ISSN: 2255-5129

© 2024. E. Universidad de Sevilla. CC BY-NC-SA 4.0

Nº 23 | Segundo Semestre 2024

O jornalismo de Nueva Granada nasce em meio a um terremoto

Nueva Granada journalism is born in between an earthquake

Antonio Hohlfeldt

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

a_hohlfeldt@yahoo.com.br 0000-0001-5284-8730

Eduardo Comerlato

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

educomerlato@hotmail.com 0000-0002-5337-1281

Recibido: 11-7-2024 | Aceptado: 8-10-2024

Resumo Desde a primeira prensa tipográfica, aparentemente disponibilizada entre 1737 e 1738, até o ano de 1810, quando surge o primeiro jornal manifestamente revolucionário e independentista, obra de Antonio Nariño, a história do jornalismo da Colômbia, então Vice-reino da Nova Granada, é bastante movimentada e segue as características das demais imprensas de outros vice-reinos, como Nueva España e Perú, e das capitanias-gerais de Guatemala e Cuba. Estas publicações, ao mesmo tempo em que divulgam um nascente pensamento regional e identitário, auxiliam na formação de um sentimento nativista que colaborará, mais tarde, na eclosão dos movimentos independentistas. Neste artigo, propomos uma síntese histórica para refletir sobre as origens do jornalismo do Vice-reino de Nova Granada, comparando as características comunicacionais de seus veículos com aqueles encontrados em outras colônias ibéricas, para então se pensar em possíveis conexões nas origens do jornalismo latino-americano.

Palabras-chave História conectada da imprensa latino-americana; história do jornalismo; Nueva España; Colômbia; América Latina.

Abstract From the first printing press, apparently made available between 1737 and 1738, until the year 1810, when the first manifestly revolutionary and independentist newspaper appears, the work of Antonio Nariño, the history of journalism in Colombia, then Viceroyalty of New Granada, is quite busy and follows the characteristics of other presses in other viceroyalties, such as Nueva España and Perú, and the captaincies-general of Guatemala and Cuba. These publications, at the same time as they disseminate a nascent regional and identity thought, help in the formation of a nativist feeling that will later contribute to the emergence of independence movements. In this article, we carry out a historical synthesis to reflect on the origins of journalism in the Viceroyalty of New Granada, comparing the communicational characteristics of its vehicles with those found in other Iberian colonies, to think about possible connections in the origins of latin-american journalism.

Keywords connected history of the Latin American press; history of journalism; Nueva España; Colombia; Latin America.

Como citar este artículo:

Hohlfeldt, A. y Comerlato, E. (2024): “O jornalismo de Nueva Granada nasce em meio a um terremoto”, en Revista Internacional de Historia de la Comunicación, (23), pp. 143-161. https://dx.doi.org/10.12795/RIHC.2024.i23.09

1. Introdução e metodologia

Não é difícil encontrarmos artigos e mesmo obras mais alentadas que contenham a história do jornalismo em cada um dos países que hoje constituem a América Latina. Mas raramente são obras que narram, de maneira conectada, esta história, em termos continentais, apresentando uma história, temporal e espacialmente articulada, do jornalismo na América Latina, aí incluído o Brasil, de maneira que se possa perceber que esta história constitui um processo específico, mas paralelo à história do jornalismo ocidental. Esta narrativa, por sua vez, pode e deve ser pensada em diferentes etapas que, organicamente, se desenvolvem em relação à historiografia do jornalismo de suas metrópoles de origem, no caso Portugal e Espanha que, embora apresentem características diferenciadas entre si, podem e devem também ser pensadas de maneira a evidenciar que tais processos não são casuais, mas respondem a contextos bem objetivos.

Este artigo aborda a gênese do jornalismo do vice-reino de Nueva Granada que reúne, hoje, entre outras nações, a Colômbia, o Equador, o Panamá e a Venezuela. Mais que isso, reorganiza uma pequena narrativa sobre a gênese daquele jornalismo de maneira crítica e articulada com as histórias do jornalismo dos demais antigos vice-reinos espanhóis, tanto quanto com a então colônia lusitana, que é o Brasil. Não se trata de apenas levantar títulos de publicações e seus períodos de circulação, mas de aproximação destes dados em relação ao contexto em que ocorrem.

A metodologia utilizada para este estudo é fundamentalmente a pesquisa bibliográfica, a partir de hemerotecas nacionais e de livros e artigos publicados em editoras nacionais destes países, em endereços digitais ou divulgados em antologias ou congressos especializados. Os dados coletados são aproximados e cotejados uns com os outros, a fim de avaliarmos se suas relações são capazes de constituir uma narrativa lógica e coerente, permitindo um estudo de viés comparativo.

À vista disso, este artigo integra a primeira etapa de uma larga pesquisa, vinculada à gênese do jornalismo latino-americano, que identificou o gênero da gazeta como a forma preferencial adotada por tais publicações pioneiras. O estudo, em termos gerais, não se propõe a ser extensivo e detalhista em relação a cada um dos Estados hoje constituídos no continente, a partir dos antigos vice-reinos existentes entre os séculos XVIII e XIX, ou do Reino Unido do Brasil, com Portugal e o Algarve. Busca-se seguir o desdobramento cronológico quanto ao surgimento dos primeiros títulos que circularam, tratando de identificar o processo de publicação e circulação, os apoios eventuais e as pressões evidentes por parte do poder político. Em todos os casos, fica evidente que o surgimento da imprensa é apenas uma iniciativa, dentre outras, que as autoridades espanholas ou os criollos destas nações desenvolvem sob a inspiração do Iluminismo, que marca a coroa espanhola até as invasões napoleônicas da Península Ibérica (1807 e 1808).

Este processo acaba provocando desdobramentos que levarão a uma crescente conscientização da identidade americana, que corre paralela à reivindicação liberal que acontecerá nas metrópoles, à medida em que o invasor francês se retira, de modo que, na Espanha, redundará na constituição das Côrtes de Cádiz (1810-1814) e, em Portugal, na Revolta do Porto (1820), com resultados semelhantes, o processo de independentização das antigas colônias.

O período coberto por esta primeira etapa de estudos vai de 1722, quando começa a circular o primeiro jornal do continente, a Gazeta do México, e segue até 1810, quando a Gazeta de Buenos Aires, por seu lado, vê a luz do dia em Buenos Aires, passando pelos jornais Gazeta do Rio de Janeiro e Correio Braziliense, no caso do Brasil. O artigo aqui apresentado é o último de uma série organizada que busca resgatar esta narrativa abrangente e ampla, mas que se preocupa em compreendê-la como um único processo, não apenas a gênese destas imprensas, quanto sua importância e interferência nos mais diferentes acontecimentos históricos, dentre os quais, os movimentos independentistas.

2. Resultados

Enrique Rios Vicente afirma que, “na cidade de Santa Fé de Bogotá, a impressão já funcionava regularmente há cinquenta anos antes do aparecimento das primeiras gazetas em 1785” – o que nos levaria a uma data em torno de 1735 (in Quintero, 1994: 518). No entanto, o autor não apresenta qualquer documento ou comprovação, de sorte que justifica, muitos anos depois, a crítica observação de José Toribio Medina (1958: 236) de que “os historiadores colombianos andam em desacordo acerca da data em que se introduziu a prensa no antigo vice-reino de Nueva Granada”, acrescentando: “alguns assinalam o ano de 1738, mas o fato é que ninguém viu, até agora, algum impresso anterior a 1739” (Medina, 1958: 236).

Toribio Medina (1958), não obstante, aceita que teria havido um impressor, de quem se guardam escassos registros, que nos permitem identificá-lo e que, originalmente estabelecido em Cartagena de Indias, foi-lhe ordenado, pelo vice-rei Manuel Antonio Flores, que se transladasse à cidade de Santa Fé de Bogotá, com a sua prensa, no ano de 1776. Os primeiros impressos que surgem em Santa Fé, entre aquele ano e 1778, não se encontram assinados, mas em 1782 aparece o nome de don Antonio Espinosa de los Monteros, possibilitando ao pesquisador segura conclusão, “de modo que não restam dúvidas, este era o impressor que vivia em Cartagena em 1776” (Medina, 1958: 482); ou seja, ele seria não só o primeiro impressor de Cartagena de Indias, quanto do próprio vice-reino de Nova Granada, hoje Colômbia.

Toribio Medina (1958: 482) entende que seu equipamento era extremamente pobre, já que a prensa era “gasta e defeituosa” e que, por isso mesmo, não serviria para imprimir mais do que “contas, guias de embarque e outras peças desta índole” (Medina, 1958: 482). Um novo equipamento teria sido, então, encomendado pelo Consulado da cidade, cuidando do pagamento o tesoureiro Don Manuel de Pombo. Deveria ser um equipamento completo que, efetivamente, teria chegado em julho de 1800, com “quarenta e nove arrobas de letras de cinco secções, um grande prelo, outro para fazer livros e cortar papel, duas mesas de mármore, e os respectivos compositores, galeras, tintas, e outros instrumentos e utensílios de arte” (Medina, 1958: 483).

Entretanto, em outro capítulo daquele mesmo volume, José Toribio Medina (1958), sempre detalhista e cheio de informações precisas e ilações que lembram o trabalho de um detetive particular, decide-se pela lição de José Maria Vergara, que afirma[1]:

La introducción de la imprenta se debe a los jesuítas (...) esta Orden que había abierto y sostenido un colégio en Santa Fé, y que a mediados del siglo XVIII, en que fué expulsada, tenía vários [colégios] en distintos puntos del reino, trajo a las selvas de la colónia tipos y libros, formando ricas bibliotecas. La introducción de la imprenta entre nosotros había sido colocada por nuestros historiadores en 1789: el mismo Plaza, tan laborioso investigador, no tenía conocimiento de otro impreso más antiguo que el de la inscripción comemorativa de la erección del templo de las Capuchinas, em 1783; después se descubrió una providencia del visitador Piñeres, impresa en Bogotá, en 1770: la publicación de la Vida de la Madre Castillo reveló que la imprenta existía en Santa Fé en 1746, y ultimamente descubrimos una hoja que tiene al pie la siguiente dirección: ‘ En Santa Fé de Bogotá, en la imprenta de la Compañia de Jesús. Año 1740” (Medina, 1958: 240-241).

A conclusão do autor, então, acaba ratificando as referências iniciais: “assim, podemos fixar a época de introdução da prensa tipográfica em Nueva Granada, em 1738, pelo menos” (1958: 240). Naquela impressora teriam se editado principalmente materiais religiosos e eclesiásticos, como novenas, orações e jaculatórias, além de catecismos.

De seu lado, Antonio Cacua Prada (1968), que nasce exatamente dois anos depois da morte de Medina, dispõe de dados mais comprovados e, por isso, em sua História del periodismo colombiano (1968), já se mostra bastante seguro em historiar detalhadamente a chegada da primeira prensa ao vice-reino de Nova Granada, de cujo texto extraímos algumas passagens:

A mediados del año de 1737, por la vía de Cartagena, llegan procedentes de España, três cajones de letra de imprenta, dirigida al Colegio Maximo de Santa Fé, fundado por el Arzobispo Fray Bartolomé (...). El Procurador General de la Provincia Jesuítica, Padre Antonio Naya S.J. solicita a la Real Audiencia, mediante un memorial escrito de su puño y letra, en papel sellado de España de los años 1731, 32, 33 y 34, y con sello del Nuevo Reino de 1737-39, permisso de funcionamento, el que le es outorgado con fecha de 10 de diciembre de 1737. Así inicia operaciones la primera imprensa de estos reinos (Prada, 1968: 39-40).

Segundo o historiador, o encarregado da oficina era um jovem de apenas 22 anos de idade, chamado Hermano Francisco de la Peña, originário de Madri, jesuíta ordenado em 23 de janeiro de 1716. Daquela primeira imprensa, sairão novenas, pliegos sueltos, catecismos “e outros materiais de práticas religiosas, que constituem, para nossos dias, os incunábulos bogotanos” (Prada, 1968: 40). O pesquisador também localiza e transcreve os documentos que autorizam a impressão de livros, a partir de 10 de dezembro de 1737, indicando que a primeira publicação que se conhece daquela imprensa é o Septenário Doloroso de María Santísima, sacado a la luz por el doctor Juan de Ricaurte y Terreros, Juez, Cura y Vicário Eclesiástico de la ciudad de Vélez en el Nuevo Reyno de Granada, publicado no ano de 1738. Trata-se de um volume de 36 páginas, com dimensões de 14,5 por 9,5 centímetros. Esta oficina encontrava-se em “um cômodo da casa ao lado do Colegio San Bartolomé, onde funcionava a Universidad de San Francisco Xavier” (Prada, 1968: 10).

Contudo, um novo personagem entra em cena e começa a se tornar protagonista. Trata-se de D. Antonio Espinosa de los Monteros, cuja oficina de impressão aparece devidamente identificada a partir de 1774, com sede em Cartagena. Esta reaparição de uma casa de impressão é importante porque, como os religiosos eram os únicos que, até então, haviam sido proprietários de imprensas, sua expulsão, por ordem do governo metropolitano, havia silenciado tais iniciativas[2].

A família Espinosa de los Monteros constituirá uma dinastia de impressores. Não se sabe quando o primeiro chegou a Cartagena, mas o historiador conjectura ser por volta de 1767, mesmo ano da expulsão dos jesuítas das colônias espanholas. A primeira publicação que se faz na imprensa de Espinosa de los Monteros é de 1774, o Octavario que a la Inmaculada Concepción de la Virgen María Nuestra Señora consagra el D.D. Francisco Antón Vélez Ladrón de Guevara, em vinte páginas, no formato in-octavo.

Um outro autor indica que o vice-rei Antonio Flórez, em 1777, ordenou que se adquirisse uma nova máquina impressora para Santafé e que ela fosse manejada por Antonio Espinosa de los Monteros, que já era conhecido por sua oficina de Cartagena, desde 1774. Dificuldades econômicas impediram a aquisição desta imprensa e Espinosa de los Monteros acabou montando sua oficina com equipamento expropriado aos jesuítas. Nascia, assim, a Imprensa Real (Archivo de Bogotá, 2018: 1).

No dia 12 de junho de 1785, a cidade de Santa Fé de Bogotá sofreu um violentíssimo abalo sísmico, que foi transformado em um minucioso relato, distribuído em três diferentes pliegos sueltos, sob o título geral de Aviso del Terremoto sucedido en la Ciudad de Santa Fé de Bogotá el dia 12 de Julio del año de 1785. Dos três folhetos que se sucederam, sobrevivem diferentes exemplares devidamente guardados em bibliotecas, cujas cópias estão digitalizadas, de modo que todos podem ser consultados e lidos[3].

Segundo Prada (1968: 107), os três exemplares possuem as dimensões de 20,5 por 14,5 centímetros. Ao final da quarta página da primeira folha, é indicada, com clareza, sua origem: “Con licencia del Superior Govierno: en la Imprenta Real de Don Antonio Espinosa de los Monteros”. O texto apresenta, em suas primeiras linhas, todas aquelas informações fundamentais que, ao final do século XIX, os norte-americanos elegeriam como os elementos fundamentais de um relato noticioso e que, contemporaneamente, devem estar reunidos no primeiro parágrafo da notícia ou reportagem, o lead:

Este dia se vió esta Capital en la mayor consternacion, dimanada del espantoso Terremoto, que experimento como á las siete y tres quartos de la mañana, perciviendose el terrible movimiento del Sur al Norte en los primeros balbenes, quedando tan fuerte el movimiento de trepidacion vertical, que parecia deshacerse los Edificios (...). Passado el primer continuo movimiento, se sintió outro menor como á las dies y media del dia, que casi no hizo nueva impresion en las gentes (...) como en los que imediatamente han sufrido los daños padecidos, que à juicio prudencial se regulan de 600 mil pesos, havendo toda la mayor parte de estas desgracias la Region de Predicadores, cuya magnifica Yglesia se halla en el dia desmantelada desde el Coro, al Arco-tioral, no havendo quedado en pie mas que una Nave de las três que tenia.

O texto detalha todo o acontecimento e os edifícios atingidos e, na sua parte final, dá conta das medidas governamentais: “el Señor Comandante de las Armas Don Manuel de la Castilla há estado igualmente vigilante, á que la Tropa hiciera su deber, como tan precisa, y necessária en lances semejantes”. Em seguida, ocorre a primeira e única interrupção do relato, com um subtítulo que indica uma nova data, 14 de julho, evidenciando que o documento foi impresso após aquela data. Neste segmento final, segue o levantamento dos danos causados pelo terremoto, culminando aquele texto a que, inequivocamente, podemos denominar de reportagem, em termos de hoje, com o aviso de que “si posteriormente sucediere novedad digna de atencion se continuarán los avisos”.

Isso, de fato, ocorreu por meio de um novo impresso, agora intitulado Continuacion al Aviso del Terremoto sucedido en la Ciudad de Santa Fè el dia 12 de Julio de 1785, com mais quatro páginas, que retoma a narrativa:

En el primer Aviso se dió notícia en obsequio del Público de los màs notables acaecimientos, que se experimentaron en esta Capital por efecto del Terremoto, que padeció el dia doce de dicho mes, hasta el catorce, inclusive, ofreciendo continuar las que subcesivamente se fuesen adquiriendo (...). Hasta el dia 17 de este mes se percivieron subcesimamente, algunos estremecimentos de la Tierra.

O texto detalha as medidas tomadas pelas autoridades, não deixando de supor que o terremoto tivesse atingido outras localidades, mas que sobre elas ainda inexistiam informações. Com mais tempo para inteirar-se dos acontecimentos, o repórter apresenta maiores minúcias sobre alguns prédios atingidos pelo desastre, como o Colégio de Nossa Senhora do Rosário, “cuya Torre quedó en estado tan ruinoso, que no há havido Alarife, que se atreva á subir á descargarla”. Ficamos sabendo, assim que, tendo sido destruída a Igreja de São Domingo, sua comunidade passará a fazer suas orações no Convento de São Francisco.

O relato é inopinadamente interrompido, em sua quarta página: pode-se supor, pela referência à data de 17 de julho, que este novo texto foi impresso após o dia 18. Por fim, segue-se o terceiro relato, sob o título Continuación al Aviso del Terremoto sucedido en la Ciudad de Santa Fè, hasta 15 de agosto de 1785. Tomando-se a data de 12 de julho como a da ocorrência do terremoto, conclui-se que mais de um mês após o ocorrido, o redator continua sua faina, sem esmorecimento, o que é admirável, seja por revelar a fidelidade do mesmo à sua função social, quer por evidenciar o interesse público que o acontecimento continuava suscitando. A narrativa é retomada, explicando que, “para remediar los daños, que padecieron los Edifícios de esta Capital con el Terremoto que acaheció en ella el dia 12 de Julio proximo passado trabajan com indecíble teson las Comunidades Religiosas, y Sujetos particulares, que tienen facultades para repararlos, á exceccion de la de Santo Domingo, que para verificarlo necessita impender crecidas cantidades (...)”.

O texto refere documentos oficiais expedidos nos dias seguintes ao terremoto, enquanto, nas duas últimas das quatro páginas, passa a dar conta de outros acontecimentos ocorridos em duas localidades próximas, o Barrio de las Minas de Zarúma e Popayan. O que se deve destacar, porém, é que nada mais têm a ver com o terremoto: no caso de Zarúma, trata-se de um incêndio que irrompeu na localidade, enquanto em Popayan refere-se ao falecimento do “Ilustrissimo Señor Don Geronimo Antonio de Obregon, y Mena, Obispo de esta Diocesia”, aos 76 anos de idade, o que evidencia o caráter essencialmente jornalístico da publicação, o que leva muitos dos historiadores colombianos a considerar tal conjunto – um relato dividido em três edições com datas diversas, cobrindo amplamente um mesmo acontecimento – como o primeiro documento jornalístico da Colômbia, com dupla perspectiva para uma leitura crítica nos dias de hoje: de um lado, muito próximo do formato das relações, tais como se as publicavam nas metrópoles como Madrid ou Lisboa; mas de outro, com o formato dos avisos, que reuniam narrativas diversas em textos relativamente curtos, numa única edição impressa.

Seja como for, no dia 31 de agosto, daquele mesmo ano de 1785, circulará a primeira edição da Gazeta de Santa Fé de Bogotá Capital del Nuevo Reyno de Granada, esta, sim, com a característica evidente do formato das gazetas já conhecidas em outros vice-reinos do continente. É significativo, para que se possa, não apenas avaliar o choque produzido pelo terremoto, quanto compreender como um acontecimento que motivou a impressão daquele aviso, certamente sugeriu a publicação desta gazeta, que as duas publicações ocorram no mesmo ano, uma claramente em decorrência da outra:

Las desgracias que causó en esta Ciudad el Terremoto del dia 12 de Julio próximo passado, fueron el primer impulso que tuvimos para dar al Publico algunos papeles, con el fin de que recopiladas ordenadamente las noticias concernientes à nuestra congonosa, y triste situación se comunicaase a poca costa de unos logares a otros, atestado por este médio los avisos, y evitando el fastidio de escribir trabajo tanto mas penoso à los Sugetos, que mantengan correspondência para dirigir el cuño de sus negócios, quanto en los dias de la saída del correo Suelen lahharse, tal vez por uma casualidade inesperada, embarazadas para empreenderlo.

Estas primeiras palavras não deixam dúvidas sobre a relação causal de ambas as publicações com os acontecimentos do terremoto, assim como evidenciam ter sido o editor daqueles avisos, o mesmo desta gazeta. Inexiste a segunda edição do periódico, mas a terceira e última aparece a 31 de outubro daquele mesmo ano, o que evidencia tratar-se de um mensário (Prada, 1968).

Ao invés das tradicionais 4 páginas, agora a publicação se apresenta com oito, ainda a partir daquela mesma prensa de Don Antonio Espinosa de los Monteros. Esta terceira edição abre com uma espécie de manifesto ou artigo de fundo, no vocabulário atual, em que o editor volta a refletir sobre a importância de um jornal, mas, sobretudo, e antecipando-se ao que seria a linha editorial do futuro Papel Periódico de la Ciudad de Santafé de Bogotá, a partir de 1791, a importância da juventude e de sua educação:

En todas las Republicas civilizadas hascido siempre objeto de la mayor atencion la crianza de la Juventud, buscando (...)[4] , y escogirando arbítrios para facilitar la enseñanza de los niños, instruyendolos desde sus primeros años en las máximas de una sana política, y de la Religión Christiana, para que sepan desde luego e aunque confusamente, y sin un canal, y perfecto conocimiento, por falta de luces, y uso de razon como deben obrar para con Dios, para con los hombres, y para consigo mismos: tres princípios que son la basa fundamental de la moral filosofia, tan necessária para vivir no solo como cristianos, sino como racionales (...).

Esta matéria ocupa três páginas inteiras da folha, seguindo-se uma relação das jovens que fizeram seus votos religiosos no Convento de Enseñanza de Santa Fé de Bogotá, no dia 29 de setembro daquele ano, recém-criado, e, sucessivamente, para o Coro, enquanto Companheiras e, enfim, a relação das “señoritas educandas” que passam a viver naquele convento. Com data de 30 de setembro, um despacho de Santa Cruz de Mompox dá conta de um furacão ocorrido na região. Por fim, a página final traz um despacho de Quito, com data de 18 de setembro, referindo-se a “una espantosa epidemia de sarampion”.

Faz, igualmente, registro da criação da uma Sociedad Económica de Amigos del País, tal como ocorrera em outros vice-reinos, como México, Guatemala e Peru, que centralizavam as inteligências mais esclarecidas, representantes da Ilustração que chegava às colônias e que, não só se preocupariam em estudar e conhecer mais profundamente as realidades geofísicas e sociais daqueles vice-reinos, quanto apoiariam iniciativas como as da publicação de periódicos, chegando, em sua evolução, a desenvolver e aprofundar as primeiras ideias independentistas do continente.

3. Discussões ilustradas: o jornalismo no decorrer do século XVIII

José Antonio Benitez (2000) é um dos raros autores, dentre os tantos que coligimos, a mencionar a eclosão da rebelião dos Comuneros, em 1780, como o primeiro movimento popular contra as autoridades espanholas, em Nova Granada e talvez no continente, motivada pela escassez e a alta de preços dos mantimentos de primeira necessidade e uma repressão feroz das autoridades europeias, na colônia. Para Benitez (2000), embora o movimento tenha sido logo debelado, pelo governo oficial, teria aberto caminho para as primeiras ideias emancipacionistas que se revelariam, poucos anos depois, nos jornais que se editariam posteriormente (Benitez, 2000: 109)[5].

Outros autores destacam a importância das gazetas e mercúrios para a difusão das ideias ilustradas que chegam às colônias, desde a dinastia reformadora de Carlos III, que enviou administradores competentes e abertos a novas ideias. Enrique Ríos Vicente (1994) afirma que a imprensa ilustrada foi o “resultado da vontade de grupos criollos urbanos na sua inquietação por exprimir preocupações e contribuir para o conhecimento e difusão das possibilidades da pátria, entendida como a terra dos pais a que se pertence e que se diferencia cada vez mais da metrópole” (Vicente apud Valdés, 1994: 517). O mesmo Vicente, citando Maria Luna Argudín, complementa: “o jornalismo criollo nasceu como negação da classe privilegiada, pelo que as publicações ilustradas do século XVIII podem ser consideradas como o oposto das gazetas, tanto pelo seu conteúdo como pelo seu propósito” (Vicente, 1994: 517).

Entendemos, porém, que a afirmativa sobre a oposição do jornalismo ilustrado às classes privilegiadas seja uma interpretação demasiado permissiva: afinal, aquelas publicações ilustradas foram, no mínimo, inspiradas, permitidas ou sugeridas, quando não editadas e apoiadas por integrantes daquela mesma nobreza ilustrada espanhola que aqui chegara, a que se alia um segmento criollo nascente, que começa a se constituir numa burguesia nacionalista. É dela que se originarão, muito breve, os movimentos independentistas, mas daí a falar em oposição, já na sua gênese, parece-nos uma licença demasiada.

Quanto à segunda questão, que estas publicações ilustradas serão opostas às gazetas, deve-se entender com cuidado e bem interpretar os conceitos utilizados: na verdade, as gazetas, tanto quanto as publicações que se lhe seguirão, são todas permitidas e oficialistas; o que ocorre é que as gazetas se limitam, em sua origem, a reproduzir o modelo metropolitano da informação múltipla mas oficiosa, ainda que, à medida em que evoluem, no tempo e na geografia das colônias, ganham maior flexibilidade em seus formatos, transformando-se, em última análise, em publicações que, genericamente, assumirão a denominação de papéis periódicos, o que evidencia, preliminarmente, a intenção da temporalidade, vinculando-as, portanto, à história do jornalismo; mas, à semelhança do que ocorre na Inglaterra, naquele mesmo momento, e que em geral designamos enquanto publicismo, têm menor relação com a informação do que com a reflexão pedagógica, dando, por isso mesmo, maior espaço ao artigo e ao ensaio, ao invés do relato jornalístico em sentido estrito.

Tais publicações, na maioria das vezes, surgem amparadas e vinculadas a associações econômicas de amigos do país, criadas por ilustres homens sábios que se sensibilizam pelo conhecimento que consideram necessário sobre a nova terra em que habitam, sejam eles nativos (criollos ou não) ou reinóis que se adaptaram à colônia. Por isso, seus temas principais são a agricultura, a economia, a geografia, a cultura em geral (da literatura à música e ao teatro), com especial ênfase sobre a importância da educação para a evolução social.

Esta imprensa periodística, ensaiada por aquele texto aqui mencionado, na terceira edição da Gazeta de Santa Fé, passa a ser explicitada com o surgimento, em 9 de fevereiro de 1791, do Papel Periódico de la Ciudad de Santa Fé de Bogotá, que circulará, ininterruptamente, até 6 de janeiro de 1797, alcançando mais de 400 assinantes, semanário sob a responsabilidade do cubano Manuel del Socorro Rodrigues de la Victoria e que, por isso mesmo, é considerado o pai do jornalismo colombiano. A publicação é lida de Caracas a Lima, segundo Antonio Checa Godoy (2016: 37), registrando 256 edições nestes seis anos de circulação.

Ao contrário das origens históricas do jornalismo de muitos dos vice-reinos da América Latina, na Colômbia se multiplicam os estudos e a bibliografia é enorme, o que facilita e, ao mesmo tempo, dificulta a pesquisa: há que se ler muito, filtrar as por vezes díspares afirmações e interpretações e buscar compor uma linha cronológica e interpretativa do que ocorreu. No caso do Papel Periódico, como é simplesmente conhecido, abundam os estudos e as interpretações, o que evidencia sua importância e seu significado, quer pela duração longeva, para a época, quer pelos personagens que o atravessam.

Neste sentido, o caso do Papel periódico de la Ciudad de Santafé de Bogota é exemplar: encontramos dezenas de artigos especializados, diferentes livros e interpretações as mais variadas, que destacam, ora este, ora aquele aspecto ou contribuição daquela publicação[6]. Na verdade, tudo começa com a chegada, no dia 31 de julho de 1789, a Santafé, de um novo Vice-rei: trata-se do Conde brigadier don José de Ezpeleta y Galdeano di Castillo y Prado, da ordem de São João, Marechal de Campo dos Exércitos Reais, que vem de Cuba, onde era Governador, para ser a nova autoridade. Traz consigo Manuel del Socorro Rodríguez de la Victoria, cubano de nascimento, natural de Bayamo, que logo será nomeado diretor da Biblioteca Pública pré-existente, conforme já referimos, função que ocupará até sua morte.

Órfão de pai aos 8 anos de idade, Manuel del Socorro Rodríguez, como é mais conhecido, é um admirável autodidata, voluntarioso e decidido. Sua viagem é autorizada pelas autoridades espanholas que, diante de sua pobreza, decidem ajudá-lo financeiramente neste intento. Sua chegada a Bogotá ocorre a 18 de outubro de 1790, sendo nomeado no dia seguinte para a função de bibliotecário, o que lhe propiciará rendimentos muito baixos, o que o leva a pleitear um reajuste do soldo, sendo socorrido principalmente pelo próprio vice-rei. A biblioteca é imediatamente reorganizada. Apesar de sua penúria, del Socorro chega a tirar do próprio salário o pagamento para um ajudante.

O bibliotecário aspira ser reconhecido como um literato, e para tanto “constitui uma sociedade de amigos das letras, identificados por uma grande vocação de estudo e que se denomina Tertulia Eutropélica” (Prada, 1968: 123). Reúnem-se diariamente, pela noite, no salão da biblioteca. Rodriguez de la Victoria intenta publicar um periódico sob o título de Eubolio, mas desiste, admitindo que Papel Periódico lhe caberia melhor. É assim que, na quarta-feira 9 de fevereiro de 1791, surge a primeira edição do Papel Periódico de la Ciudad de Santafé de Bogotá, dirigido por don Manuel del Socorro Rodriguez de la Victoria, “con Licencia de este Real y Superior Gobierno”. O próprio Vicerrey e o Arcebispo são seus primeiros assinantes, sendo cada assinatura avaliada em 14 pesos anuais. O objetivo central da publicação é o ensino; talvez como reflexo de sua própria dificuldade, enquanto autodidata, ele quer abrir este caminho, a partir de sua publicação, para jovens aspirantes à cultura.

É na oficina impressora de Don Antonio Espinosa de los Monteros que rodam as primeiras 85 edições, circulando todas as quintas-feiras. Cada edição possui 8 páginas, com uma variação mínima de composição e numeração contínua de páginas, de uma para outra edição[7]. A publicação foi suspensa entre 5 de outubro de 1792 e 19 de abril do ano seguinte, retornando com a edição de número 86, agora composta na Imprenta Patrótica de don Antonio Nariño[8], na Plazuela de la Iglesia de San Carlos, sendo seu impressor don Diego Espinosa, filho do então diretor da Imprenta Real.

Em 1794, volta a ser publicada na oficina de don Antonio Espinosa de los Monteros[9] e [10]. Ao atingir a edição 265, a 6 de janeiro de 1797, sua circulação se encerra, tendo sido editadas 1620 páginas e contado com a colaboração de algumas das figuras mais significativas da vida social, política e intelectual da Nova Granada, como Francisco Antonio Zea, José Celestino Mutis[11], Francisco José de Caldas, Fray Vicente Gil de Tejada e outros mais, sendo que alguns deles terminariam por expressar-se em favor da independência do vice-reinado.

O Papel periódico divulgará ensaios sobre patriotismo, filosofia, literatura, botânica, física e medicina, a partir dos debates que se desenrolam na Tertulia Eutropélica, mantendo correspondentes em diversas cidades e inclusive com fontes internacionais nas folhas que se publicam na Espanha, pois mantém claramente uma linha legalista e simpática à Coroa Espanhola. Contudo, não deixa de, embora condenando, relatar minuciosamente os acontecimentos ocorridos na França, após os eventos de 1789, ou os desdobramentos dos primeiros anos da independência dos Estados Unidos. Cobriu, sobretudo, a vida cotidiana e social da colônia, registrando valores literários que ali se desenvolviam (Consejo de Redacción, 16 de julho de 2020: 1).

Em 1797, contudo, o vice-rei deixa suas funções e isso será um golpe mortal para o grupo, que começa a se dividir ideologicamente. Ainda que legalista, a publicação não deixou de fazer críticas à forma pela qual a metrópole desenvolvera a conquista e a colonização, arrasando praticamente as primitivas culturas indígenas que ali existiam, pela influência da religião e a ânsia de riqueza dos conquistadores. Reconhecia, porém, que a conquista se devera, sobretudo, graças às lutas divisionistas entre os povos conquistados. Há que registrar algumas curiosidades sobre a publicação: 1) todo o escrito deveria ser previamente aprovado pelas autoridades; 2) quando faltavam letras na caixa de tipos disponível, o editor alertava o leitor, pedindo-lhe que substituísse, imaginariamente, um pelo outro sinal; 3) o jornal jamais trocou seu editor.

3.1. Aprofundando o debate dos jornais ilustrados

Além do Papel periódico, Manuel del Socorro criou e dirigiu Correo curioso, erudito, económico y mercantil de la ciudad de Santafé de Bogotá, que começou a circular em 1801, do mesmo modo que El redactor americano (1806), agregando-lhe, no ano seguinte, um suplemento denominado El Alternativo al Redactor americano (Radio Nacional, 2020: 3), enfocando especialmente as revoluções francesa e norte-americana, assim como as ações de Napoleão Bonaparte na Europa, em geral, e em especial, na Espanha[12].

O Correo Erudito é considerado, de certo modo, uma extensão do Papel Periodico quanto à expressão ilustrada na colônia, iniciativa intelectual particular de seu realizador e que, talvez por isso mesmo, teve curtíssima vida, circulando apenas ao longo do ano de 1801, apesar do significado dos nomes de seus jovens editores, Jorge Tadeo Lozano e seu primo clérigo José Luis de Azuola, aparentemente devido a dificuldades financeiras (Silva, 1993: 3). Iniciou sua circulação no dia 17 de fevereiro de 1801. Foi uma publicação semanal, mas com não mais de 3 a 4 páginas em cada edição: em sua sede, possuía uma caixa em que recebia a correspondência dirigida aos editores – aparentemente bastante volumosa – e mediante acordo com o serviço de correios, o jornal era despachado para outras cidades fora de Bogotá, enquanto na cidade era entregue nas residências dos assinantes. Atingiu 46 edições.

Já o El Redactor americano circulou a partir de 6 de dezembro de 1806 até 19 de novembro de 1809, ainda sob a iniciativa e a responsabilidade de Manuel del Socorro. Para Nicolás Ventieri (2019), a publicação quinzenal, segundo seu editor, para melhor recolher e selecionar os temas a serem editados, alcançou 48 edições com um objetivo explícito: a valorização do que fosse americano, escolhendo uma linguagem popular, não erudita, ainda que estampasse por vezes ensaios bastante cultos, defendendo a criação de uma cátedra de História Americana, a criação de uma Biblioteca Americana, a constituição de um Dicionário de História da América e a existência de um Museu Americano. O periódico era impresso na Imprenta Real criada em 1777 pelo Vice-rei António Flórez.

Em seu prospecto, antecipava e se definia: “El Superior Gobierno, interessado en promover cuantos ramos sean conducentes a la utilidade publica, ha dado a conocer que le sería muy grato el establecimiento de este periódico”. Claramente monarquista – e, no entanto, se colocando contrário aos colonizadores – defendia uma perspectiva americanista, na avaliação de Ventieri (2019), tendo como “seu único objetivo publicar notícias americanas”.

Por isso mesmo, preocupou-se também com os acontecimentos do interior do continente, inclusive noticiando e legitimando a rebelião do Haiti, levando o estudioso a concluir que o “caráter americanista da obra de Rodriguez não tem apenas a ver com a exaltação dos valores americanos, mas esteve relacionado com a compreensão do contexto histórico e, portanto, com o colonialismo que certas potências estrangeiras tentaram exercer na América” (Ventieri, 2019: 8). Deste modo, “Rodríguez suprimiu as contradições existentes entre Espanha e América e definiu a identidade cultural” do continente, desde aquela única possibilidade então existente, os valores legados pelo regime colonial (Ventieri, 2019: 10).

Entre 1808 e 1810, também circulou o Semanario del Nuevo Reino de Granada, de Francisco José de Caldas Lozano, um dos heróis da independência colombiana. A partir de 7 de dezembro de 1810, vamos encontrar o Argos Americano, que sobreviverá até 23 de março de 1812, em Cartagena de Indias, sob a direção de José Fernández Madrid (Jaramillo, 1976: 61). Reapareceu em Tunja e depois retornou em Bogotá, entre 6 de fevereiro de 1813 até 1816, quando desapareceu definitivamente (Benítez, 2000: 110).

É importante registrar que, naquele momento, o movimento independentista eclodira: a 20 de julho de 1810, ocorre o grito de independência, quando a população toma o poder, em Santafé de Bogotá, criando-se, em 27 de fevereiro de 1811, o Estado de Cundinamarca, o que provocou severa repressão por parte da Espanha. Os acontecimentos se sucederam velozmente: edita-se a constituição das Províncias Unidas de Nueva Granada à qual, num primeiro momento, o Estado de Cundinamarca não adere: de qualquer modo, entre 27 de novembro de 1811 e 29 de junho de 1816, são realizados esforços no sentido de organizar o novo Estado independente. A 6 de maio daquele ano, as tropas espanholas retomam Bogotá, mas o exército de Granada, sob o comando de Simón Bolívar, enfrenta as tropas metropolitanas e, na batalha de Boyacá, a 7 de maio de 1819, derrota-as definitivamente, entrando vitorioso em Bogotá (Benítez, 2000: 110).

Entre 1818 e 1821, criado pelo próprio Bolívar, circulará El Correo del Orinoco[13], periódico revolucionário que dá conta dos acontecimentos da guerra, sob o ponto de vista revolucionário e que, sob este aspecto, é importante documento de época. Opunha-se ao oficialista Gazeta de Caracas, de José Domingo Diaz (Jaramillo, 1976: 61). Esta imprensa oficialista esteve sediada durante muito tempo em Cartagena de Indias, vinculada ao Real Consulado, inclusive com a edição de um periódico bastante ativo, entre 1808 e 1810, chamado Notícias Publicas de Cartagena de Índias (Godoy, 2016: 38), com espírito elitista e total fidelidade à coroa espanhola.

Antes desta publicação, porém, ainda circularam o Semanário del Nuevo Reyno de Granada, entre 1808 e 1810, com direção de Francisco José de Lozano e La Constituición feliz, em que volta a ser personagem Manuel del Socorro (1810, como se viu antes); naquele mesmo ano de 1810, publicou-se, também, o Diário Político de Santa Fé de Bogotá, sob a direção de Francisco José de Caldas e Joaquim Camacho. Alcançará 46 edições, até que seus responsáveis foram assassinados pela repressão espanhola, em 1816 (Jaramillo, 1976: 60), e depois, a Gazeta Ministerial de Cundinamarca (1811), que terá uma larga existência (Jaramillo, 1976: 61), a que se seguiria o mencionado El Correo del Orinoco.

O Semanário del Nuevo Reyno de Granada é significativo exemplar do espírito ilustrado do momento. Na data de 4 de outubro de 1807, se imprime e faz circular um prospecto que anuncia a autorização de publicação deste periódico, às expensas de seus assinantes, sob o seguinte argumento:

Empeñado el Superior Gobierno de este Reyno en promover incesantemente, y de quantos modos le son asequibles, la ilustracion y felicidade de sus Pueblos; y considerando que uno de los médios conducentes al logro de estos conexos è importantes objetos, es la publicacion de papeles periódicos, con que se trasnsfunden á la comprehension y aprovechamiento comum los inventos y discursos particulares, cuya utilidade, de lo contrario, tal vez permaneceria ceñida lastimosamente á limites muy estrechos; há tenido à bien conceder su permisso, para que se imprima uno en esta Capital, con el titulo de Semanario del Nuevo Reyno de Granada, en que se tratará de las ciências, artes, agricultura, comercio, industria, caminos, canales, descubrimientos, economia politica, y literatura en general.

Entre 3 de janeiro de 1808 e 31 de dezembro de 1809, o jornal alcançou 52 edições, divulgando sobretudo ensaios científicos, cumprindo fielmente aquilo que estava em seu programa original. A partir de 1810, tornou-se mensário, estampando diários, correspondências e ensaios de cientistas criollos colombianos, como Jorge Tadeo Lozano, Joaquin Camacho, Eloy Valenzuela, Mariano del Campo e José Manuel Restrepo[14]. Francisco José de Caldas, neste sentido, pode ser considerado o primeiro cientista criollo e, seu semanário, a primeira publicação efetivamente acadêmica que circulará no continente (Olarte, 2009).

Neste período, porém, o maior destaque cabe a La Bagatella, de Antonio Nariño, que inicia sua edição em 20 de julho de 1810, sendo mais tarde substituído pela Gazeta Ministerial de Cundinamarca, antes referida. É neste La Bagatella que Nariño, antes acusado de sedicioso, sem o ser, agora assume claramente sua posição revolucionária, ao retomar suas atividades editoriais e políticas: daí que, com a derrubada dos espanhóis, é Nariño quem acaba assumindo a função de governante[15].

Nariño estava em liberdade condicional desde 1803, após as acusações pela tradução, impressão e distribuição do texto dos Direitos do Homem, mas voltou a ser preso em 1809 e só será definitivamente livre após a declaração da independência. O presidente da recém-constituída República Granadina é Jorge Tadeo Lozano, com quem Nariño terá fortes embates, pois enquanto aquele defende uma espécie de federação, Nariño entende que, diante dos riscos da contraofensiva espanhola, o governo deveria ser centralizado. Assim, após uma série de ataques através de seu jornal, Nariño acaba sendo nomeado ele mesmo Presidente, em setembro de 1811, substituindo a Lozano, que renuncia.

La Bagatella circulou semanalmente, entre 14 de julho de 1811 e 12 de abril de 1812, a partir da imprensa do mesmo Bruno Espinosa de los Monteros (neto daquele primeiro Antonio, antes referido). O jornalista e político se preocupa em explicar aos leitores o significado dos acontecimentos, até mesmo os diferentes conceitos que as mesmas palavras podem ter, quando proferidas por um espanhol ou por um americano. Ele reitera, em todas as edições de sua publicação, as razões da independência e sua legitimidade. Para tanto, usa o subterfúgio da redação de cartas trocadas entre ele e uma Dama sua Amiga, ou entre ele e Um Amigo. “A imprensa é, para Nariño, um pilar do seu poder: oferece compreensão do que se passa, faz propostas, recolhe outras opiniões e debates, refuta, cria opiniões, cria seguidores, ataca os seus adversários”, sintetiza Margarita Garrido (2022).

Por isso mesmo, no prospecto de lançamento daquele seu primeiro jornal, criticando o fato de que muitas publicações, quando iniciam sua circulação, fazem imensas e amplas promessas, afirma o que seu “tiene la gran ventaja de que los críticos no pueden exercer su zaña contra el, porque mientras mas se empeñen en querer hacer crer que lo que contiene son bagatelas, mas ayudan à llenar su título, y más lo elogian” (La Bagatela, 1811: 1).

Quanto ao La Constituición feliz, foi uma publicação oficial da Junta Suprema de Governo, mas teve uma única edição (Jaramillo, 1976: 60), a 17 de agosto de 1810, por iniciativa da Junta Suprema del Nuevo Reino de Granada. A tarefa foi encomendada a Manuel del Socorro Rodriguez, por toda a sua experiência. No prospecto que se edita, adianta-se que a publicação estará focada em dois grandes temas, a política e a economia. Manuel del Socorro Rodriguez, por seu lado, escreve que a publicação seguirá duas grandes linhas, a da religião “base da República”, e, sobretudo, o que então explicita:

Si los gobiernos establecidos por título son respectados y obedecidos de los hombres, cuánto más deberán serlo aquellos que establecen la razón y la sabiduria para desagraviar la Divina Religión, assegurar la legítima soberania, abolir el despotismo, honrar la humanidad y perpetuar el bien común? No há sido esta una obra del capricho humano, sino del poder Divino, si bien se examina por todos sus aspectos; y portanto debe anunciarse a todos los pueblos, por medio de una descripción circunstanciada.

Para Jaime Alberto Rojas Rodríguez (2013), a importância desta publicação é o fato de ela constituir-se numa crônica fiel dos acontecimentos anteriores e posteriores ao estabelecimento da Junta de Governo, segundo a profissão de fé do jornalista, assim resumida: “a verdade, a imparcialidade, a boa política, a boa crítica, a simplicidade e a boa fé, [sobre] o incidente que decretaria a liberdade e todo o seu reinado e mutação de um Governo tirânico e opressor” (Rodríguez, 2013, 381). Neste sentido, pode-se concluir que o melhor jornalismo se constituiu como base do melhor relato histórico dos acontecimentos.

A última referência que cabe fazer é a El Correo del Orinoco. Antonio Cacua Prada (1968) lembra que, logo após constituir seu governo em Angostura, na Colômbia, Simón Bolívar, preocupado em difundir suas ideias entre a população, adquiriu uma prensa a don José Miguel Istúriz, na ilha de Trinidad, por 2.200 pesos, trazida até a cidade pela goleta “Maria”, chegando a 4 de outubro de 1817. O historiador refere que, numa lateral da máquina remanescia uma plaqueta vinculando-a ao The Washington Press. A tipografia foi montada primeiramente no Parque de Artilharia, mas logo depois transportada para a casa em que se reunia o Congresso de Angostura, indicando-se a Francisco Antonio Zea como editor da publicação, coisa que ocorreu ao longo das primeiras doze edições, sendo depois substituído por Juan German Roscio, por motivo de doença.

O Correo del Orinoco foi impresso por Andrés Broderick e, mais tarde, por W. Burrell Stewart, sendo o jornal formado por 4 páginas, circulando aos sábados. Perdurou até 23 de março de 1822, atingindo 128 edições, ainda que com algumas interrupções, chegando a regiões tão distantes quanto Caracas, Quito, Lima, Santiago e Buenos Aires, de que trazia informações variadas sobre as lutas independentistas. Na nota que correspondia ao prospecto do jornal, antecipava-se que o mesmo publicaria informações sobre o Governo, de modo geral, além de notícias interessantes sobre o comércio interior e exterior, extratos da imprensa estrangeira, assim como informações literárias, variedades, historietas e até mesmo anedotas. O jornal deixa de circular, subitamente, na sua edição 128, de 23 de março de 1822, sem qualquer explicação ou comentário. Na verdade, todas estas publicações mais diretamente vinculadas ao movimento independentista serão mais aprofundadamente estudadas e discutidas na segunda etapa desta pesquisa que se relaciona, justamente, à imprensa e às independências coloniais da América Latina.

4. Conclusões justificadas

O que devemos destacar, no caso do antigo vice-reino de Nueva Granada, a Colômbia de hoje em dia, é que, nascida para narrar detalhadamente a ocorrência de um terremoto, sofrido pela cidade de Santafé de Bogotá, a imprensa tornar-se-ia, ela própria, um terremoto. Afinal, eis que, mais cedo e mais efetivamente do que publicações de outros vice-reinos que a haviam antecedido, a política logo marcou a circulação dos periódicos que se seguiram, permitindo que Nueva Granada se tornasse uma das antigas colônias espanholas que mais cedo se tornou independente da metrópole e que, mais claramente, melhor compreendeu e valorizou a função universalizadora de ideias e de formação da chamada opinião pública através da imprensa. Mais do que isso, os principais próceres dos movimentos separatistas atuaram, todos, ao longo de décadas, junto a periódicos, ali se formando e ali apresentando suas ideias.

Na antiga Nova Granada, talvez mais do que em qualquer outro vice-reino espanhol, fica evidente uma relação umbilical entre o surgimento e o amadurecimento do sentimento nativista publicizado através da imprensa, de tal modo que todas as lideranças militares e políticas do vice-reino, antes, durante ou após seus envolvimentos com a edição de diferentes jornais, tornaram-se elas próprias lideranças políticas, assumindo funções de relevância, inclusive na Presidência das novas nações.

A partir da leitura destes periódicos e do envolvimento destas lideranças, por outro lado, fica patente o desenvolvimento de um outro processo que se sucederá: vencida a etapa propriamente revolucionária, as diferentes concepções a respeito das formas que as novas nações deverão assumir, bem como os princípios que deverão defender, levarão à formação de variados grupos políticos, redundando, muitas vezes, em novos choques armados liderados pelos que então passarão a ser reconhecidos como caudillos, correspondendo, no Brasil, naquele mesmo momento e um pouco adiante, no surgimento dos chamados coronéis, chefes políticos regionais que lideram diferentes facções ideológicas. No caso da América Hispânica, este fenômeno provocará o fracionamento dos antigos vice-reinos e o surgimento de novas nações, ao contrário do que José de San Martin e Simón Bolívar tanto haviam se oposto. No Brasil, ao contrário, em que pesem os vários movimentos eclodidos ao longo do período de minoridade de Dom Pedro II, as administrações do Rio de Janeiro conseguiram dominar e vencer tais segmentações, mantendo o território brasileiro íntegro.

Referências bibliográficas

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Outros acessos

La enciclopedia del Banco de la República de Colombia (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12, consultados em 1º de junho de 2023).

Archivo de Bogotá – Secretaria General (1, consultado em 1º de junho de 2023).


[1] Os exemplares digitalizados a que temos acesso, da extraordinária obra de José Toribio Medina, fazem parte do Fondo Histórico y Bibliografico Jose Toribio Medina da Biblioteca Nacional de Santiago do Chile. A organização da obra é bastante confusa. No caso deste trabalho, acessamos os volumes I e II, mas as citações aqui assumidas são todas do volume II, de 1958. O problema é que os textos são reproduzidos sem respeito à cronologia histórica dos acontecimentos e, sim, respeitando a cronología de sua redação, o que dificulta a consulta e a compreensão quanto ás etapas de estudos e descobertas do pesquisador, por que os dados se sucedem num ir e vir contíniuo.

[2] A ordem da expulsão dos jesuítas da Espanha se deu diretamente pelo rei Carlos III, depois de uma tentativa de assassinato, o chamado Motim de Esquilache, em Madri. A decisão teve o beneplácito do Papa Clemente XVIII, sendo que seu sucessor extinguiu a ordem, com reflexos em toda a Europa católica e suas colônias, inclusive na América, valendo o mesmo para Portugal, cujo rei Dom José I também sofrera uma tentativa de assassinato, em 1758, expulsando a ordem de seus territórios e extinguindo-a, em 1762. Sobre o assunto, recomenda-se a leitura do romance Homens cordiais, de Samir Machado (2021), que aborda tais temas.

[3] Não se conhece os dias exatos de composição, impressão e circulação de tais folhas, pelo menos por dois motivos: a) elas não trazem qualquer data quanto à impressão; b) a segunda folha é a simples continuação da primeira e ambas se referem à data do terremoto como ”este día”, o que evidentemente seria impossível ocorrer, pelo simples fato de que cada folha possui quatro páginas; considerando-se que a composição se dava letra por letra (tipo por tipo), pode-se ter certeza de que era absolutamente impossível compor cada uma delas no próprio dia em que ocorrera o sismo, sobretudo porque o mesmo acontecera em Bogotá e o impresso foi editado em Cartagena.

[4] A palavra que se segue acha-se apagada na versão digitalizada do acervo consultado.

[5] Há um excelente texto de Renan Silva a respeito, La teoria del poder divino de los reyes en Nueva Granada: Una nueva lectura del Vassallo instruído de Joaquin de Finestrad. Trata-se de um capuchinho enviado pela Coroa para catequisar aos cidadãos das regiões revoltosas, no sentido de convencê-los a aceitar as regras ditadas pelas autoridades monárquicas. Ele escreve um ensaio em que defende a correção das leis recém promulgadas, entendendo que houve má fé da parte de alguns de seus leitores, no sentido de provocar a rebelião (Silva, 1993: 33).

[6] O Prof. Dr. Oscar Augusto Elizalde Prada (Director de la Oficina de Información y Comunicación de los Hermanos de La Salle; Director de CPC del CELAM), brindou-me com uma coleção completa da publicação, fac-similada, em 5 grandes volumes (1974, 1975, 1976, 1977 e 1978, respectivamente), além de um sexto, contendo exclusivamente as gravuras do periódico (1968).

[7] Esta continuidade de paginação antecipa à do Correio Braziliense, de Hipólito José da Costa, que começaria a circular em junho de 1808, a partir de Londres.

[8] A súbita troca de impressor ocorre porque Nariño traduz, imprime e publica a tradução do documento sobre direitos humanos, de Tom Paine, o que o leva à prisão, condenação e exílio. Em sua defesa não consegue encontrar um único advogado! Sobre Antonio Nariño, deve-se consultar (PRADA, 2011), “Antonio Nariño, precursor y revolucionário”, cujo exemplar devemos, ainda uma vez, ao Prof. Dr. Oscar Elizalde.

[9] Em 1791, don Antonio Amador José Nariño Alvarez havia adquirido uma prensa que põe a funcionar em março de 1793, sob a direção de don Diego Espinosa de los Monteros, filho de don Antonio, que continuava na Imprensa Real.

[10] Com a morte de don Diego, em 1804, sua oficina foi assumida por outro filho, Bruno, que passou a imprimir, dentre outras publicações, El redactor americano (1806), El semanário del Nuevo Reino de Granada (1808), La Constitución feliz (1810) e La Bagatela (1811), todos jornais vinculados ao movimento independentista. Depois da independência, Bruno seguiu sua atividade, editando periódicos como El anteojo de larga vista (1814), de Jorge Tadeo Lozano, por exemplo, até seu falecimento, em 1844 (Archivo de Bogota, 2018: 2-3).

[11] José Celestino Mutis foi o diretor de uma Expedição Botânica, junto com seu discípulo Pedro Firmin Vargas, cujos resultados foram inteiramente publicados no Papel Periódico (Radio Nacional, 2022: 1).

[12] Após o grito de independência, em 20 de julho de 1810, Rodriguez teve sua situação pecuniária complicada, porque o governo revolucionário deixou de pagar seu soldo. Para sua sobrevivência, chegou a ser redator e editor do La Constitución Feliz, órgão oficial da Junta Suprema de governo, mas que teve uma única edição. Colaborou ativamente com a administração de Antonio Nariño; com a reconquista espanhola, em 1816, passou a correr risco de vida, podendo ser inclusive fuzilado, por ter colaborado com os rebeldes. Para salvar-se, colocou na sala da Biblioteca, que ainda administrava, um quadro com o retrato do novo rei Fernando VII, salvando-se assim. Para sobreviver, além da ajuda dos amigos, vendia na rua os desenhos que fazia. Após sua morte, os cidadãos tiveram de se cotizar para pagar seus funerais.

[13] Do mesmo modo que em relação à coleção completa de Papel Periódico Ilustrado, o Prof. Dr. OscarElizalde doou-nos uma edição fac-similada da publicação, a qual pretendemos estudar de maneira comparada ao Correio Braziliense, quanto ao período em suas circulações coincidiram, para avaliar as diferentes posições ideológicas de cada um dos editores quanto ao movimento independentista.

[14] A coleção completa do periódico está acessível no site da Biblioteca Virtual del Banco de la República.

[15] A coleção fac-similada de La Bagatela foi publicada pelo Archivo de Bogotá (2014), cuja cópia devemos, ainda uma vez, ao Prof. Dr. Oscar Elizalde.