Moradia emancipatória. Uma utopia secular,
operacional e multidirecional[1].
1. Universidade de Málaga, Departamento de Arte e
Arquitetura, Área de Projetos Arquitetônicos, E.T.S. Arquitetura de Málaga, Espanha,
jminguet@uma.es https://orcid.org/0000-0001-6944-162X
https://dx.doi.org/10.12795/astragalo.2025.i38.01
A moradia constitui a base
da estabilidade e da segurança dos indivíduos e das famílias. É o centro de
nossa vida social, emocional e, por vezes, econômica, e deveria ser um
santuário onde se vive em paz, com segurança e dignidade (ONU. Relator Especial
sobre o direito a uma moradia adequada 2024).
Nos últimos anos, o problema da moradia na Espanha[2] -¾e não apenas aqui¾- tem ganhado cada vez
mais relevância, entrando no debate público cotidiano, não apenas pelos dados
sobre a dificuldade de acesso, mas também por descrições incomumente detalhadas
das diversas facetas do problema. O debate político transcendeu, mais uma vez,
o mero “e você mais”, e as diversas facções apresentaram propostas de ação
radicalmente opostas, refletindo de maneira incomumente clara e explícita a
contraposição de suas cosmologias (ver, como exemplo, Partido Socialista
Operário Espanhol 2025; Partido Popular 2025; SUMAR 2024; VOX – Ana Otamendi
Fudio 2025)[3].
Embora não seja nosso objetivo aqui interpretar essas
políticas, como é de se esperar, aqueles mais à esquerda propõem diferentes
formas de regulamentação do mercado imobiliário, enquanto aqueles à direita
defendem a desregulamentação e o estímulo ao livre mercado.
Se quase todos
defendem a criação
de mais moradias, enquanto os primeiros veem
parques públicos, os últimos veem principalmente mercados privados.
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Fig. 1. Charge de Flavita Banana
publicada no El País, em 23 de janeiro de 2024, que mostra a sofisticação e a
complexidade incomuns do debate
cidadão na mídia, se percebido sob a perspectiva da habitação e suas
condições de emancipação (ou não), durante o período de desenvolvimento do projeto de pesquisa, imediatamente antes da chamada para contribuições desta
edição.
O período também
viu a aprovação de uma Lei sobre a Qualidade da Arquitetura e,
mais tarde, a Lei sobre o Direito à Moradia, cujo nome
está inequivocamente ligado ao aspecto emancipatório do problema, ambas
controversas, cada uma em sua própria escala. É, de fato, nas políticas de
escala (Sevilla e Brenner, Neil 2017), que reside o problema que permite, mais
uma vez, que as políticas legisladas não tenham aplicação real, ao recaírem
suas competências em administrações de âmbito inferior à da legisladora, nas
mãos de forças politicamente contrárias a ela que, de forma autônoma,
inabilitam de fato a lei, ao não a aplicarem, favorecendo assim o statu quo
anterior, geralmente associado ao capitalismo desregulado. Enquanto Brenner
propõe a aplicação de políticas na escala apropriada (geralmente maior) para viabilizar
a aplicação, nossos políticos pervertem o sistema ¾e sua teoria¾ para contornar a regulação[4].
A possibilidade de uma modificação da Lei de Terras é uma das estratégias de vários partidos
para tentar mobilizar essa situação de bloqueio, mas nenhum deles chegou a um consenso
suficiente para levar
uma proposta adiante. Assim, enquanto a inação continua
por um motivo ou outro, a situação
habitacional só piora, em
condições cada vez mais complexas. Mas, embora continue sendo uma grande
preocupação para os cidadãos, ela foi colocada em segundo plano no debate
público.
Desde a nomeação de Donald Trump como presidente
dos Estados Unidos, são suas constantes e quase exclusivas piadas
que estão no centro de todas as notícias e debates. Não é à toa que, no espaço
de apenas alguns meses, sua
atitude irracional já está ameaçando a estabilidade global construída desde o
fim da Segunda Guerra Mundial. Seu estilo inadequado de valentão escolar, sua
encenação, entre o espetáculo e o ridículo, suas ameaças constantes, suas mentiras descaradas e obliterações, foram calculados ao longo
de anos de evolução da propaganda e da manipulação publicitária (Minguet 2017)
para atrair a atenção de toda a mídia mundial.
Mas essa elaborada estratégia comunicativa não se
limita já a atrair a atenção; de um mandato a outro, ela tem ganhado cada vez
mais força propositiva e se convertido em ferramenta de ação política. Daniel
Natoli, em sua apaixonante resenha de The Architect neste número,
fala do poder da distopia literária e cinematográfica para nos tornar mais
conformados com um futuro em que a linha do progresso foi invertida. O fato é
que Trump transferiu essa estratégia do mundo da ficção para a política
cotidiana, que ele concebe como uma amálgama indistinta de benefício privado e
interesses geopolíticos. Suas numerosas boutades prenunciam um futuro
imediato fortemente rupturista em relação aos consensos internacionais nos
quais nos sentíamos estabelecidos desde meados do século passado, do sistema de
Bretton Woods à ONU em suas diversas extensões e especificidades.
Cada vez que ele propõe um cenário que, à luz
desses consensos, parece distópico e impossível, não faz senão medir a
distância entre esse cenário e a realidade atual, bem como o grau de
esgotamento da capacidade de resposta das instituições que o sustentam ¾instituições sobre as quais ele frequentemente
exerce considerável controle. Considerando que essa distância só tende a
diminuir e o esgotamento a aumentar (não sem sua contribuição), muitas vezes o
resultado dessa operação é que se torna possível avançar mais em direção ao
objetivo inicialmente proposto antes mesmo da consulta.
É assim que ele chega a compartilhar[5] em sua rede social ¾chamada nada menos que Truth, Pravda em
russo, para quem ainda guarda alguma memória soviética¾ um vídeo sobre uma Gaza turistificada, à maior
glória de sua dupla face como empresário imobiliário e hoteleiro (aparece,
entre os inúmeros edifícios de luxo, um com seu nome em grandes letras
iluminadas, em seu habitual e ostensivo estilo) e como líder político
absolutista, venerado por meio de estátuas e produtos à venda, como balões
infantis e estatuetas, todos eles invariavelmente dourados (Pérez 2025). Essa
extrema confusão público-privada, entre o benefício privado e a geopolítica ¾paroxismo neoliberal¾ acentua‑se com as aparições alternadas de seus
amigos Musk e Netanyahu, como potenciais ¾ao menos este último¾
executores da ideia.
E funciona. O surpreendente é que esse insulto
extremo a qualquer aparência de respeito internacional ou humanitário cumpre
completamente sua função. Netanyahu expressa sua aprovação imediata e, em
poucos dias, Trump e Netanyahu são retratados juntos novamente, dessa vez sem IA, na Casa Branca do mundo real,
discutindo, decidindo entre eles, o futuro de Gaza e de seus habitantes, a quem
eles convidam a encontrar "...
um novo e agradável pedaço de terra bonita e conseguir que algumas pessoas coloquem o dinheiro para
construí-la e torná-la agradável e habitável". Dessa forma, "você não
será alvejado ou destruído" (Trump, em BBC News World
2025 Newsroom) . Apenas
alguns dias depois, e após consultar a Casa Branca, Netanyahu rompe o cessar‑fogo então vigente e reata sua guerra
genocida em Gaza (Hameida 2025; UNRWA 2025). Será alcançado o objetivo
fabulado? Avança‑se
rumo a ele, constatando‑se uma
resistência internacional que oscila entre o escasso e o ausente, e
estabelecendo um precedente: o que for obtido em Gaza será, sem dúvida,
aplicado em outros contextos. [6]
Esta situação inaceitável não é senão uma elevação
da turistificação, como distopia realizável, à escala de uma guerra genocida;
mas os efeitos de deslocamento pretendidos já foram experimentados antes em
inúmeros casos, inclusive pelos mesmos atores. O que produz a turistificação ¾e a gentrificação, da qual não passa de uma versão
globalizada¾ senão deslocamento
populacional? A comparação nos remete àquela pichação em Barcelona que igualava
o turismo a uma força de ocupação (ver Cheer 2018), mas também faz pensar em
Rafi Segal e Eyal Weizman, que escreveram sobre a ocupação civil da Palestina ¾e a importância e ilegalidade de seu caráter civil¾ antes deste passo de Israel rumo à guerra aberta
(2003). Será o próprio Weizman que dirá, pouco tempo depois:
A origem do termo
"urbicídio"- a destruição da condição de pluralidade que define uma
cidade ¾não se deu em Belgrado, Mostar, Grozny ou Gaza, mas sim nas
regenerações e práticas “higiênicas” do urbanismo estadunidense, como descrito
por Marshall Berman após a agressiva “limpeza” do Bronx. (2004, 61)[7].
A turistificação e a gentrificação como forças de
deslocamento populacional atuam há muitos anos, com consequências sempre
crescentes, em contextos de paz. O próprio Trump, que vem do mercado
imobiliário, não é nada alheio a essas dinâmicas, que já colocou em prática
anteriormente em seu próprio campo. Elevado a um poder político quase omnímodo,
que ele entende não como representativo, mas como pessoal, aplicou‑as, sem dúvida, sem respeito, humanidade
ou senso de escala, aos seus habituais interesses.

Fig. 2. Torres Trump vistas desde Kuştepe, Istambul (Turquia). Fotos do
autor. A visão das Torres Trump (centro comercial, escritórios e 200 moradias de
luxo) sobre o bairro autoconstruído pela grande maioria dos habitantes de etnia
romaní de Kuştepe parece anunciar um processo de gentrificação do qual já são
visíveis várias marcas.
Ao falar desses procedimentos, estaríamos então
falando de uma espécie de distopias assintóticas, apresentadas como um
horizonte de possibilidade para o qual tender, sem estabelecer a necessidade de
alcançá‑lo, mas simplesmente de
medir a aproximação a ele. Essas distopias assintóticas, que surgem em
um ponto e podem se generalizar a muitos outros, não exigem sempre a ação de
Trump; podem ocorrer ¾como antecipava Weizman¾ em qualquer contexto onde o mercado encontre
pouca regulação em sua aplicação sobre as pessoas.
No que se refere à moradia, uma dessas distopias
foi revelada ao mundo por uma coleção de fotos publicadas pelo fotógrafo
radicado em Hong Kong, Benny Lam (2016). Nelas vê‑se como vivem as classes trabalhadoras
menos favorecidas de Hong Kong: “os garçons que te servem nos restaurantes em
que comes, os seguranças nos shoppings em que fazes compras, os faxineiros e os
entregadores nas ruas por onde passas” (Lam e Stacke 2017)[8]. O
aumento desmedido do preço do solo no centro da cidade, combinado com a
necessidade de mão de obra para serviços nessa mesma área, possibilitou um
mercado de subdivisão de apartamentos em que os lares de centenas de milhares
de pessoas se resumem ao espaço físico onde dormem ¾e pouco mais. São praticamente armários para
abrigar pessoas enquanto não estão sendo “utilizadas”. Essa redução do espaço
praticamente nega a existência de uma vida própria a essas pessoas, reduzindo‑as à condição de mão de obra escrava e
demonstrando, em sua forma mais extrema, a indiscutível e fundamental natureza
emancipadora da moradia. Seus corpos armazenados, latentes, lembram
inevitavelmente o estado em que permaneciam os corpos parasitados das pessoas
cujas vidas haviam sido transplantadas para a Matrix, nos filmes das irmãs
Wachowski (1999; 2003a; 2003b).

Fig. 3 Imagens
das moradias-caixão de Hong Kong, de Benny Lam.
As imagens são aterradoras, e
ainda mais se lembrarmos que são anteriores à pandemia de COVID‑19. É de gelar a espinha pensar como essas pessoas
viveram a pandemia nessas circunstâncias, sem falar no número de vítimas —
obrigadas a morar em espaços mínimos e mal ventilados, mas vizinhas e apenas
separadas umas das outras, com todos os serviços básicos compartilhados.
Mergulhadas na economia informal, faltam estudos que abordem suas vidas e seus
avatares.
É esse extremo de limitação da
moradia quase ao próprio corpo, ou ao núcleo familiar imediato ¾já que a família é o
elemento irrenunciável da socialização ainda desejada (Donzelot 1998)¾ que quisemos
apresentar, como dissonância cognitiva em contraposição extrema ao título, na
capa de nosso número.
Não podemos esquecer que isto
não é distopia, mas realidade, em um lugar muito preciso e extremo na geografia
e na economia global. E, ainda assim, atua com o mesmo efeito assintótico sobre
um mercado ávido por testar os limites de tolerância da população a que
subjuga. Impossível de ser enfrentado frontalmente em uma democracia ocidental[9], assistimos ao surgimento de tentativas de aproximação. A
estratégia é a mesma de Trump: ver até onde se pode chegar; os métodos, apenas
um pouco mais ardilosos.
Em Espanha, essa aproximação
vem-se dando através dos chamados hotéis‑cápsula. Herdados, em
princípio, do modelo hoteleiro japonês, não ignoram ¾quando não explicam
abertamente¾ a possibilidade de deslocamento habitacional para o
modelo de Hong Kong, sobretudo se o negócio original, muito mais rentável, não
funcionar conforme o esperado. É o caso de uma empresa que opera em Málaga, a
mesma cidade onde este artigo é escrito, que oferece conjuntos de duas cápsulas
de luxo para pequenos investidores, com altíssima rentabilidade[10], em hotéis que reúnem várias
dessas cabines sob a gestão da empresa.[11]
O El País revelou em um artigo que a documentação para investidores sugeria, em
dezembro de 2024, que “devido à excessiva demanda por moradias, [este projeto]
permite cobrir as unidades vagas em temporadas mais baixas, em modalidade
coliving”, oferecendo também “uma garantia de ocupação diante de outro possível
COVID”, identificando como possíveis clientes pessoas que estejam em processo
de busca de um lar “devido à dificuldade de encontrar moradia” (folheto para
investidores, citado em Sánchez 2024). Em janeiro de 2025, em um jornal local,
negam essa possibilidade, limitando as reservas a um mês, porque “simplesmente
nos é muito menos rentável” (Pedrosa 2025).
Na realidade, esse tipo de
oferta já representa um recuo tático na busca do limite do possível. Em 2018,
uma empresa de Barcelona propôs moradias-colmeia sem paliativos hoteleiros. O
artigo do portal imobiliário Idealista[12] que relatava isso referia-se ao modelo de Hong Kong,
esclarecendo que o japonês é hoteleiro e não habitacional. Entre as numerosas
normas de cumprimento obrigatório que descreve, destaca-se que “não se poderá
criticar o funcionamento das colmeias em público ou em perfis sociais; isso
será considerado uma ação negativa contra a colmeia e o residente será
expulso”, ou que todos os membros da colmeia podem se associar para expulsar um
dentre eles. Neste caso, reconhecia‑se abertamente que os
destinatários do projeto “são pessoas em risco de exclusão, que, embora tenham
renda mensal, estão no limite e não dispõem de uma moradia em condições
adequadas para viver” (citações textuais incluídas em Pareja 2018). Esse tipo
de medida, que deliberadamente aplica coerção e repressão de forma abertamente
desigual, não apenas segue distopias de ficção ¾neste caso, a mais
próxima seria o filme Anti‑Squat (Silhol 2023) ¾ mas, de fato, já as
está antecipando[13].
Felizmente, aquele projeto não
chegou a se desenvolver na Barcelona de Colau, e mesmo em Madrid, sob Martínez‑Almeida[14] um desses hotéis acaba de ser fechado
(González 2025), após o diário El País denunciar que estava sendo usado como
moradia habitual (Peinado 2024). Nem tudo parece perdido, mas é imprescindível
que as administrações públicas mantenham uma vigilância rigorosa diante desses
processos de testagem da realidade, que sondam os limites da legalidade e dos
direitos para expandir o capitalismo e a rentabilidade acima deles. Não
esqueçamos que “a Espanha é o país que mais condenações recebeu por violar o
direito à moradia por parte do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais das Nações Unidas” (Anistia Internacional Espanha 2025).
Os problemas atuais de moradia[15] são numerosos e muito complexos, mas
podem ser resumidos sem muita profundidade: a maioria dos problemas de moradia
decorre de sua concepção como um bem de troca[16]. Essa consideração implica uma primeira
fase, que é sua consideração como propriedade, e uma segunda, dedutível da
primeira, mas não de forma unívoca, que é sua consideração como um mero bem de troca, além de seu valor de uso, sua alienação, como David Madden e Peter Marcuse a chamam, com razão e precisão, em seu livro seminal e significativo Em defesa da moradia (2018, 78-81). É esse segundo
giro que dá origem à fatalidade do mercado imobiliário[17]. Como bem de primeira necessidade, não deveria permitir‑se a
especulação sobre seus preços. É fácil compreender que a especulação com
alimentos básicos e com a água não seja permitida, seja rigorosamente vigiada e
punida em nossas legislações. Até mesmo em situações de escassez extrema
(guerras, catástrofes etc.) sua gestão costuma ficar a cargo da administração
pública, como reguladora do bem comum. E, ainda assim, não conseguimos estender esse tratamento
a um bem de quase igual necessidade, como é a moradia. Para ela, o mercado. Não
apenas aceitamos naturalmente que se especule com moradias, mas investir em
moradia é o desejo aspiracional do cidadão médio. A bolsa, como meio natural de
especulação econômica, fica reservada a investidores profissionalizados. O
cidadão comum quer investir em moradia ou, como costuma dizer‑se,
com uma zafiedade paralela à aspiração, “em tijolo”[18].
Para minimizar o impacto dessa
cultura de investimento de pequenos proprietários, que o historiador Carmona
Pascual estima ser majoritária no mercado de aluguel, “dever-se-á forçar um
debate político onde se ponha em questão o ‘direito de especular’ que foi
concedido por padrão aos proprietários particulares. Trata‑se
também de eliminar todos os privilégios fiscais que existem para esse setor. E,
claro, buscar alternativas de moradia pública” (Carmona Pascual 2022, 192).
Este cenário original, já
complexo e motivo de inúmeras crises de moradia ao longo da história, não fez
senão se complicar, como de resto a economia de mercado, desde a globalização.
Os problemas de um mercado local de moradia tornam‑se
enormemente mais complexos quando este, progressivamente, deixa de o ser, para
se converter num mercado global. Novamente, trata‑se
de uma questão de escala. Quando o Monopoly da especulação imobiliária
muda a toponímia ¾das ruas de uma cidade para cidades em escala global¾ e suas cédulas deixam
de ser moeda local para se tornar capital transnacional, o mercado se elitiza,
a moradia torna‑se inacessível ao cidadão
local, perdendo sua capacidade de satisfazer seu valor de uso, quiçá seus
direitos a ele associados, e provocando deslocamentos e exclusão social.
Sob essa breve descrição podem
se englobar muitos dos problemas mais recentes da moradia. A gentrificação
¾ou
elevação mais ou menos progressiva do nível de classe e de renda em
determinadas áreas urbanas (ver Smith [1996] 2012) ¾ supõe a substituição
dos moradores tradicionais de um bairro por concidadãos de classe social mais
alta, e a consequente expulsão dos primeiros para zonas menos valorizadas.
Quando essas áreas entram no interesse do mercado global, como ocorre nas mais significativas
das grandes cidades globais, começa‑se a falar em hipergentrificação,
pois a diferença de poder aquisitivo entre os habitantes originais e os
investidores estrangeiros dispara, acelerando e extremando o processo de
segregação e expulsão.
A turistificação é uma
variante específica da gentrificação, na qual o recém‑chegado
não se torna morador, mas apenas visita de férias. Ao maior poder aquisitivo do
visitante soma‑se a condição de
excepcionalidade vacacional, que faz com que se esteja disposto a pagar bem
mais do que por uma moradia habitual. Uma moradia submetida ao aluguel de
temporada, portanto, é muito mais rentável do que no regime de aluguel
residencial ou de longa duração. Surgidos originalmente como parte de uma
“economia colaborativa”, supostamente à margem do capital ¾como se isso fosse
possível¾ os aluguéis de temporada não apenas retiraram do mercado
de locação um enorme número de moradias, reduzindo a oferta, mas também
substituíram o comércio e a vida local de inúmeras cidades turísticas por um
modelo repetitivo e sem alma de cidade franquiciada, dominada por uma hotelaria
espacialmente agressiva em sua ocupação do espaço público e frequentemente
mesquinha em suas transações, tanto com o consumidor quanto com seus empregados
precarizados.
O turismo residencial é
um fenômeno muito antigo, que existe desde que existe o turismo e era,
originalmente, extremamente elitista. A globalização e a democratização[19] dos voos fizeram com que se expandisse
muito mais, permitindo que camadas sociais cada vez mais amplas, nos países
mais avançados economicamente, decidam investir em residências turísticas ou de
aposentadoria, em áreas que combinem segurança e bom clima, encarecendo também
os mercados locais dessas regiões e deslocando os habitantes originais. O inverso desse
fenômeno seriam os nômades digitais. Inicialmente identificados com
executivos elitistas de empresas de tecnologia, de perfil altamente imaterial,
cujos trabalhos podiam ser realizados de qualquer lugar do mundo, o que lhes
permitia escolher sua moradia entre todos os paraísos globais ¾incluindo, é claro, os
paraísos fiscais. Sob a precarização dominante do atual capitalismo
desenfreado, acabaram por se assemelhar mais a trabalhadores dessas mesmas
indústrias, cujos salários precários lhes permitem viver melhor em países menos
desenvolvidos, ainda que talvez mais ensolarados e tranquilos do que os seus[20]. Ambos os mecanismos
desterritorializadores, simetricamente, redundam numa expansão dos
deslocamentos e expulsões de habitantes locais.
A financiarização, que
não afeta apenas a moradia, refere‑se ao aumento da abstração
econômica que ela sofre ao passar de mero valor de troca para se tornar um
ativo financeiro, e tem graves consequências em, pelo menos, duas vertentes
diferentes.
Por um lado, estende ao âmbito
global e à desregulação mercantil os pequenos investidores. Aquele rentista
popular (Carmona Pascual 2022, 91) que tinha uma moradia para aluguel como
exploração de suas economias ou pequenos excedentes de capital, já sem poder
aquisitivo para ser proprietário autônomo, agrupa‑se
de forma anônima em fundos de investimento — pessoas jurídicas que diluem a
rastreabilidade da responsabilidade pessoal[21]. Dessa forma, nas mãos de operadores
profissionais frequentemente transnacionais, esses capitais são investidos
seguindo a única diretiva da rentabilidade, alheia a qualquer consideração
ética ou sensibilidade local. Sob seu comando cada vez mais abrangente, o
pequeno arrendador que podia estabelecer uma relação de confiança com seu
inquilino é substituído por empresas anônimas, alheias a qualquer circunstância
especial do locatário, que não hesitam em intimidar e sobrecarregar legalmente ¾e, por vezes, até
fisicamente¾ para aumentar o valor do aluguel ou forçar a
desocupação, quando entendem que a rentabilidade obtida não é a ideal, ou que o
imóvel pode gerar maiores lucros por meio de uma remodelação, venda ou
demolição. A extensão quase monopolística dos fundos de investimento não apenas
desloca inquilinos e pequenos proprietários, mas também todos os demais agentes
menores do processo de construção e imobiliário em geral. Desde pequenos
incorporadores até escritórios de arquitetura de pequeno porte, todos são substituídos
por uma concentração do negócio em uma minoria formada em torno dos grandes
fundos de investimento ¾mais estáveis financeiramente,
frequentemente parte das próprias entidades bancárias financiadoras¾ e seu entorno de
grandes escritórios de arquitetura de confiança, ampliados à sua sombra desde o
contexto da crise anterior. Seguindo a tendência capitalista atual, poder e
dinheiro se acumulam cada vez mais em um número reduzido de mãos (ver Minguet
2017, 133-44).
Por outro lado, a
financiarização da moradia refere‑se, em contextos já fortemente
desterritorializados e marcados pelos problemas acima mencionados e,
consequentemente, com preços muito elevados, à quase total perda da função
habitacional dos novos edifícios de moradias. Essas novas construções, geradas unicamente
sob a perspectiva do lucro (como evidenciam suas formas ¾torres esbeltas além
de qualquer lógica construtiva), erigem‑se com a única
finalidade de imobilizar capital, de constituir investimento, sem a clara
expectativa de que venham a ser habitadas, nem mesmo por grandes magnatas em
férias, levando o processo de abstração ao seu grau máximo, onde a moradia é
apenas valor de troca financeiro, sem qualquer fundamento em seu valor de uso
(Soules 2021).
Todas essas problemáticas e
aquelas que pudemos esquecer, ou elidir por falta de espaço, ocorrem
simultaneamente em torno do problema da moradia e, muitas vezes, nos
territórios mais tensionados, convergindo todas de uma vez. Apesar de sua
variedade e diversidade, todas compartilham um efeito desterritorializador e
acentuam a inclinação da moradia para seu valor de troca ¾do qual cada vez mais
ela se alimenta¾ e um afastamento de seu valor de uso, esquecendo ou
ignorando que este é fundamental para a própria subsistência das comunidades
locais onde essas moradias se assentam e às quais conferem sentido como tais.
Nesse contexto tão complexo, o
que significa apelar à moradia emancipadora? Por que fazê‑lo?
Em primeiro lugar, a moradia
emancipadora apela, naturalmente, à moradia como direito, conforme estabelece o
artigo 47 da Constituição Espanhola ¾e artigos semelhantes em
muitas outras Constituições nacionais. É um direito que, se não o mais
fundamental,[22]
serve de base para quase todos os demais. Sem moradia ¾sem endereço pos tal,
sem registro¾ uma pessoa não pode adquirir a condição de cidadão,
tampouco manter interlocução adequada com as administrações públicas que
poderiam zelar por seus direitos ou conceder-lhe auxílios. Mas não é só isso. É
significativa a denominação do mais alto cargo representativo da ONU na área: o
Relator Especial da ONU para uma moradia adequada. Porque o direito a
reivindicar não é apenas o da moradia, mas o da moradia adequada, que ¾segundo a formulação
do Relator¾ deve garantir: segurança de posse, disponibilidade de
serviços, acessibilidade econômica, habitabilidade, acessibilidade física,
adequação cultural e localização apropriada (2024). Só assim uma moradia pode
ser emancipadora. Uma moradia que o submete ao medo constante de perdê‑la,
que o escraviza para pagá‑la, que lhe causa desconfortos
e problemas de saúde contínuos, que o isola da sociedade, que o segrega ou que
dificulta sua identidade cultural é mais uma prisão do que um lar, mais uma
escravidão do que um meio de libertação. Portanto, a moradia emancipadora apela
a um direito ampliado e multifacetado.
A condição poliédrica do
direito a reivindicar antecipa o alcance do movimento a convocar. Em oposição à
complexa multiplicidade dos problemas já descritos, a moradia emancipadora,
como conceito, convida a abordar a problemática da moradia a partir de uma
perspectiva simetricamente poliédrica e multiescalar. Desde os menores detalhes
de design arquitetônico até as grandes diretrizes políticas e fiscais sobre
moradia, e todas as escalas e esferas intermediárias, podem ser entendidos como
faces de um mesmo problema, se o abordarmos sob o ponto de vista da
emancipação. Essa multiplicidade é imprescindível para compreender a
globalidade do problema e apresentar soluções minimamente sólidas. Não podemos
esquecer que, como dizia Lefebvre, “a ordem estabelecida tem grande capacidade
de adaptação e integração; assimila aquilo que a ela se opõe” ([1981] 2005,
106), o que, no caso do capitalismo, atingiu níveis de verdadeiro virtuosismo,
a ponto de não deixar imaginar a possibilidade de um exterior, como tantos
autores constataram a partir de perspectivas diversas (Boltanski e Chiapello
[1999] 2002; Frank [1997] 2011; Debord [1988] 1990; e tantos outros).
Para confrontar o gigantesco
mecanismo de mercantilização da moradia e suas ramificações em todos os
âmbitos, não podemos reduzir nosso enfoque a contribuições disciplinares
isoladas, que certamente serão incorporadas como mecanismos adicionais de
mercantilização. Basta observar no que se tornaram as economias
colaborativas, como o Airbnb, ou em que conceitos comunitários, como
o co‑living, estão se
transformando; ou imaginar o que poderia ocorrer com propostas supostamente
originadas de um feminismo emancipador, como a casa sem cozinha
(Puigjaner 2014), se não considerarem permanentemente a complexidade do
problema global e a ameaça constante de assimilação. Por isso, diante da
mercantilização do capitalismo global, movido apenas pela ambição, mas de formas
sofisticadíssimas e corais, em que cada intervenção em diferentes âmbitos e
escalas contribui para a eficácia do todo[23], torna‑se
necessária uma coralidade e conexão não menos amplas entre as escalas de
intervenção por uma moradia melhor. A moradia emancipadora busca um enfoque que
iguale, em sua coralidade e sofisticação, ao mesmo tempo em que na unidade de
seus objetivos, os mecanismos mercantilizadores aos quais pretende enfrentar.
Esse sentido buscado de
coralidade torna coerente que o tema desta publicação tenha sido abordado, ao
menos inicialmente, como um chamado aberto. Colocando a emancipação no centro ¾tanto um conceito
abrangente quanto preciso, mas abrindo a possibilidade de recepção a todos os
enfoques ou olhares¾ buscava‑se encontrar essa panorâmica
coral de perspectivas que, talvez em fases posteriores, pudesse organizar bem
as tessituras de cada voz, agrupando‑as em um coro mais
estruturado e eficaz, que compreenda simultaneamente sua complexidade e sua
indissolubilidade. A possibilidade de oferecer soluções viáveis ao problema não
reside em nenhuma das peças isoladamente, mas no quebra‑cabeça
completo que elas constroem. Só com todo o imaginário em mente, ao mesmo tempo,
poderemos desenhar estratégias que tenham alguma chance de resistir ao grande
monstro poliédrico do capital desregulado e desumanizado em seu avanço.
Felizmente, o sucesso de convocação, tanto na qualidade quanto na quantidade de
contribuições, nos permite apresentar hoje um número de inegável interesse, um
desejável início possível para novas contribuições e encontros entre suas vozes
e, ao mesmo tempo, sempre aberto a outras novas, dispostas a afinar esta mesma
canção[24].
O chamado a uma moradia
emancipadora é, por fim, uma insistência contracorrente na utopia diante da
recorrência das distopias, cada vez mais reais e que começam a antepor a
realidade à ficção. No contexto de pessimismo que o triunfo distópico impõe,
reivindicar algo aparentemente tão inalcançável (tão inexistente ou, pelo
menos, excepcional até então) como a capacidade emancipadora da moradia ¾algo tão distante do
que parece possível¾ permite traçar o horizonte de um desejo que não aceita
as renúncias impostas. O velho slogan de Maio de 1968, soyez realistes demandez l'impossible[25], parece resgatar seu sentido no desmoralizado contexto
atual de aceitação progressiva de distopias cada vez mais deprimentes e
opressivas. Aceitar o pessimismo distópico é cumprir sua primeira premissa
programática, a mais importante. Reivindicar uma moradia emancipadora é recusar‑se,
de forma global, poliédrica, complexa e sofisticada, a essa premissa. É
reivindicar aquilo que ninguém espera, mas que vai ao cerne, à medula do que é
esperável, do que é desejável, e oferecer-lhe um imaginário que, embora
distante, é possível ou, pelo menos, concebível. Dá nome preciso a uma demanda
complexa.
A moradia emancipadora
pretende, consciente como afirmamos do risco de sua instrumentalização pelas
forças mercantilistas a que se opõe, ser o que o filósofo Francisco Martorell
chama de utopia secularizada. Livre de todo atisbo de absoluto,
consciente de sua contingência e incompletude, mas que atribui “a inteira
responsabilidade pelo progresso aos desejos de justiça”[26] (Martorell Campos 2020, 26).
Também, por simetria às suas
distopias opostas, poderíamos dizer que se trata de uma utopia assintótica, que
traça um limite a que tender, sem a necessidade imperiosa de alcançar um
objetivo preciso e completo, mas medindo permanentemente a distância até ele e
incentivando os esforços na direção correta.
Em coerência com tudo o que
foi escrito, a moradia emancipadora seria aquela que se imagine, conceba,
projete e construa pensando unicamente em seu valor de uso. Nesse uso ampliado,
que cultiva os direitos fundamentais, proporcionando o solo firme e o sustento
em que esses possam crescer frondosos e livres. Isso não é fácil, nunca ocorreu
antes, mas apenas imaginando‑o, nomeando‑o,
poderemos ¾talvez não torná‑lo possível de
imediato, mas ao menos saber para onde queremos caminhar, em vez de
continuarmos sendo arrastados.
A condição coral de nosso
número torna‑se ainda mais forte
precisamente a partir daqueles saberes menos valorizados pela centralidade de
nossa sociedade capitalista e ocidental, onde, como adiantam Sánchez Laulhé et
al., é possível encontrar discursos renovadores e questionadores dos elementos
opressivos do regime vigente. Assim, descobriremos que ideias particularmente
potentes provêm de saberes de algum modo ofuscados pelo discurso hegemônico[27]: do feminismo dos cuidados, no caso de Garrido et al.; do
sul global, nos casos de Cicuto e Moreno, ou Pérez e Pelegrín; de tradições
disciplinares esquecidas, nos casos de Avilla e Barberá, ou das resenhas sobre
a tradução de Xenofonte por Quetglas; ou ainda do Extremo Oriente, em Capdevila
et al.
Realismo distópico. O
cómo la producción cinematográfica invita a la aceptación del presente[28], a resenha da
minissérie norueguesa The Architect, de Daniel Natoli, já teve bastante
destaque neste editorial, que se alinha ao seu argumento sobre distopias e
utopias ao apresentar o sentido de A Moradia Emancipadora como conceito.
O cineasta reflete sobre o alcance da distopia de ficção para moldar nossas
mentes e minar resistências, terreno com o qual a série joga não apenas em seu
discurso, mas também em seu metadiscurso, na relação que o próprio espectador
estabelece com ela, deixando várias perguntas em aberto, como adverte Natoli,
talvez para uma segunda temporada ou, em todo caso, para nossas reflexões
futuras, ou melhor dizendo, já presentes.
Se esta resenha mira o limite
do futuro, as outras duas, paralelas, voltam‑se
ao extremo fundacional da disciplina arquitetônica ¾não já ao
Renascimento, mas ainda mais além, até a Grécia Clássica. Ambas versam sobre a
tradução e o prólogo que José Quetglas oferece do Oikonomikós de
Xenofonte. Ao qual ele, evitando qualquer relação forçada com a palavra muito
mais moderna economia, intitula Saber habitar. O interesse de
Quetglas, habitualmente centrado na crítica moderna e contemporânea, em uma
referência tão antiga, reside numa pergunta que Roberto Fernández, nosso
diretor e seu primeiro resenhista, apressa‑se
em destacar: “Por que nos fizeram ler durante séculos Vitrúvio ou sobre o
templo de Salomão, que são coisas de pedreiros ¾dir‑se‑á ao
curioso, se é algo exagerado¾ e não Xenofonte?” (2023, 10).
Sua tradução e prólogo consistem, portanto, em explorar a possibilidade de uma
ucronia: o que seria da disciplina arquitetônica se, em vez de se fundar na
obra de Vitrúvio, tivesse se apoiado mais na de Xenofonte? Na resenha de
Roberto, cujo título, Antes e melhor que Vitrúvio, não deixa dúvidas
sobre sua recepção da proposta do crítico catalão, seremos guiados na leitura
de Quetglas, entendendo que Xenofonte propunha uma diferenciação chave entre
dois saberes ¾epistemes¾ distintos: a tektoniké,
ou construção, derivada inicialmente da carpintaria, que é o tipo de saber em
que Vitrúvio se centrará e que Quetglas considera trabalho de pedreiros; e o oikonomikós,
ou arte de saber habitar, que de fato é, e deveria ter sido desde Xenofonte,
reconhecido como o verdadeiro arte da arquitetura. Em seu passeio pela leitura
de Quetglas, outros temas que conectam surpreendentemente Xenofonte à nossa
atualidade vão surgindo ¾o habitar austero, o
armazenamento e até uma certa ideia de feminismo, necessariamente traduzida,
por sua vez¾ e aparecem no deleite da leitura que Fernández confessa
desta tradução de Quetglas de Xenofonte.
El arquitecto curioso[29], a outra resenha
desta tradução de Xenofonte, do professor e tradutor de línguas clássicas
Alberto Marina, prende‑se menos ao texto literal e o
aborda a partir de um requintado senso sobre o significado de traduzir ¾assim como o próprio,
curioso, Quetglas faz¾ situando sua introdução em um tempo em que, segundo
Gilbert Murray, “os manuais ainda não haviam abandonado, especializando‑se,
o reino das Musas”. Ele o contextualiza também entre uma série de referências
culturais recentes que o acompanham em sua busca por conexões entre o
pensamento clássico e o nosso presente, distanciando‑se
de um Michel Foucault, que sai particularmente mal na análise.
Não ocorre
o mesmo no texto de Sánchez, Gisbert e Nieto, Emancipación y arquitectura a
partir de la vivienda obrera. Apuntes genealógicos del concepto de habitar en
la arquitectura[30],
em que a obra de Foucault ¾removida do título apenas nas
versões mais recentes¾ desempenha um papel fundamental: certas obras distantes
das interpretações da época clássica que ofendem Marina. A acepção de habitar
que adotam também não se afasta de Xenofonte, na sua consideração como saber
central da arquitetura. Só que, em sua acepção foucaultiana, associam a
fundação da disciplina arquitetônica, como exclusividade ¾em oposição a todos os
outros saberes¾, à sua função de normalizadora do habitar humano, gerada
em torno do projeto da moradia social, assim como a psiquiatria se erigiu em
torno da saúde mental, quase simultaneamente, não importando tanto se “cumpria
os preceitos de uma ciência ou não, mas como a ciência respaldou metodologias e
elevou certos profissionais enquanto especialistas”. A partir dessa
exclusividade excludente e normalizadora, entenderemos a dificuldade de propor
elementos de emancipação desde o interior da disciplina.
Talvez por
isso, as duas intervenções seguintes, ambas de temática sul‑americana,
referem‑se a formas de construção de moradias em que o arquiteto
não é o técnico exclusivo, mas que, se existe, se limita a acompanhar e
assessorar processos de criação sociais e compartilhados.
Autoconstrução, mutirão e autogestão. Um estudo dos debates no Brasil a partir da década de 1970, de Cicuto e Moreno, é uma
história das formas coletivas e autogeridas de produção do habitat no Brasil
desde 1970 ¾cujo enfoque temos muito a aprender nas sociedades
supostamente mais avançadas, onde essas possibilidades hoje se apresentam como
alternativas mais ou menos inovadoras e como antídotos à mercantilização
capitalista. Apenas para atrair brevemente o leitor, sem simplificar demais nem
revelar tudo, sua discussão parte do conceito de supertrabalho, cunhado
por Francisco de Oliveira no início dos anos 1970. Refere‑se
ao trabalho que o autoconstructor realiza em sua moradia durante o tempo livre
do trabalho remunerado, o que faz com que este seja menos exigido para cobrir
os gastos com habitação. O supertrabalho, em vez de beneficiar o supertrabalhador,
reverteria em favor das empresas e instituições, retirando-lhes não só a
responsabilidade civil de proporcionar acesso à moradia do trabalhador‑cidadão,
mas permitindo-lhes reduzir sua remuneração ao aumentar seus lucros ou diminuir
seus custos, conforme o caso. Ao incidir em temas já tratados, como alienação e
valor de uso, sua leitura deveria ser obrigatória para aqueles que trabalham
com essas fórmulas ¾às vezes de forma ingênua¾ no norte mais
capitalista.
Evolución
y actualización de las cooperativas de vivienda en Uruguay: La propiedad
colectiva, la autogestión y la asistencia[31], de Pérez e Pelegrín,
contribui com a sempre interessante história do cooperativismo habitacional
uruguaio, que representa hoje uma das melhores demonstrações de que é possível
um capitalismo social, não predatório. É um exemplo mundial de produção coletiva
e participativa de moradia, apoiada e dirigida pela administração pública
durante décadas ¾mesmo durante a terrível ditadura de quase doze anos¾ em que os técnicos,
em vez de se dedicarem à produção em massa de unidades habitacionais
repetitivas, acompanham os cooperativistas em todo o processo de projeto e
construção ¾um modelo exemplar também na distribuição do trabalho,
que privilegia a repartição equitativa em detrimento da acumulação competitiva.
As cooperativas foram se adaptando às diferentes necessidades habitacionais e
urbanas, passando de obras novas na periferia para a reabilitação dos centros
urbanos, buscando sempre formas de ajustar o modelo às necessidades mutantes do
presente. O artigo culmina na busca de possíveis maneiras de continuar essa
adaptação às necessidades do futuro imediato.
Até Seul
vão Capdevila, López e Marcos para nos trazer de lá sua entusiasmada proposta: El
Bang coreano entre lo público y lo privado: una vivienda atomizada como
emancipación de la vivienda normativa[32].
Os bang ¾nome genérico para um espaço associado a uma função¾ são ambientes de usos
muito diversos espalhados pela cidade, que podem ser alugados temporariamente
para realizar as mais variadas atividades, do banho ao karaokê, passando pelo
jogo ou pela exibição, quem sabe com certa intimidade, de filmes. Diante da
rigidez normativa e machista do neoconfucionismo culturalmente dominante ¾e talvez
desconsiderando demais a longa influência americana na Coreia[33]¾, para nossos autores, “os bang
atuais representam uma atualização engenhosa, vital, intrépida e, em muitos
aspectos, bottom-up. Os bang diluem a fronteira entre o espaço privado e
o público, e questionam a aplicabilidade universal, assim como a especificidade
histórica, das ideias ocidentais de modernidade.” Sua aparição, como elementos
dispersos da casa fora dela ¾tanto no sentido topológico do
termo quanto no hierárquico¾ favorece “o surgimento de um
sentido de pertencimento alternativo”, que daria origem a uma “nova cartografia
da emancipação do cidadão coreano contemporâneo”. Concorde‑se a
princípio mais ou menos com o enfoque histórico e contextual de onde surgem e
no qual fazem sentido esses bang, o que nossos autores tornam
definitivamente convincente ¾e que ganha maior relevância
em nosso contexto emancipador¾ é que eles representam uma
forma inovadora capaz de questionar os conceitos espaciais estabelecidos no
Ocidente, não menos normatizado, propondo modalidades imprevistas de
emancipação capazes, ao menos, de abrir alternativas ao pensamento dominante ¾confiando, ou melhor,
vigiando novamente, que este não as instrumentalize imediatamente.
“Talvez o
pensamento que melhor resistiu a toda instrumentalização pelo capital, por ser
particularmente inassimilável aos seus propósitos, seja o feminismo dos
cuidados. Ao colocar sua atenção justamente na parte não produtiva da vida,
esse gênero específico de feminismo, voltado a todos, consolidou‑se
como vanguarda da resistência ao capital nas últimas décadas. E não é diferente
no âmbito da moradia. Embora tivéssemos gostado de contar com mais, ao menos
dispomos de uma contribuição que aborda a moradia emancipadora a partir desse
enfoque. A hombros de mujeres: transformación de un espacio inmobiliario a
un vecindario de cuidados[34],
de Garrido, Martín e Urda, relata, como bem indica seu título, a evolução de El
Naranjo, em Fuenlabrada (Madri), um dentre tantos bairros da fase de abertura
da ditadura de Franco, de uma operação imobiliária rápida e lucrativa a um
bairro onde os cuidados se tornam possíveis e a identificação de seus moradores
com seu pedaço de cidade é mais satisfatória do que o esperado. Tudo isso aos
ombros de mulheres. A solidez do argumento e sua potencial aplicabilidade a
outras circunstâncias semelhantes ¾são centenas os bairros‑dormitório
que lembram El Naranjo por toda a Espanha¾ fazem‑no
talvez um tanto rígido e obrigam a negligenciar certas qualidades
arquitetônicas específicas dos projetos originais, bem como a decidida aposta
dos governos municipais democráticos em dotar de serviços aqueles bairros que
sequer tinham ruas, simplificando talvez em demasia a análise local. No
entanto, o reconhecimento a essas mulheres que, na privacidade oculta de suas
vidas cotidianas esforçadas, vêm construindo em silêncio e sem alarde as bases
para que as cidades atuais possam se tornar ¾a batalha mal começou¾ espaços de cuidados,
mereceria provavelmente mais contribuições do que conseguimos reunir neste
número.
As duas intervenções seguintes provêm de um âmbito
mais disciplinar, mas buscam em tradições e genealogias algo esquecido, de onde
resgatar valores que não foram adequadamente valorizados e que talvez ajudem a
melhorar ou explicar de alguma forma o nosso presente. É o caso de Cellular
Domesticities: Lessons from The City in Space and Its Relevance in Barcelona’s
Contemporary Debates on Flexible and Collective Housing[35], artigo de Raül Avilla que
investiga La Ciudad en el Espacio,
o conjunto de projetos de moradia que tornou relevante o Taller de
Arquitectura dirigido por Ricardo Bofill, antes de este se entregar às
retóricas formais pós‑modernistas de Abraxas, que marcariam o resto
de sua carreira. Em continuidade com os temas do artigo anterior, Avilla
destaca a relevância de Anna Bofill, irmã de Ricardo, cuja tese (1975)
analisava e estruturava as ordenações das células habitáveis que compunham
esses conjuntos, cujas formas de agrupamento permitiam espaços e possibilidades
inéditos. A pesquisa de La Ciudad en el
Espacio coincide sensivelmente com o período de ingresso de Anna no Taller,
o qual ela abandonaria abruptamente após sua saída do escritório.
Revelando
uma preocupação social utópica e muito inovadora em relação à habitação social,
essas obras do Taller de Arquitectura ¾já então um grupo
multidisciplinar¾ atraíram o apoio de numerosos artistas e pensadores
vinculados aos movimentos políticos de 1968 na Espanha, dos quais acabaram ¾particularmente o
Walden 7¾ por se tornar emblemas. Se a transformação dos
revolucionários do movimento de 1968 ¾não apenas na Espanha¾ em líderes
neoliberais é talvez o exemplo de assimilação mais recorrente e admitido da
história recente, a passagem do Taller de Arquitectura da pesquisa e
experimentalidade militante de La Ciudad
en el Espacio ao pós‑modernismo formalista e
retórico de Abraxas e projetos subsequentes o é, talvez, no âmbito da
arquitetura.
E, no
entanto, os projetos permanecem, e, mesmo não deixando heranças diretas nem no
próprio taller nem em outros potenciais seguidores, parecem retomar hoje uma
nova vigência. Avilla parece vislumbrar, na forma de priorizar a célula em
relação ao conjunto ¾ainda que em uma versão bidimensional, aplainada da ideia¾ algum resgate das
propostas do Taller nas formas emergentes de projetar moradia dos
estúdios de arquitetura mais pujantes na atual cena espanhola. Isso põe em
relação o artigo escrito por Avilla com seu artigo visual, uma experiência de research
by design em que ele estuda possíveis formas de agregação de células, a
partir das reflexões de Robin Evans sobre os atritos nos espaços de habitação
([1978] 2005). Confirmando em parte a proposta de Avilla, podemos ver como
Marta Peris ¾talvez a mais conhecida dessas potenciais herdeiras¾ usa a mesma
referência de Evans para explicar as células e suas agregações em seus projetos
de moradia (Peris, em Fundación Arquia e Fernández Galiano 2025), embora não
faça referência expressa ao Taller de Bofill. Em todo caso, a dupla tarefa de
Avilla é tão elucidativa em exemplos e intenções resgatáveis quanto
esclarecedora das novas tendências do presente.
Unidad A y Unidad B en Berlin Masque. Viviendas para una
transformación cultural[36],
de
Carlos Barberá, também nos conduz por caminhos hoje um tanto ofuscados
da história da arquitetura recente. No seu caso, o arquiteto a resgatar é John
Hejduk, cuja obra Barberá domina com reconhecida expertise. Essas unidades, e
outros projetos correlatos, ofereceriam, segundo o autor, uma possibilidade
artística de tornar visíveis as desigualdades sociais na cidade. Destinadas a
ser habitadas por pessoas em situação de rua, e concebidas como elementos
livremente móveis pela cidade, com capacidade de interagir com o espaço
público, essas intervenções de pequena escala permitiriam não apenas a
integração, mas também a visibilização e a participação no espaço coletivo das
pessoas menos favorecidas pela sociedade, conferindo‑lhes
simultaneamente um conjunto de direitos de outra forma difíceis de obter.
Talvez,
como no caso coreano, e apesar da minuciosa pesquisa de Barberá e das
evidências associadas a projetos semelhantes, alguém possa questionar as
hipóteses do autor quanto a esses projetos em particular. No entanto, mais
relevante ¾da nossa perspectiva emancipadora¾ é a potencialidade
emancipadora da proposta e das reflexões que ela suscita, mais do que sua
precisa atribuição autoral como intenções originais de Hejduk. A
intencionalidade primeira do autor torna‑se irrelevante diante
da capacidade criadora ou sugerente de sua obra.
A segunda
intervenção de Pelegrín e Pérez ¾mesmos autores do artigo sobre
cooperativas uruguaias, que aqui alteram a ordem de autoria¾, Investigación y
práctica en los márgenes de la regulación normativa de las siedlungen de la
postguerra de la región del Rin-Meno[37],
combina uma primeira parte de análise com uma segunda de proposta. Convencidos
de que “não é o projeto nem o espaço da moradia que por si só se tornam
emancipadores, mas sim os processos com que são gestados, ocupados e
utilizados”, a primeira parte é um estudo muito sério e atento às complexidades
multidisciplinares dos mecanismos de produção, aceitação e redesenho das siedlungen
alemãs do pós‑guerra até hoje. O
conhecimento aprofundado desse patrimônio herdado deveria ser útil para
resolver seus problemas de obsolescência, num desafio que se repete, com
diferentes matizes, em ao menos toda a Europa herdeira do Movimento Moderno[38]. Não se limitando à análise e passando à ação, a segunda
parte do artigo propõe, para a intervenção num conjunto específico dessas siedlungen,
“um processo de projeto que pudesse ser intuído como emancipador: um conjunto
de ferramentas espaciais simples que, à medida que são implementadas,
transcendem o ambiente doméstico e ambiental, e convocam os moradores a
reconfigurar em comum o espaço da moradia”. Talvez essa segunda parte ainda
necessite de maior desenvolvimento e espaço expositivo para equiparar a profundidade
e complexidade da análise prévia. Não obstante, o compromisso de estar
coerentemente em ambos os lados do problema ¾análise e proposta¾ é surpreendentemente
raro nessas pesquisas, e seu valor deve ser exaltado sem hesitações.
Mais comum
é o enfoque dos dois artigos seguintes da edição, que reúnem projetos e
realizações recentes em uma narrativa que os estrutura como tendência atual ou
emergência do presente. Mais moradia, menos arquitetura: cinco paradoxos do
habitat contemporâneo como estratégia frugal de emancipação, de Francisco
Muñoz, nos oferece “Más vivienda con menos arquitectura. Sin aditivos. Una estrategia participativa que
redefine la relación entre el habitante y el espacio que ocupa, impulsando un
modelo de vivienda, frugal, sostenible y por lo tanto,
emancipadora”[39]. Em seu artigo, ele revisita algumas estratégias recentes
que lidam com poucos recursos para continuar oferecendo maior flexibilidade de
usos tanto no espaço quanto no tempo e outras vantagens obtidas por meio da
redução do determinismo arquitetônico. A maior parte delas é amplamente
reconhecida e valorizada, ensinada como estratégias projetuais nas escolas de
arquitetura mais atentas e evoluídas. No entanto, o enfoque baseia-se na
assunção incontestada de condições de austeridade cujas causas permanecem fora
de cena, e os epígrafes repetem a estrutura do inevitável oxímoro miesiano
“menos é mais”: menos x, mais y. Pode-se imaginar um incorporador
imobiliário ou um político experiente tentando obter proveito econômico de cada
um desses menos. Após a proposta, esmagadoramente conclusiva, de Druot,
Lacaton e Vassal, com seu Plus (2013), não poderíamos simplesmente falar
em mais?
Numa linha
de compilação semelhante, De herramienta productiva a máquina de habitar.
Estrategias para la reconversión del patrimonio industrial en desuso en
vivienda pública[40],
de Gual e García, abre uma nova via de exploração: as possibilidades do
patrimônio industrial abandonado para acolher propostas de habitação social
emancipadora. Por meio da compilação estruturada de uma série de projetos
ilustrativos ou boas práticas, eles elaboram um conjunto de estratégias de
intervenção: prolongar a rua, fracionar o espaço, articular os vazios, liberar
a planta e gerar centralidades, sistematizando, de certo modo, formas de
intervir no patrimônio industrial de nossas cidades como janelas de
oportunidade.
As duas
últimas intervenções concentram‑se nas histórias da habitação
social em duas cidades espanholas, Barcelona e Granada. Em La vivienda en
Barcelona: una problemática estructural de larga duración[41], Maribel
Rosselló e Manel Guàrdia, conscientes de que “a atualidade e as urgências do
problema da habitação ocultam frequentemente seu caráter estrutural”, propõem
“um olhar de longa duração […] para entender melhor até que ponto o passado
pesa sobre o presente e, consequentemente, sobre as opções de futuro”. Seu
análise da história da habitação social em Barcelona, específico e detalhado,
poderia ser transferido, apesar disso, a muitas outras cidades espanholas que
seguem uma mesma trajetória, sobretudo sob uma ditadura centralista e
homogeneizadora como a franquista. E, ainda assim, baseando‑se
em estudos prévios de sua própria equipe de pesquisa, apontam algumas paradoxos
de grande interesse, não tão contrastados em outras cidades. Os primeiros
movimentos reivindicativos em torno da habitação, surgidos na decadência da
ditadura, emergem em Barcelona em zonas operárias, mas onde a maioria das
habitações era de propriedade. “De modo que o acesso à propriedade, ao
contrário do esperado, não domesticou a população dos bairros periféricos que
foram sendo criados na segunda metade do franquismo”[42], mas, antes, ocorreu o contrário: “a
estabilidade habitacional e o enraizamento no bairro foram o fermento da
progressiva ação reivindicativa e do surgimento de uma força política
inesperada e com um sólido capital social”. Isso confirma a força irrefutável
da capacidade emancipadora da habitação. Mesmo uma habitação com grande número
de deficiências constitui uma base a partir da qual o morador pode se tornar
cidadão e, encontrando um tecido social ao qual pertencer, articular sua
própria voz na consolidação dos tímidos direitos que ela lhe proporciona. A
conclusão esperada do artigo é que as heranças e inércias históricas do
franquismo colocam a Espanha em uma situação bem diferente do resto da Europa,
o que requer “ações decididas e sustentadas no longo prazo, sabendo que os
efeitos não serão nem imediatos nem completamente previsíveis”.
Em La regeneración de la vivienda social como
alternativa al problema actual de la vivienda. La Zona Norte de Granada
como caso de estudio[43], Rafael de Lacour concorda com seus predecessores ao afirmar que “a
situação possui uma inércia difícil de vencer e as soluções não são imediatas”.
Sua análise histórica é conciliadora ao generalizar as motivações do
crescimento urbano de Granada em torno de emergências demográficas na relação
cidade-vega, organizadas numa lógica de centro e
periferia, sem abordar outros conflitos sociais ou especulativos possíveis.
Mais ousado que seus homólogos catalães, de Lacour
avalia algumas propostas sem se decidir por elas ¾maior oferta de
solo, maior facilidade de sua gestão, facilitação de crédito aos jovens[44]. Sua proposta final inclina-se para a recuperação do
patrimônio edificado, particularmente o mais obsoleto, “por estar afastado da
especulação imobiliária, precisamente por seu estado de deterioração”; por meio
da reabilitação orientada espacialmente a jovens “prioritariamente pertencentes
a gerações que nasceram e cresceram nesses locais, com os quais fortalecer a
noção de arraigamento, necessária para articular a convivência socioespacial”.
Essa intervenção deve estar ciente de que “trata-se de um processo integral de
revitalização urbana e social”, e não apenas arquitetônico. “Ao reorientar
essas intervenções para uma perspectiva emancipadora, a habitação deixa de ser
um objeto de especulação para tornar‑se um instrumento de
autonomia, identidade e coesão comunitária”.
Se, no caso de Barcelona,
sente‑se falta de uma aposta por soluções concretas, no caso de
Granada ¾mais ousado¾ elas não se mostram
totalmente convincentes. Já são muitos os exemplos que demonstram que, há anos,
a especulação incide nos bairros mais desfavorecidos com quase a mesma
intensidade que nos mais rentáveis[45]. Por outro lado, o
Decreto que regula a demanda de habitação pública da Junta de Andaluzia[46] estabelece, com bom critério, que a
demanda por habitação na Andaluzia deve obedecer aos Registros Municipais de
Demandantes, em condições de igualdade, o que limita a orientação de soluções a
faixas etárias, que não estão entre as exceções muito restritas à regra.
As soluções são, de fato,
difíceis e devem ser testadas cuidadosamente com toda a experiência prévia e em
todos os âmbitos. O que parece correto em um determinado campo disciplinar ou
escala pode falhar em outro, e a ameaça de assimilação é constante. Contudo,
somente mantendo o olhar num objetivo como a emancipação ¾que, sendo ambicioso,
rejeita toda pretensão de totalidade e assume sua contingência¾; e somente mantendo o
leque de escalas e enfoques permanentemente aberto e em teste, é possível
vislumbrar soluções com a complexidade necessária para contrapôr‑se
às enormes inércias mercantilistas. Aqui há um bom conjunto delas: algumas
válidas por si mesmas, outras que poderiam ser coordenadas para elevar‑se a
um nível superior.
A definição do objetivo
adequado deve arrancar a vontade política. As soluções complexas devem
alcançar, ou ao menos nos aproximar o máximo possível, do objetivo desejado e
necessário.
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[1] Esta
pesquisa faz parte do projeto “A questão da moradia: tensões de mercado,
desigualdades socioespaciais e vulnerabilidade residencial nas cidades do sul
da Espanha” (PID2023-151195OA-I00), financiado pelo
MICIU/AEI/10.13039/501100011033 e pelo FEDER/EU, e teve sua origem no Projeto
de Pesquisa: B1-2021_19: “Habitação Emancipatória. Por uma moradia europeia
mais democrática e socialmente sustentável até o horizonte de 2030”. II Plano
Próprio de Pesquisa, Transferência e Difusão Científica da Universidade de
Málaga.
[2] Esse período
coincide significativamente com implementação do projeto que financia essa
questão, que se mostrou particularmente oportuno.
[3] Por meio de
uma pesquisa com as palavras "problema vivienda" (problema
habitacional) seguidas da sigla de cada partido e, em seguida,
buscando o primeiro resultado relevante em nível nacional, essas referências
são selecionadas como uma primeira aproximação
das diferentes abordagens e tendências de cada partido.
[4] Não é a primeira vez
que nos deparamos com
essa forma distorcida de imobilismo que favorece
o status quo capitalista diante
de suas tentativas de regulação (Minguet Medina 2022).
[5] É impossível atribuir a autoria diretamente a ele, mas é difícil imaginar que seja totalmente alheia.
[6] Durante a redação deste editorial, foi divulgado o
prestigiadíssimo concurso World Press Photo de 2025, vencido por uma
imagem que deve ser lembrada ao ler estes parágrafos que, apressadamente,
narram uma tragédia e uma crueldade extremas à plena luz do dia — que este
texto insiste em não ignorar. A imagem mostra um menino palestino de nove anos com
os dois braços amputados muito perto dos ombros, em decorrência de um ataque
israelense em março de 2024. https://www.worldpressphoto.org/collection/photo-contest/2025/Samar-Abu-Elouf-POY/1
[7] Ele continua: "A pretensão de o planejamento
facilitar a melhoria social e econômica de um “público” abstrato há muito foi
ignorada, e o desenvolvimento físico se manifesta agora em grande parte como o
braço executor de uma agenda geopolítica estratégica ou impulsionada pelo
mercado" (2004, 61).
[8] Eles não são, de acordo com o próprio autor, e como se poderia pensar inicialmente, mendigos ou pessoas em situação de exclusão social, excepcionais ou minorias, mas trabalhadores que, para exercer seus ofícios, precisam viver relativamente perto dos espaços urbanos
mais centrais e caros e que, na época da publicação, eram mais de 200.000.
[9] Hong Kong é uma Região Administrativa Especial da República da China e, portanto, embora tenha maior grau de liberdade do que a China continental, não pode ser considerada uma democracia. No entanto, é uma área de mercado livre capitalista, e é lá, em vez de no
continente mais intervencionado, que esses casos ocorrem (ou de onde eles se
tornam conhecidos para nós).
[10] Cerca de 20%, sobre investimentos entre € 43.000 e €
48.000, uma suposta barganha que visa aumentar a democratização do investimento
para investidores cada vez menores (e desprotegidos). Mais sobre isso adiante.
[11] Seria interessante, do ponto de vista jurídico,
analisar as fórmulas de multipropriedade nas quais se baseiam esses
investimentos, bem como a segurança e as garantias os mesmos oferecem.
[12] Nada suspeito de qualquer rebeldia contra o mercado
imobiliário, no qual vive e do qual se alimenta.
[13] O filme é posterior ao artigo que mencionamos.
[14] Para leitores pouco familiarizados com a política
local espanhola: Ada Colau foi prefeita de Barcelona entre 2015 e 2023. Vinda
do associativismo em defesa da moradia, sua gestão se caracterizou por levar
essa preocupação à instituição, impulsionando numerosas iniciativas inovadoras
e também polêmicas por se afastarem dos interesses do mercado. No extremo
oposto, José Luis Martínez‑Almeida, prefeito conservador de Madrid desde 2019,
era até então conhecido por sua inação, em termos regulatórios, diante do complexo
mercado de moradia da capital espanhola.
[15] Pedimos desculpas aos leitores muito versados em
temas de moradia pela talvez excessiva simplicidade dos parágrafos seguintes,
mas nos parece adequado lançar, ainda que brevemente, um foco sobre a
complexidade da problemática combinada que enfrentamos atualmente, para
entender melhor a adequação conceitual de A moradia emancipadora.
[16] “Para compreender corretamente a crise da moradia em
que estamos imersos atualmente, é necessário entender a sua mercantilização. E,
para alcançar avanços reais nos problemas da moradia, será preciso desenvolver
alternativas concretas a essa mercantilização” (Madden e Marcuse 2018, 73).
[17] O enfoque bem mais radical de aspirar a uma
sociedade sem propriedade excede por completo as já muito ambiciosas aspirações
deste número.
[18] Essas condições, seguramente compartilhadas em
muitos outros países, são, na Espanha, parte de uma cultura profundamente
enraizada, imprimida a ferro pela Espanha dos proprietários que, formulada pelo
primeiro ministro da Habitação do regime, José Luis Arrese (1959), foi aplicada
com insistência pelo franquismo.
[19] Enfatizamos esse termo para manifestar nosso
desacordo com ele, pois nada tem a ver com democracia, mas sim com uma mera
redução de preços e de qualidade, buscando, de forma muito pouco sustentável, a
expansão do negócio.
[20] E frequentemente com sistemas de saúde e de
segurança muito piores, que por vezes causam sustos aos jovens aventureiros do
precariado internacional.
[21] Outras alternativas aos fundos de investimento para
pequenos investidores seriam os investimentos em multipropriedade, como os que
vimos em cabines ou quartos que são oferecidos à venda tanto como investimento
quanto — particularmente estes últimos — para moradores dos próprios espaços
(Martín 2023). Essa “enxugamento” do mercado de propriedade e investimento
imobiliário não é apenas legalmente discutível, mas provavelmente conduz a uma
complicação ainda maior dos problemas já existentes. Veja https://habitacion.com/
(segundo o site, a empresa está “certificada como empresa emergente pelo
Ministério da Indústria, Comércio e Turismo”).
[22] A clássica discussão terminológica e legalista sobre
se é ou não um direito fundamental tem sido usada como digressão para
simplesmente não atendê‑lo. Será que não é fundamental um direito sobre o qual
outros se fundamentam, ou sem o qual outros não são possíveis?
[23] Sempre por meio de um grande número de perdedores,
investidores que fracassam e se arruinam, por vezes de forma dramática, e que
não fazem parte de nenhuma das narrativas de sucesso do capital.
[24] Retomando aqui a citação de Marina Garcés que
Pelegrín e Pérez nos presenteiam neste número: “Emancipação é aprender a viver
juntos, sendo, porém, condição poder pensar esta vida cada um por si mesmo”
(Garcés 2021, 28).
[25] Sejam realistas, peçam o impossível.
[26] Eu as chamaria de “utopias secularizadas”, na medida
em que atribuem toda a responsabilidade pelo progresso aos desejos de justiça
[…] O seguidor da utopia secularizada […] vislumbra as utopias vindouras
brotando do acúmulo de propostas ambiciosas e concretas, sem descartar o
surgimento de descontinuidades, saltos ou involuções ao longo do processo. […]
trata-se de um sonho factível, compatível com sonhos mais radicais (Martorell
Campos 2020, 26-27).
[27] Vale a pena alertar que, possivelmente, são também
aquelas que, por serem mais diferentes e novas, são mais apetitosas para serem revertidas e instrumentalizadas pelo próprio capitalismo, a seu favor. É importante estarmos atentos a isso, e nunca é demais repetir.
[28] Realismo distópico. Ou como a
produção cinematográfica convida à aceitação do presente.
[29] O arquiteto curioso.
[30] Emancipação e arquitetura a partir da
moradia operária. Apontamentos genealógicos do conceito de habitar na
arquitetura.
[31] Evolução e atualização das
cooperativas de moradia no Uruguai: A propriedade coletiva, a autogestão e o
apoio.
[32] O Bang coreano entre o público e o
privado: uma moradia atomizada como emancipação da moradia normativa.
[33] A discussão apareceu nas revisões, que os autores gerenciaram com determinação e ousadia.
[34] Aos ombros de mulheres: transformação
de um espaço imobiliário em um bairro de cuidados.
[35] Domesticidades celulares: Lições de A Cidade no
Espaço e sua relevância nos debates contemporâneos sobre habitação coletiva e
flexível em Barcelona
[36] Unidad A e Unidad B em Berlin Masque.
Moradias para uma transformação cultural.
[37] Investigação e prática nas margens da
regulação normativa das siedlungen do pós‑guerra na região Reno‑Meno.
[38] A qualidade desse patrimônio, muitas vezes incompreendido, varia muito em diferentes países, mas no caso escolhido, sob influência
recorrente de Ernst May, estaríamos nos referindo quase ao seu cânone.
[39] Mais moradia com menos arquitetura.
Sem aditivos. Uma estratégia participativa que redefine a relação entre o
morador e o espaço que ocupa, impulsionando um modelo de habitação frugal,
sustentável e, portanto, emancipador.
[40] De ferramenta produtiva a máquina de
habitar. Estratégias para a reconversão do patrimônio industrial em desuso em
habitação pública.
[41] A habitação em Barcelona: uma
problemática estrutural de longa duração.
[42] Alargamos a citação até este esclarecimento final,
claramente intencional em sua divisão em dois períodos do franquismo, sem o
qual não há compreensão correta do mesmo.
[43] A regeneração da habitação social
como alternativa ao problema atual da habitação. A Zona Norte de Granada como
estudo de caso.
[44] Alguns dos principais ingredientes da crise
anterior.
[45] Em outro lugar tratamos até de casos em que um
deterioro negligente ou intencional pode ser usado como preparação para uma
onda especulativa ainda mais irresistível e rentável” (Minguet Medina 2022; ver
também Benach 2021). Em matéria específica de reabilitação integral, é
particularmente claro o caso de Park Hill, em Sheffield, onde moradias
simbólicas da marginalidade urbana se converteram, por meio de reabilitação, em
um bairro trendy.
[46] Decreto 1/2012, de 10 de janeiro, que aprova o
Regulamento Regulador dos Registros Públicos Municipais de Demandantes de
Habitação Protegida e altera o Regulamento de Habitações Protegidas da
Comunidade Autónoma da Andaluzia.