneamente, como medida padrão para a avaliação da esfera de produção socialmente organizada; pois aqui existem obrigações e condições que, mesmo numa interpretação muito generosa, tornam necessário desenvolver atividades com um caráter bem diverso daquele do artesanato ou da arte”. Em: Honneth, A.: “Trabalho e reconhecimento: tentativa de uma redefinição”, ob. cit., pp. 50-51.

[21] Ibid., p. 48.

[22] Ibid., p. 48.

[23] Ibid., p. 53.

[24] Segundo Honneth esta estrutura de raciocínio está presente no pensamento Habermaziano sobre a ação comunicativa. Para Honneth, “se nós nos limitarmos a este único ângulo de visão, de fato só vem à tona aquela fina camada de regramentos estratégicos das estruturas da moderna organização capitalista do trabalho, para a qual Habermas apontara em sua construção teórico-sistêmica”. Em Honneth, A.: “Trabalho e reconhecimento: tentativa de uma redefinição”, ob. cit., p. 58.

[25] Ibid., p. 63.

[26] Ibid., p. 64.

[27] Honneth desenvolve a ideia da liberdade social como um dos pilares do Estado de Direito Democrático. Por esse ideal percebe-se que a liberdade de cada indivíduo é pré-condição para o exercício da liberdade do outro, numa relação simbiótica pela qual os sujeitos devem reconhecer-se reciprocamente.

[28] Honneth, A.: O Direito da Liberdade, Martins Fontes, São Paulo, 2015, p. 80.

[29] Ibid.

[30] Honneth, A.; Fraser, N.: ¿ Redistribución o reconocimiento?: un debate polí tico-filosófico, ob. cit., p. 21.

[31] No original: “Los movimientos emancipadores más recientes –representados por el feminismo, las minorías étnicas, las subculturas gays y lesbianas– ya no luchan sobre todo por la igualdad económica o la redistribución material, sino por el respeto a las características que les llevan a considerarse culturalmente unidos”. Em Honneth, A.; Fraser, N.: ¿ Redistribución o reconocimiento?: un debate polít ico-filosófico, ob. cit., p. 90.

[32] Honneth, A.: A Luta Por Reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais, ob. cit., p. 60.

[33] Honneth, A.: “Trabalho e reconhecimento: tentativa de uma redefinição”, ob. cit., p. 61.

[34] Honneth, A.: O Direito da Liberdade, ob. cit., p. 414.

[35] Ibid., pp. 422-423.

[36] Ulrich Beck entende que diante da sociedade pós-industrial, por ele chamada de sociedade de risco, a ideia de classes foi diluída. Por isso, na visão desse autor as “questões de desigualdade”, como resistências populares ou protestos, reduziram-se substancialmente. Em: Beck, U.: Sociedade de risco - Rumo a uma outra modernidade, Editora 34, São Paulo, 2011, p. 45.

[37] Bauman, Z.: Modernidade Líquida, ob. cit., p. 80.

[38] Teodoro, M.: “Por um Direito do Trabalho Repersonalizado”, em AA.VV.: Direito Material e Processual do Trabalho: III Congresso Latino-americano de Direito Material e Processual do Trabalho, LTr, São Paulo, 2016, pp. 51-58.

[39] Ibid.

[40] Antunes, R.: O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital, Editora Boitempo, São Paulo, 2018, p. 82.

[41] Rey, J.: “Los sindicatos deben aprender de los movimientos sociales”, lamarea.com, 24 de abril de 2017. Disponível em http://www.lamarea.com/2017/04/27/joaquin-perez-rey-los-sindicatos-deben-aprender-los-movimientos-sociales/ (Acesso em 05 nov. 2021).

[42] Ibid.

[43] Ibid.

[44] Honneth, A.: O Direito da Liberdade, ob. cit., pp. 434-435.

[45] Ilustrativamente cita-se a seguinte reportagem publicada em 15 de agosto de 2013 na Revista Exame, intitulada: “O que aprender com 10 campanhas de marketing viral - Especialista afirma que engajamento com o tema é exatamente o que as pequenas e grandes empresas querem”. Disponível em https://exame.abril.com.br/pme/o-que-aprender-com-10-campanhas-de-marketing-viral/ (acesso em: 05 nov. 2021).

[46] Antunes, R.: O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital, ob. cit., p. 295.

[47] Honneth, A.: O Direito da Liberdade, ob. cit., p. 300.

[48] Ibid., p. 445.

[49] Ibid., pp. 474-475.

[50] Ibid., p. 475.

[51] Ibid., p. 484.

[52] Consentino, C.: Direito do Trabalho, Tecnologias da Informação e da Comunicação: impactos nas relações individuais, sindicais e internacionais do trabalho, RTM, Belo Horizonte, 2018, p. 360.

[53] Ibid., p. 361.

[54] Ibid., p. 357.

[55] Cisco Systems. Informações disponíveis em https://www.webex.com.br/why-webex/overview.html#why-webex (acesso em: 01 de nov. 2021).

[56] A diretora do ATENS, Maria do Rosário Alves de Oliveira (2017), esclareceu por meio de informação verbal, em aula conduzida pelo professor Márcio Túlio Viana, que no âmbito daquele sindicato foi criada uma diretoria de políticas de tecnologia da informação para promover reuniões e consultas virtuais, que apresentaram uma participação de mais de 25% dos filiados, enquanto que as consultas presenciais atingiam um máximo de 20% dos filiados. Ela também ressaltou a falta de identidade dos mais jovens com o movimento sindical, relatando já ter visto postagens de descontentamento de jovens filiados ao ATENS no Facebook.

[57] Antunes, R.: O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital, ob. cit., p. 297.