Tracción animal y cultivo de cereales en el Alentejo a través del diálogo con la fotografía de Artur Pastor
Animal traction and cereal cultivation in Alentejo in dialogue with Artur Pastor photography
Daniel Filipe Pereira Cardeira
Universidade do Porto. Portugal
ORCID: 0009-0004-6955-5546
danielcardeira@gmail.com
Resumen:
Los usos de la tracción animal fueron ampliamente documentados por el fotógrafo Artur Pastor, particularmente en el contexto agrícola y del cultivo de cereales. A través de una selección de fotografías de Pastor, pretendemos demostrar el diálogo entre su obra y los procesos de cultivo de cereales que utilizaban animales de trabajo en el Alentejo. Las imágenes presentadas coinciden con los métodos utilizados en la agricultura durante la época de las grandes arroteias, que se inició a finales del siglo XIX y se prolongó hasta el tercer cuarto del siglo XX. Utilizando la bibliografía de referencia sobre los métodos de producción de cereales en el Alentejo, pretendemos comprender el contexto de las obras de Pastor, darles significado y cuestionarlas.
Palabras chave:
Artur Pastor; Traccíon animal; Cultivo de cereales; Alentejo; Fotografía.
Abstract:
The uses of animal traction were widely documented by photographer Artur Pastor, especially in the agricultural context and cereal cultivation. Using a selection of Pastor’s photographs, we intend to demonstrate the dialogue between his work and the processes of cereal farming in Alentejo that used working animals. The images presented correspond to the methods used in farming during the period of the great arroteias, which began at the end of the 19th century and continued until the first decades of the second half of the 20th century. By using the bibliography of references on cereal production methods in Alentejo, we intºend to understand the contexts of Pastor’s works, to give them meaning and to question them.
Keywords:
Artur Pastor; Animal traction; cereal cultivation; Alentejo; photography.
Fecha de recepción: 28 de diciembre de 2023.
Fecha de aceptación: 21 de febrero de 2024.
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© 2024. Daniel Filipe Pereira Cardeira. Este es un artículo de acceso abierto distribuido bajo los términos de la licencia Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0. International License (CC BY-NC-SA 4.0). |
Considerações iniciais
A imagem fotográfica é atualmente uma fonte relevante para a historiografia. Mais do que mera ilustração, usada para reforçar interpretações textuais, a fotografia é hoje considerada uma fonte documental do qual se podem retirar informações para a construção do passado1. Como observado por Le Goff, a fotografia é um documento “[…] alargado para além dos textos tradicionais, transformado – sempre que a história quantitativa é possível e pertinente – em dado, deve ser tratado como um documento/monumento”2, isto é, como um elemento ativo na construção da memória.
Segundo o mesmo autor, a fotografia revolucionou a memória dando-lhe “uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas, permitindo assim guardar a memória do tempo e da evolução cronológica”3. Neste sentido, a obra do fotógrafo Artur Pastor serve o propósito de repositório da memória, pois o seu valor documental transparece em todo o seu trabalho. O seu valor enquanto documento é corroborado pela concordância com a bibliografia usada neste trabalho. De igual forma, compreendemos que através da fotografia é possível dar forma visual aos conteúdos contidos na bibliografia da especialidade, criando assim um diálogo recíproco entre estes dois meios de conhecimento. Não devemos desatender, também, que as fontes iconográficas podem mesmo acrescentar informação ímpar aos objetos de estudo.
É necessário, contudo, encarar criticamente a utilização da fotografia enquanto fonte, uma vez que esta apenas regista uma realidade limitada e expressa de forma bidimensional. A imagem fotográfica está também condicionada pelas opções estéticas e técnicas do seu autor que acontecem desde o momento em que escolhe «o quê?» e «como?» fotografar até aos ajustes e edições durante o processo de revelação. Temos em conta que estas opções, no caso das fotografias que selecionámos de Pastor, têm como resultado a materialização de imagens onde frequentemente são valorizados os efeitos líricos, bucólicos e épicos. Se compararmos com outros fotógrafos e correntes estéticas da época, os problemas como o atraso, a pobreza e a repressão que se vivia no país não surgem de forma manifesta neste conjunto de fotografias4. Cristiana Basto escreve, em relação ao conjunto presente na exposição retrospetiva “Artur Pastor”5 que:
Paira neste conjunto uma atmosfera de felicidade pacata, alegre contentamento, reduzido o horizonte para a proximidade, quase nos antípodas do documentário neorrealista que lhe é contemporâneo, do naturalismo literário que o antecedeu, ou das fotografias de denúncia social que os reformadores bem intencionados capturavam no que para eles era o outro lado da vida, com o intuito de despertar, junto de quem vivia em conforto, ensejos de filantropia ou impulsos de mudança social”6.
Devemos também considerar que, na fotografia documental desta época, existe uma vertente de encenação que procura construir uma imagem cuidada e que pode iludir o espectador. Porém, tal também deve ser entendido como uma necessidade inerente às tecnologias da época, sendo prática comum e não necessariamente uma simulação do real7. No caso de Artur Pastor parece-nos plausível a direção de enquadramentos e sujeitos fotografados assim como a manipulação compositiva de alguns dos objetos apresentados. Porém, mesmo que parte destas fotografias não sejam totalmente espontâneas, continuam a ter como tema aspetos concretos, técnicos e datáveis da faina agrícola, o que consolida o seu valor documental.
Com base na proposta apresentada, selecionamos 20 fotografias de Artur Pastor entre as cerca de cinco dezenas que integram a referida temática e a que tivemos acesso no sítio online do Arquivo Municipal de Lisboa. O principal critério para esta seleção foi a clareza com que estas representam determinados processos da lavoura do trigo, no Alentejo assim como a disponibilidade de informação complementar sobre as mesmas (localização, cronologia e, por vezes, o contexto do registo).
A fotografia de Artur Pastor
Nascido em 1922, em Alter do Chão, e falecido em 1990 em Lisboa, Artur Arsénio Bento Pastor foi técnico do Ministério da Agricultura e um notável e prolífero fotógrafo que direcionou o olhar para “os costumes, as tradições, o quotidiano, a vida familiar”8 do país. Pastor encontrou um território “marcado pela ideologia do estado novo, rural e muito pobre”9 onde é visível a crescente modernização num quotidiano significativamente rural.
Um dos motivos fotográficos de eleição de Pastor foram os trabalhos agrícolas. Esta preferência relaciona-se com a sua vivência. A sua origem no interior do Alentejo proporcionou, certamente, uma relação de familiaridade com o mundo rural. De igual forma, a sua carreira profissional, primeiro como regente agrícola e posteriormente como engenheiro técnico agrário, fez com que a respetiva produção fotográfica se aproximasse da sua atividade laboral. Como explica Luís Pavão, a fotografia de Pastor “coaduna com a sua profissão de regente agrícola a missão de organizar, classificar e ordenar”10. Pastor foi um dos responsáveis pela criação do Arquivo Fotográfico na Direção Geral dos Serviços Agrícolas e, a atestar a sua “larga experiência recolhendo imagens da agricultura”11, estão as cerca de 10.000 fichas “preenchidas manualmente pelo autor e com a fotografia colada”12. Muitas destas fotografias mostram locais no Alentejo como a estação de melhoramento de plantas de Elvas, o Posto de Culturas Regadias de Alvalade e a Brigada Técnica da região Agrícola de Évora13. Esta proximidade aos processos agrônomos experimentais e modernos não anulou, de todo, o registo de tarefas mais artesanais que se revelam “mais pictóricas”14, tais como: “as lavras com junta de bois ou mula, o semear manualmente, os pastores e seus rebanhos, o transporte de feno em carros de bois, a debulha manual na eira e a debulha mecânica com máquina a vapor, em imagens tão simples que por vezes são comovedoras”15. O escopo deste artigo é precisamente este conjunto de imagens.
Parte das fotografias aqui referidas foram produzidas nas três décadas mais prósperas do trabalho de Artur Pastor – 40, 50 e 60 do século XX16 – e que integram a época em que Portugal estava sob o domínio do Estado Novo (1933-1974). A ditadura cultivava uma política de “orgulhosamente sós”, apegada à exacerbação da pátria e a ideias nacionalistas contíguas a “uma mentalidade paroquial, e cultivava a imagem de um país de tradições, bucólico, por vezes bacoco”17. Essa visão que o regime tinha do país, e que pretendia divulgar no exterior, era fomentada nos salões e concursos fotográficos ligados ao sector público e às corporações “e que por isso serviam de propaganda à visão que o Estado Novo tinha do país”18. Por essa razão, é natural que a produção fotográfica promovida oficialmente estivesse firmada na estética do regime que insídia nas “tradições portuguesas junto a belas paisagens naturais ou arquiteturas históricas”19.
Não obstante o exposto, e ainda que a obra de Artur Pastor seja concordante com a estética Salazarista, uma parte muito significativa da sua obra não parte de encomendas do estado, mas sim da “capacidade, desejo e entrega”20 do próprio autor que se dedicou, com entusiasmo, a documentar aspetos do trabalho e do quotidiano do país e dos seus habitantes de forma sensível e comovente, mesmo que, muitas vezes, “sem cheiros nem mágoas, sem fome nem dor, sem exploração nem rancor”21.
Para este trabalho também é importante sublinhar a diferença entre as intenções do fotógrafo e a dos etnólogos, seus contemporâneos, como Jorge Dias, Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Enes Pereira e Fernando Galhano. Como Cristiana Bastos deixa claro, enquanto estes documentaram de forma exaustiva a materialidade dos objetos e equipamentos associados, alguns mencionados no decorrer deste artigo22, a obra de Artur Pastor é produzida através de uma série de encontros com o esforço humano – e animal –, aquando das suas atividades quotidianas e laborais. Apesar do seu percurso profissional, que exigiu a documentação visual de elementos relacionados com a agricultura, as qualidades da obra do fotógrafo não dependem da sistematização ou da análise destas práticas, mas sim da sensibilidade do mesmo em relação à dimensão lírica, estética e técnica da composição fotografada. No capítulo 5. A tração animal no cultivo de cereais e o diálogo com as fotografias de Pastor expomos o valor documental inerente à sua obra, mesmo que este seja apenas uma parte da sua dimensão enquanto objeto fotográfico.
A cultura cerealífera no Alentejo entre os séculos XIX e XX
De forma a enquadrar as atividades que envolvem a tração animal nas fotografias de Artur Pastor, deixamos algumas considerações históricas sobre o cultivo de cereais entre o final do século XIX e a década de 70 do século XX. Dada a complexidade do tema e das limitações inerentes à extensão do artigo, apenas pretendemos traçar de forma geral um contexto que integre a informação suficiente para entender os fatores determinantes para a interpretação das práticas e processos apresentados.
Em Portugal, a produção agrícola esteve continuamente associada a uma economia fechada e de subsistência. No fim do século XIX, porém, algumas exceções já se faziam sentir. Nos solos mais férteis e trigueiros do Ribatejo, Estremadura e Alentejo desenvolveu-se alguma agricultura comercial23. Contrariamente ao que acontecia em grande parte do país, nestas áreas, ainda no século XIX, proporcionou-se a introdução de um importante capital, tal como explica Pereira dos Santos:
[…] resultante do investimento de capitalistas que fizeram as suas fortunas em Lisboa. Por razões económicas e de afirmação social investiram em terra e na produção agrícola e pecuária, aproveitando as oportunidades criadas pela extinção das ordens religiosas e plena nacionalização de muitos bens eclesiásticos, posteriormente levados à praça pública24.
O capital, em muitos casos, veio substituir “a realeza e os potentados da nobreza e da Igreja, conventos e ordens religiosas e militares”25, outrora os grandes proprietários ou lavradores senhoriais do latifúndio. O capitalismo penetrou desta forma na exploração agrícola constituindo um forte lobby nas décadas subsequentes26. A preocupação primordial com o rendimento da terra levou muitas vezes o senhorio a limitar-se a arrendar a terra a curto prazo por rendas elevadas o que levou ao seu rápido esgotamento e tendo consequências negativas “na economia rural deste período”27.
Por volta do último quartel do século XIX, intensificou-se o debate político sobre o abastecimento de pão, o que desencadeia uma reflexão política com consequências imediatas28. Inicia-se, em 1889, o regime protecionista das culturas cerealíferas que dizia respeito sobretudo ao trigo29. Esta série de medidas conhecidas como a lei dos cereais, ou, como os detratores a designavam, a lei da fome30, serve de base à legislação subsequente associada ao protecionismo do trigo no século XX31.
O alento dado à agricultura com a lei dos cereais teve também o impulso da generalização da aplicação dos adubos químicos32. Desde o século XVIII que os adubos são usados, mas é nos primeiros anos do século XX que se descobre a síntese da amônia ou amoníaco, o que revolucionará o aproveitamento dos solos33.
A lei dos cereais, o uso de adubos químicos e o investimento no desenvolvimento dos caminhos de ferro e das estradas34, contribuíram, segundo a obra Alfaia Agrícola Portuguesa, para inaugurar uma nova fase na história da agricultura alentejana, pondo fim ao “período antigo, ou da charneca” e iniciando-se o “período das grandes arroteias e da generalização do emprego dos adubos químicos”35. Não devemos, contudo, desprezar como uma das forças determinantes para este desenvolvimento o “maior emprego de força de trabalho (impedida de emigrar) durante mais horas”36 e salários baixíssimos37.
No período antigo, as culturas cerealíferas eram episódicas e faziam-se “pelo sistema, muito primitivo e extensivo, das queimadas e roças (ou desmoitas)”38 da charneca39, que tinha como inconveniente a devastação pelo fogo de enormes massas de arvoredo, assim como os longos pousios “por vezes 10, 12 e 14 anos”40 em que a terra não produzia. A vida agrícola regional era, de forma geral pobre, sendo a criação de gado, principalmente gado miúdo, “o elemento económico fundamental da vida agrária”41.
Entre os finais do século XIX e a década de 50 do século XX dá-se o “período das grandes arroteias e da generalização do emprego dos adubos químicos” onde, através das grandes arroteias42, se começa a cultivar as terras, “até então bravias e incultas”43 dominadas pela charneca. Para que os “incultos” se convertessem em longas áreas de seara e de montado, foi necessário recorrer a mão de obra que vinha de dentro da própria região, assim como do Algarve e, “provavelmente em menor escala do que geralmente se tem dito, populações do Norte”44. Repare-se que “[e]sses colonos vinham com a sua junta de bois ou de jumentos e as suas alfaias”45 pois, à época, os animais de trabalho eram essenciais às atividades agrícolas e de subsistência das famílias.
Posteriormente, em 1929, inicia-se a implementação de uma série de medidas que reforçam, ainda mais, a produção de cereal, sobretudo a melhoria da produtividade, do financiamento e, em menor parte, do crescimento da área de produção46. Estas medidas, conhecidas por Campanha do Trigo, incidem sobretudo na intensificação do uso da terra, na sequência das, já referidas, medidas de 1889.
Como consequência da Campanha do Trigo os cereais viram a sua produção crescer. Note-se que o centeio, apesar da substituição da sua área de cultivo por trigo, não deixou de ver a sua área de produção aumentar, a sul do Tejo, no litoral alentejano e em xistos mais pobres, em “áreas com maior pobreza dos solos e com uma agricultura menos avançada tecnicamente, a arroteia ainda transforma matos em searas de centeio”47.
É expectável que a utilização da tração animal tenha aumentado no mesmo período, concordante com o “aumento do número de animais de trabalho e disponibilização de espaços dos pousios para a sua alimentação”48.
Porém, no decorrer de Novecentos, a evolução e a progressiva mecanização da produção de trigo abriram espaço ao decréscimo do uso de gado, dando-se uma diminuição das boiadas que se tornaram menos essenciais no trabalho agrícola49. Pereira dos Santos relaciona a diminuição ou estabilidade do número de vacas nas áreas de produção de trigo do Sul com a mecanização e com a “diminuição de pastos por expansão e intensificação agrícola”50. Não obstante, como veremos, a utilização de maquinaria agrícola não descartou imediatamente os animais de trabalho e estes só começaram a desaparecer de forma gradual a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Progressivamente, tratores e maquinaria agrícola começaram a ocupar o lugar que antes pertencia à força do gado de trabalho e à mão de obra humana. As primeiras lavouras totalmente “mecanizadas, isto é, sem gado de tração, montaram-se na área de Beja, nos anos de 1953 e 1954”51. Denomina-se esta nova fase da agricultura no Alentejo, de “Período da plena mecanização da agricultura alentejana”52.
Entre meados da década de 50 e os inícios da década de 70 acontecem transformações dramáticas na paisagem. Mantêm-se ou aumenta-se, de forma moderada, a área agrícola, abrem-se os mercados e mecaniza-se o trabalho53. Assiste-se a uma racionalização do trabalho e a uma maior preocupação com a valorização, em detrimento da pura maximização da produção da terra54. No sul do país dá-se um certo abandono da cultura do trigo, produção dominante nas décadas anteriores. As mudanças que se dão em todo o território fazem com que a agricultura, e em particular a cerealicultura alentejana e ribatejana, sofra uma radical perda de importância socioeconómica55.
Esta tendência de decréscimo na produção do trigo manteve-se até à atualidade. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, em 1990, a produção nacional deste cereal foi equivalente a 59,9% do seu consumo interno enquanto, em 2021, correspondeu apenas a 6,3%56. Uma enorme diferença se tivermos em conta, também, alguns dos anos agrícolas da década de 1930, em que o crescimento sem precedentes da produção de trigo chegou mesmo a permitir, em 1935, pela primeira, e única vez, a exportação dos excedentes da colheita de trigo57. Todavia a partir de 1936 instalou-se “uma situação definitiva de défice da produção nacional”58.
Evidentemente, com a mecanização e com a entrada de novas culturas e novos modelos de exploração dá-se o fim da utilização de animais de trabalho e consequentemente das alfaias e dos veículos de tração animal no contexto agrícola. No sul do país só muito excecionalmente alguns pequenos lavradores, arreigados ao ancestral hábito de trabalhar com animais, perpetuaram o seu uso. Damos como exemplo o registo de Ricardo Guerreiro que documentou, em 2016, uma carreta tracionada por uma junta de vacas limousine usado por António Silva, pequeno lavrador do monte Mel no concelho de Odemira59. A norte de Portugal, a Associação Portuguesa de Tração Animal (APTRAN), sediada em Bragança, tem vindo a investigar e salvaguardar este património assim como a “promover, valorizar e divulgar novas formas de utilização, numa perspectiva moderna e actual, incorporando e adaptando novos conhecimentos”60. Segundo a apresentação online dos mesmos, a associação é também vocacionada para a preservação da agrobiodiversidade, a conservação do solo assim como a incorporação desta prática numa perspetiva contemporânea articulada com o desenvolvimento rural61.
A força humana e a força animal nas searas
“Só se cuida de lavrar, de lavrar muito e semear muito. A seara é tudo. Por ela deixa-se tudo”62.
Até meados da década de 70 do século XX, o cultivo de cereais - nomeadamente da aveia, cevada e centeio, mas sobretudo do trigo-, foi dominante “em tôda a província [Alentejana]”63. Observe-se, contudo, que as condições edafoclimáticas para a triticultura em Portugal, e em particular no Alentejo, não são as ideais. Ainda que a difusão desta cultura tenha alcançado todo o país, sublinha-se a “impropriedade do nosso clima e dos nossos solos à sua prática”64. De igual forma Nunes Vacas escreve que o Alentejo não reúne “as condições mesológicas” adequadas a esta cultura65. Não obstante, as políticas protetoras cerealíferas resultaram em excelentes produções nacionais entre 1930 e 1935, sobretudo se comparadas com anos anteriores e posteriores. O Alentejo produzia cerca de dois terços da produção média anual neste período66. Reforçamos que estas boas produções não invalidam o esgotamento e incapacidade que o modelo protecionista das grandes produções de trigo demonstrou67. Este fenómeno de sobreprodução foi imediatamente seguido de uma queda de produtividade e de um défice permanente na produção nacional68. Muitos seareiros, pequenos proprietários e rendeiros foram levados à ruína69. O esgotamento da capacidade produtivas da terra e o excedente populacional contribuíram para perpetuar a realidade dramática das comunidades rurais, no entanto, mascarado pela demagogia do discurso “ideológico, conservador, e agrarista sobre o mundo rural e a vida camponesa” fomentado e perpetuado pela narrativa salazarista dos anos 3070.
No Alentejo o cultivo de trigo era feito sobretudo em grandes propriedades, as herdades, extensões, por vezes enormes que se estendiam por “toda a província”71. Geralmente, a cada herdade corresponde um monte, a casa de habitação do seu proprietário ou rendeiro e que pode ter “à sua volta as dependências e anexos requeridos”72 para garantir o funcionamento da exploração, nomeadamente as habitações dos trabalhadores da herdade, os permanentes e os temporários. Interessa-nos destacar que alguns destes montes acomodavam espaços para o abrigo e trabalho de artífices essenciais ao bom funcionamento de toda a exploração, particularmente abegães, carpinteiros e ferreiros com conhecimentos para construir e reparar as alfaias usadas nas lavouras.
No que diz respeito à criação de gado, esta foi a atividade rural a que os grandes proprietários deram preferência até ao final do século XIX73, não deixando de ter expressão posteriormente. Entre o gado criado destacamos os animais de tiro, usados como força de trabalho para a lavoura e para os transportes: bovinos e equídeos. Essenciais à lavoura, veremos como bois e muares eram utilizados nas várias fases da triticultura: na preparação da terra, nas sementeiras, no acarreto, na debulha e no transporte do cereal. A força dos animais era aplicada em sistemas agrícolas tradicionais e até mesmo em utensílios agrícolas de fabrico industrial. De igual forma veremos que o uso de animais coexistiu com a maquinaria movida a motor (Figura 7 c) e d)).
A tração animal no cultivo de cereais em diálogo com as fotografias de Artur Pastor
O uso de tração animal era frequente em todo o país até à progressiva democratização dos veículos a motor em Portugal, na primeira metade do século XX. A tração animal era, por isso, comum a uma série de atividades e, naturalmente, à agricultura. No que se refere ao cultivo de cereais no Alentejo, o vínculo entre esta cultura e a dos animais de trabalho é flagrante, estando estes presentes desde o aproveitamento das terras em pousio para a sua pastagem até à debulha e posterior transporte do grão, fechando assim um ciclo em que os equídeos e bovinos são ubíquos a toda a atividade produtiva.
Entre os estratos mais baixos da sociedade, a forma mais comum de usar os animais seria através do transporte no dorso, muitas vezes com o auxílio de uma série de apetrechos como albardas, alforges e cangalhas74. Quanto à tração animal, o seu uso também se encontrava generalizado, aplicado a veículos e a uma série de alfaias designadamente arados, charruas, grades, rastros, picadeiras, rascalhos, trilhos assim como em aparelhos de elevar água, atafonas, entre outros.
Para entender a participação da tração animal no cultivo de cereais, e particularmente nos registos de Artur Pastor, partimos de três obras: Através dos Campos75, Aspectos Antropogeo-gráficos do Alentejo76 e Alfaia Agrícola Portuguesa77. A primeira obra, de Silva Picão, ímpar na etnografia portuguesa, foi publicada pela primeira vez, sob a forma de uma série de artigos, no periódico Elvense, com início em 1891. Esta incide nos usos e costumes agrícolas do concelho de Elvas e, de forma geral, os processos descritos enquadram-se nos sistemas agrícolas disseminados no Alentejo. A segunda é uma tese de licenciatura em Ciências Geográficas apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em 1938, que, apesar de caracterizar toda a região, teve como espaço de observação privilegiado o território do concelho de Montemor-o-Novo78. Por fim, a Alfaia Agrícola Portuguesa, publicada em 1977, que compila três décadas de estudos da equipa de etnólogos associada ao Centro de Estudos de Etnologia79 e que assume a obra de Silva Picão como uma das principais referências à realidade alentejana. Todas estas publicações são janelas para a realidade que pretendemos analisar. Porém, é importante mencionar que pela vastidão do território e respetivas especificidades, podem existir processos e aspetos, como os de nomenclatura80 que, por variarem localmente, não foram contemplados nestas obras. Por outro lado, dado o distanciamento temporal desta realidade, será difícil colmatá-los atualmente. Acrescentamos que neste capítulo não será feita uma descrição exaustiva dos trabalhos agrícolas uma vez que estes estão detalhadamente descritos nas obras mencionadas. Focar-nos-emos nos procedimentos que integrariam a participação da tração animal.
Os processos da lavoura alentejana81 registados por estes autores coincidem parcialmente e, em todas as obras, surgem inúmeras referências à participação dos animais de trabalho nas atividades agrícolas. Note-se, contudo, que existem procedimentos em que a utilização da tração animal poderá não ser mencionada, o que não significa que esta força de trabalho não participasse nos mesmos. Apenas não ficaram registados por não estarem abrangidos no contexto temporal, geográfico ou circunstancial dos autores. Refira-se, a título de exemplo, a possibilidade do acarreto dos detritos resultantes da limpeza dos terrenos e da drenagem das terras assim como o transporte dos trabalhadores.
Frisamos que as obras de Artur Pastor disponíveis no sítio online do Arquivo Municipal de Lisboa não englobam todos os processos de trabalho descritos na bibliografia mencionada, até porque esta consegue ser extremamente minuciosa82. Porém, como veremos, as fotografias são representativas de todas as fases, desde a preparação da terra até ao transporte do grão após a debulha.
As lavras do alqueive e a sementeira
Para que o pão83 se fizesse era necessário que as terras fossem preparadas depois de um longo pousio que, no período visado, podia durar entre 3 a 4 anos84. Um ano antes àquele em que se devia semear a seara começa-se por fazer a limpeza das folhas85, a desmoita, que “consiste na limpeza da terra, pela arranca de todo o mato e arbustos prejudiciais que nela se encontram”86, geralmente de forma manual à força de um enxadão ou alvião87.
Depois da desmoita começavam as lavras preparatórias que precedem a sementeira, o alqueive. Cada uma destas duas ou três lavras, realizadas no outono ou na primavera88, possuem um nome específico, a primeira a relva, a segunda o atalho e a terceira, se necessária, o terceiro89. O alqueive está bem documentado na obra de Artur Pastor onde são visíveis bovinos (Figura 1) e muares (Figura 2) a puxar instrumentos aratórios.
Figura 1. Artur Pastor, a) Panorama do «2º ferro», entre 1943 e 1945, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART050097. b) «Atalho», entre 1943 e 1045, (Alentejo) © Arquivo Municipal de Lisboa | ART050101.
Figura 2. Artur Pastor, a) O trigo, [Lavra da terra com charrua], 195-, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART020104. b) Dois minutos de descanso, entre 1943 e 1045, (Alentejo) © Arquivo Municipal de Lisboa | ART050089. c) [Lavoura com charrua], entre 1943 e 1945, (Alentejo) © Arquivo Municipal de Lisboa | ART003380.
As lavouras executavam-se com arado ou charrua90 que podiam ser puxados por bois/vacas, por muares (Figura 1 e 3) ou, excecionalmente, por cavalares e asininos91. Silva Picão deixou assente que, no final do século XIX, o equipamento aratório mais difundido nas lavouras seria o arado que conservava, salvo pequenas alterações, “a feição antiquíssima que lhe davam os romanos”92 e que certamente corresponderia ao tipo de arado de garganta, ou dental93. Contudo, esta mesma obra também antecipa a popularidade das charruas e charruecas, instrumentos que se começavam a usar eficazmente, sensivelmente desde 1880. Segundo o mesmo autor, “[e]stas pequenas charruas são de reconhecida vantagem no preparo dos alqueives, cuja lavrada fica incomparavelmente superior à do arado romano”94. Por volta de 1950, já pouco se utilizava o arado tradicional para o alqueive das terras. Este era sobretudo reservado para a ocasião da sementeira95. O arado, quando empregue, sofreu alterações à sua estrutura, tendo sido “substituid[o] pela araveça96, que mais não era do que o resultado da substituição da cabeça pela pequena rodinha de madeira ou ferro, montada em alça regulável de ferro, aplicada na ponta da garganta”97. Em alguns casos foi mesmo substituído pelo charrueco - “a charrua com aiveca móvel de ferro aplicada à velha estrutura de madeira”98. Esta última parece-nos corresponder às alfaias usadas na Figura 1.
Figura 3. Artur Pastor, a) Lavoura de sementeira, entre 1943 e 1945, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART050074. b) «Embelgando», entre 1943 e 1045, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART050071.
A cada conjunto de juntas ou parelhas que por turnos lavravam as folhas dá-se o nome de píscolas. Silva Picão descreve as píscolas e todo o trabalho das lavras de forma detalhada na sua obra99. Ficamos assim com a noção do esforço e quantidade de animais necessários às lavouras que, quando menores, suportariam uma píscola de seis a dez arados puxados por bois e duas ou três mulas e, nas maiores, podiam figurar duas a três píscolas tendo cada uma oito a dez juntas e oito a dez parelhas100. Na Figura 1 a) temos uma vista do que será uma píscola em trabalho que, neste caso, nos mostra cinco juntas de bois e três parelhas.
Apesar da generalização dos meios aratórios muito mais evoluídos e mecanizados, o arado de pau continuou a ser usado em todo o Alentejo, “empregado nas sementeiras do trigo e da cevada, na abertura de regos de escoamento de águas, na arrenda de favas, etc. Grandes herdades continuavam a mantê-los em boa forma, em vista à sementeira a lanço tradicional”101. A fotografia a) da Figura 3 mostra-nos essa realidade.
Os instrumentos de lavrar que vemos nas fotografias de Artur Pastor remetem-nos para objetos de fabrico industrial, apesar da feição tradicional, com modificações e acrescentos “modernos” na sua estrutura. Estas alterações que o arado sofre são descritas na Alfaia Agrícola Portuguesa como Casos especiais e são um fenómeno resultante da progressiva modernização que se começa a sentir por todo o país na época102. As fotografias documentam, de forma visual, a progressiva modernização agrícola.
Desterroar a terra
Sobre as lavras que precediam a sementeira fazia-se a gradagem ou arroja103 de forma a desterroar104 e alisar a terra. Esta etapa era necessária para posteriormente se armar as tornas105 e para a terra receber as lavras para a sementeira. Os sistemas fundamentais para o destorroamento são realizados por meio da grade (com ou sem dentes), do rastro ou da picadeira. Na obra Alfaia Agrícola Portuguesa organizam-se as grades em tipos numerados. No Alentejo, o tipo de grade mais corrente era o de Tipo 8, de dois banzos, muito espessos e geralmente de grande formato. Esta tipologia parece coincidir com a da Figura 4, tracionada por uma junta guiada por um homem de aguilhada106 na mão. Constata-se que existiam outros sistemas e tipologias presentes no Alentejo como a grade sem dentes, a que se dá o nome de rojão, as grades de Tipo 9, 10 e 11 assim como a picadeira que “é uma espécie de trilho de rolos munidos de lâminas de ferro, em número de um a três, montados sobre uma armação rectangular”107. Todos os sistemas apresentados são tradicionalmente tirados por bovinos ou muares.
Figura 4. Artur Pastor, a) «Rojando», entre 1943 e 1945, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART050064.
Estrumar e adubar
Para fertilizar a terra usavam-se adubos sintéticos espalhados na altura da sementeira e, muitas vezes, em paralelo, o estrume, considerado essencial à boa produção era colocado nas folhas, nos anos em que estas se alqueivam108. Para dispersar os adubos químicos na terra chegaram a ser usados distribuidores mecânicos puxado por muares109. Contudo, a maior contribuição da tração animal nesta etapa foi no carregamento destas substâncias até aos terrenos que se pretendiam fertilizar.
Através de Artur Pastor chegou-nos o registo da estrumagem. A forma como se colocava o estrume na terra é mostrada na Figura 5 e é precisamente um dos aspetos que a bibliografia não detalha. Podemos ver um lavrador com um dos pés assentes no tendal da carreta e o outro na sua carga, a descarregar o estrume com uma forquilha. Este é distribuído no terreno em porções que seriam depois espalhadas de forma uniforme por toda a área. A fotografia dá-nos uma ideia do esforço físico investido nesta ação por um pequeno lavrador que recorre, ainda, inteiramente ao trabalho manual.
Figura 5. Artur Pastor, a) [Trabalhos agrícolas: espalhando estrume na terra], entre 1955 e 1970, Beja (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART003387.
Acarretar o pão
Após a desmoita, o alqueive e a semeadura, o trigo nascia e o campo tornava-se uma seara que passaria por processos como a rastilhagem, a monda e, depois do grão amadurecer, pela colheita. Na cronologia estudado, a ceifa manual era feita por todo o tipo de pessoas, desde trabalhadores agrários, locais ou exteriores (como os ratinhos provenientes da Beira), mulheres e menores: “os trabalhadores permanentes não bastavam, e tinha de vir gente de fora: as aldeias vizinhas esvaziavam-se, e toda a gente válida ia para os campos”110. Depois do pão estar ceifado e enrilhado este era acarretado para as eiras para ser debulhado. Artur Pastor deixou-nos o registo fotográfico destes processos que, por não incluírem a tração animal, e devido às limitações próprias à natureza deste trabalho, decidimos não abordar.
O acarreto do cereal para a eira foi um dos temas prediletos do fotógrafo, provavelmente por ser uma atividade marcadamente artesanal, pitoresca e em que o esforço dos trabalhadores e dos animais apresentam um grande efeito dramático. É notável o valor visual destas fotografias em que o contraste de formas, tons e texturas entre os animais, os carros, o cereal e o céu criam composições visualmente fortes, muitas vezes marcadas pelos carros que interrompem a linha de horizonte.
O transporte do cereal era feito por carros tracionados por bois ou muares, por vezes com ambos os tipos de tração a trabalhar em simultâneo. Este trabalho durava semanas e aproveitava-se sobretudo as madrugadas e as manhãs, uma vez que eram as horas da “maresia ou orvalhada”111 que humedeciam a palha e o grão, evitando “o inconveniente das espigas desbagoarem ou descabeçarem, como sucede quando há calor”112. Neste sentido, destacamos também o efeito da luz matinal na fotografia, pois permite captar efeitos luminosos e de contraste difíceis de obter a outras horas do dia.
Nas fotografias da Figura 6 a), b) e d) é possível ver carros de muares e de bois a ser acarretados por carregadores e molheiros113. Os molheiros, com o auxílio de longas forquilhas114, vão passando os molhos enrilhados ao carregador que, em cima da carga, os agarra e acondiciona de modo a preparar a carrada. Preparar as carradas requeria habilidade: “Havia mesmo despiques, entre os homens almocreves, tentando superarem-se entre si, mostrando os seus dotes, na arte de fazer carradas, com bom aspecto visual, e que chegassem inteiras á eira, sem se desmoronarem”115. Este trabalho também acartava algum risco, sobretudo no “momento critico em que se empoleira no topo da carrada, para a cerrar e atar”116, sujeitando-se o trabalhador a cair e até mesmo “a espetar-se nos fueiros e furar a pele”. O desfecho podia mesmo ser fatal, no caso do carro se mover. Por esta razão, os carros nesta tarefa tinham de ser puxados por bois e muares mansos e experientes, “entre os de maior confiança”117, de forma a evitar acidentes.
As imensas carradas de forma piramidal eram então conduzidas para a eira (Figura 6 c) e e)) e descarregadas na mesma, onde eram acomodadas nas extremidades enquanto aguardam ser debulhadas. Silva Picão deixa-nos ainda a imagem de como os almocreves conduziam depois estes carros já vazios: “guiando de pé, sobre o leito, como equilibristas garbosos que sabem do ofício…”118.
Figura 6. Artur Pastor, a) Mólho p’ra o carro, entre 1943 e 1945, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART003426. b) Carregando trigo, 195-, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART020120. c) [Transporte de trigo para a eira], entre 1943 e 1945, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART003424. d) Carregando trigo, entre 1940 e 1960, (Alentejo) © Arquivo Municipal de Lisboa | ART020121. e) Caminhando para a eira, entre 1943 e 1945, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART050160.
A debulha
Outro dos trabalhos agrícolas largamente fotografado é a debulha que, conforme o tipo, os recursos e tamanho da exploração, podia ser feita através de diferentes sistemas: A debulha a sangue ou a pé de gado, que, de forma geral, era feita através do pisoteio por éguas manadias; por meio de trilhos, alfaias agrícolas cuja função é debulhar cereais e leguminosas; através da debulhadora mecânica, máquina a vapor que veio a suplantar os sistemas de esforço animais no segundo quartel do século XX; e a debulha braçal com malho ou mangual, aplicada ao centeio e ao milho.
Artur Pastor dá-nos imagens de todos os sistemas de debulha do cereal. Entre as fotografias selecionadas apresenta-se um exemplo da debulha a sangue, na Figura 7 a), um da debulha por trilho, na Figura 7 b) e duas fotografias da debulha mecânica (Figura 7 c) e d)). Nas duas primeiras podemos ver a utilização de equídeos, enquanto nas duas últimas verifica-se a presença de uma carreta, isto é, os animais não participam na debulha propriamente dita, mas, como veremos adiante, integram trabalhos de apoio.
Figura 7. a) [Debulha do trigo], entre 1943 e 1945, © Arquivo Municipal de Lisboa | ART003431, b) [Debulha do trigo a trilho], 195-, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART020128, c) Panorama de debulha, entre 1943 e 1945, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART003441, d) Prontos para carregar, entre 1943-1945, (Alentejo) © Arquivo Municipal de Lisboa | ART050176.
Na debulha a sangue os equinos eram jungidos em cobra, isto é, aprestavam-se em grupos, com cordas presas aos colares atados ao pescoço “de forma a que fiquem todas [as éguas] presas e encobradas”119 Os animais entravam no calcadoiro e circulam sobre o cereal em rama de forma acelerada para que o pisoteio separasse o grão da espiga120. Na Alfaia Agrícola Portuguesa há um registo fotográfico no Ribatejo onde se contam 19 animais a debulhar num calcadouro121. Porém, nos registos de Artur Pastor, no Alentejo, o número é muito inferior, limitando-se a dois ou quatro animais, como podemos ver na Figura 7 a). Isto poderá dever-se ao facto de os registos terem sido feitos numa altura em que a debulhadora a vapor estava já vulgarizadas e a debulha a sangue era, então, menos frequente. Silva Picão menciona que, por regra, neste tipo de debulhas usavam-se éguas, com exceção dos pequenos lavrados e seareiros que, por falta de recursos, utilizavam qualquer “bestita”122. Na Alfaia Agrícola Portuguesa também é mencionada a utilização de gado bovino para este sistema123 todavia nas fotografias apresentadas apenas vemos equídeos (Figura 7 a) e b)).
O sistema de debulha por trilho usava a tração animal para debulhar o cereal. No Alentejo, esta alfaia debulhava através de três ou quatro rolos, de madeira com uma série de puas cravejadas em forma de faca que podem ser de ferro ou madeira124. No centro e sul do país usava-se sobretudo o trilho tipo plostellum que, por regra, é munido de um assento fixo onde se senta o indivíduo que conduz o gado125. No contexto alentejano, o trilho de “introdução recente” seria relevante sobretudo para os pequenos seareiros, uma vez que serviu sobretudo como instrumento de apoio ao sistema tradicional mais vulgar, a debulha a sangue126. Na Figura 7 b) é visível um trilho em funcionamento, tirado por uma parelha de muares. Na imagem são nítidos os apetrechos e a atrelagem usada. A ligação da alfaia aos animais faz-se por meio de amarras robustas enquanto o trilho é conduzido através de rédeas presas aos respetivos cabrestos das mulas.
A debulhadora mecânica foi um prenúncio do progresso que se fez sentir na agricultura alentejana, sobretudo após a Segunda Grande Guerra (1939-1945). A tentativa de mecanização da agricultura começou, contudo, um pouco antes, nos finais do século XIX, como se demonstrou. Se considerarmos a realidade descrita por Silva Picão, foi em 1879 que laborou, pela primeira vez, uma debulhadora mecânica em Elvas. Contudo, apesar da sua eficiência, o seu custo muito elevado fez com que só na década de 90, do século XIX127, como resultado das leis protetoras dos cereais, estas se tenham difundido nas grandes herdades. O mesmo autor dá-nos ideia do impacto que causaram na paisagem através de uma descrição bastante sensorial:
[…] os estalos dos açoites estimulando as cobras de éguas nas suas voltas donairosas pelos calcadouros de trigo, e os ecos dos manguais, batendo firmes nas camadas do centeio, são abafados pelos silvos e roncos das locomóveis e debulhadoras que, a dois passos de distância, laboram em igual mister, num afã assombroso, inacreditável há cem anos128.
A agitação deste novo instrumento agrícola reflete-se nos registos de Artur Pastor que nos mostra bem o movimento dos trabalhadores, o fumo e a poeira provocada por estes gigantes mecânicos (Figura 7 c)). Assinale-se, no entanto, que a presença deste notável instrumento não descartou o uso de animais de trabalho. Apesar de, como referido anteriormente, ter vindo ocupar o lugar da debulha a sangue particularmente nas propriedades mais abastadas, máquinas e animais continuaram a trabalhar em simultâneo, participando, contudo, em tarefas diferentes no mesmo espaço, como é atestado pelas imagens de Pastor (Figura 7 c) e d)). A tração animal auxiliava o próprio trabalho das máquinas através do transporte de água e de combustível, ambos necessários ao funcionamento da debulhadora mecânica. Nas duas fotografias apresentadas são visíveis os carros com depósito para o transporte de água. Assinalamos na Figura 7 d) a junta de bois, o carreteiro com a chamadeira, e a debulhadora praticamente no mesmo plano. Esta presença das duas forças, a animal e a mecânica, está atualmente patente no Museu Agrícola de Montemor-o-Novo em que o foco são as máquinas agrícolas, mas expondo-se o carro para o acarreto de água junto à debulhadora129.
Em simultâneo a palha que resultava da debulha do cereal necessitava de ser acartada para evitar acumular-se, e até mesmo quando era enfardada pela compressora a vapor, os fardos tinham de ser escoados. Os acarretos que “dão a saída” da palha também foram documentados por Pastor. Na Figura 8 a) é possível ver um trabalhador em esforço a acarretar os fardos para um carro de parelha.
O transporte do grão
Um dos últimos trabalhos e que encerra este ciclo é o transporte do grão do cereal, que depois de debulhado, joeirado e ensacado necessita de ser transportado para os celeiros, moagens ou, em alguns casos, “diretamente para o caminho-de-ferro”130. Esse trabalho é representado pela Figura 8 b). Apesar de desconhecermos o produto ensacado, as sacas fotografadas são similares às usadas à época para transportar o trigo. Na fotografia vemos três homens a carregar e acondicionar estas sacas num carro de parelha com quatro fueiros prolongados.
Figura 8. a) Lavrador carregando fardos de palha na carroça, entre 194 - e 1970, (Alentejo), © Arquivo Municipal de Lisboa | ART015266. b) [Trabalhos agrícolas: transportes de produtos ensacados], entre 1943 3 1945, (Alentejo) © Arquivo Municipal de Lisboa | ART003434.
A produção de trigo no Alentejo foi notável, assim como o peso que teve no país. Não é de estranhar, por isso, que à época, esta região fosse considerada “o celeiro do país”131 mesmo que este epíteto deva ser entendido, atualmente, de forma crítica. Sabemos, também, que estes grãos percorriam quilómetros e eram distribuídos por todo o país. Também aí a tração animal desempenhava o seu papel, ora no transporte do cereal para a moagem132, ora para fazer chegar o pão à população133.
Considerações finais
Parece-nos evidente que o diálogo entre a fotografia de Artur Pastor e a bibliografia apresentada enriquecem o conhecimento e a compreensão que temos da tração animal no cultivo de cereais do Alentejo. A fotografia constrói a imagem correspondente ao período estudado e aos processos agrícolas da época através da sua própria linguagem, especificamente por meio da captação da atmosfera e do movimento. Cada fotografia corresponde a um momento solidificado de uma ação.
A fotografia apresenta, igualmente, aspetos que não estão explícitos na bibliografia como no caso do acarreto e aplicação do estrume (Figura 5). Noutras situações, a fotografia dá forma e torna mais claro o que a bibliografia não consegue abarcar totalmente. As imagens fotográficas têm a capacidade de nos dar um panorama que inclui parte da paisagem circundante, a escala e o volume dos objetos, assim como uma construção figurativa do seu aspeto visual. Acresce que estas fotografias documentam processos que se encontram hoje extintos ou em vias de desaparecer134.
De acordo com as considerações tecidas inicialmente, tanto a fotografia como a bibliografia usada possuem as suas limitações pois há sempre uma decisão relativamente ao que se quer apresentar. É natural que outras realidades locais tenham coexistido, excecionais ou não, porventura mais duras e indigentes ou, contrariamente, até mais sofisticadas.
Dada a natureza deste trabalho ficaram por explorar outros aspetos que se poderiam enquadrar nesta temática, como os aprestos e a atrelagem usada nos animais que, em relação ao gado bovino, foi abordada na obra Sistemas de atrelagem dos bois em Portugal135. Também as tipologias e aspetos morfológicos relacionados com os veículos de tração animal usados, que tiveram uma particular atenção nas obras de Silva Picão e Galhano136, tiveram de ser excluídas.
Existem, dispersas em arquivos e bibliotecas, inúmeras fotografias e menções ou uso de animais de trabalho que não foram abordados, ficando assim em aberto a possibilidade de publicações futuras que acrescentem novas perspetivas através de diferentes referências e fontes documentais.
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Nunes Vacas, Mário. 1944. Aspectos Antropogeográficos do Alentejo. Coimbra: Coimbra Editora.
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Sônego, Márcio Jesus. 2011. “A fotografia como fonte histórica”. Historiæ 1 (2): 113–120.
1. Sônego 2011, 113.
2. Le Goff 1990, 473.
3. Le Goff 1990, 473.
4. Sobre a evidência da pobreza veja-se, a título de exemplo, a descrição que Silva Picão faz das crianças que andavam a recolher lenha, “descalços e rotos”, e que se aproximam dos trabalhadores da lavoura: “Para os mais deles, o que os impele a estas caminhadas, é a fome que sentem e que decerto saciarão ali entre a ganharia […]”. Silva Picão 1983, 316.
5. Exposição que viria dar origem ao catálogo Artur Pastor, obra de referência, editado em 2021 e cujos textos são citados no presente artigo. Bastos 2021; Corda 2021; Fernandes 2021; Pavão 2021.
6. Bastos 2021, 150.
7. Na maioria dos casos, seria necessário um grande esforço para recriação dos trabalhos agrícolas à escala apresentada. Por esse motivo supomos que os temas e os processos representados são reais e correspondem aos praticados à época.
8. Corda 2021, 13.
9. Corda 2021, 13.
10. Pavão 2021, 20.
11. Pavão 2021, 26.
12. Pavão 2021, 26.
13. Pavão 2021, 26.
14. Pavão 2021, 20.
15. Pavão 2021, 20.
16. Fernandes 2021, 129.
17. Fernandes 2021, 138.
18. Fernandes 2021, 138.
19. Fernandes 2021, 129.
20. Bastos 2021, 153.
21. Bastos 2021, 152.
22. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995.
23. Pereira dos Santos 2017, 10.
24. Pereira dos Santos 2017, 10.
25. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 80.
26. Veja-se o capítulo “Agricultura e política Agrícola; O país que nós perdemos” em: Rosas 1993, 431-450.
27. Veja-se o capítulo “A «Grei Agrária»” em: Rosas 1993, 31-59.
28. Pereira dos Santos 2017, 10.
29. Reis 1979, 747.
30. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 95.
31. Reis 1979, 745.
32. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 95.
33. Pereira dos Santos 2017, 37-38.
34. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 95.
35. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 89-134.
36. Rosas 1993, 259.
37. Rosas 1993, 53.
38. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 89.
39. Charneca “vegetação xerófila que cresce nas regiões incultas e arenosas, caracterizada por arbustos e plantas herbáceas resistentes, semelhante ao maqui mediterrânico e ao chaparral norte-americano. / terreno onde ocorre este tipo de vegetação”. Houaiss e Villar 2002, 898. Segundo a obra Alfaia Agrícola Portuguesa é “a terra bravia, contínua e inculta, seca e erma, coberta de matagais daquelas espécies arbustivas, habitados por animais selváticos, lobos e javalis, e mais antigamente, além desses, por ursos e veados, e infestados de salteadores que neles a acoitavam” Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 72. Acreditamos que a “charneca” no Alentejo corresponde a um tipo de coberto vegetal de feição mediterrânica cujo ciclo de sucessão ecológica seria frequentemente interrompido pelas queimadas e roças para a agricultura, daí resultando uma paisagem composta maioritariamente por consociações arbustivas.
40. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 89.
41. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 94.
42. arroteia “terra inculta que se começa a lavrar por primeira vez”, forma regressiva do verbo arrotear “desmoitar, desbravar (terreno) para plantação/ cultivar pela primeira vez; lavrar para o primeiro cultivo”. Houaiss e Villar 2002, 394.
43. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 94.
44. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira, 1995, 96.
45. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira, 1995, 96.
46. Pereira dos Santos 2017, 48.
47. Pereira dos Santos 2017, 49-50.
48. Pereira dos Santos 2017, 50.
49. Pereira dos Santos 2017, 50.
50. Pereira dos Santos 2017, 54.
51. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 134-135.
52. Período histórico nomeado e descrito na obra A Alfaia Agrícola Portuguesa. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 134-138.
53. Pereira dos Santos 2017, 65.
54. Pereira dos Santos 2017, 66.
55. Pereira dos Santos 2017, 70.
56. https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=562138924&DESTAQUESmodo=2&xlang=pt (21-11-2023).
57. https://www.ffms.pt/sites/default/files/2023-05/1930-1939.pdf (21-11-2023).
58. Rosas 1993, 259.
59. Guerreiro 2023, 31.
60. https://www.aptran.pt/sobre (27-11-2023)
61. https://www.aptran.pt/sobre (27-11-2023)
62. Picão 1983, 308.
63. Nunes Vacas 1944, 32.
64. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 14.
65. Nunes Vacas 1944, 33.
66. Nunes Vacas 1944, 33.
67. Rosas 1993, 259.
68. Rosas 1993, 259.
69. Rosas 1993, 259.
70. Rosas 1993, 53.
71. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 76.
72. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 77.
73. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 85.
74. O termo “cangalha” tem várias aceções. Quando aplicada aos veículos de tração animal, e geralmente grafada no masculino, “cangalho” refere-se à canga ao jugo que assenta sobre os animais. Quando nos referimos ao transporte no dorso de animais nomeia uma estrutura de madeira, ferro ou material vegetal para transportar lenha, vasilhas de água e outras matérias. Este termo e os seus sentidos variam conforme a região, podendo ter outros nomes locais.
75. Silva Picão 1983.
76. Nunes Vacas 1944.
77. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995.
78. Cf. nota de introdução escrita por Jorge Gaspar na reedição da obra de Nunes Vacas, no ano 2000.
79. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 5.
80. Este aspeto é claro se compararmos as obras de Silva Picão e de Nunes Vacas. Apesar dos inúmeros pontos em comum, as diferenças de nomenclatura surgem com frequência.
81. Entendemos “lavoura” como a exploração agrícola-pecuária sustentada por cada herdade ou grupo de herdades anexas. Silva Picão 1983, 13.
82. Veja-se as descrições dos processos e das jornadas de trabalho no capítulo Searas da obra Através dos Campos. Silva Picão 1983, 283-425.
83. O termo “pão” é aplicado às searas e aos grãos de trigo.
84. Silva Picão 1983, 327.
85. Dá-se o nome “folha” à parte em que as propriedades eram divididas para o cultivo de cereais. Apenas se cultivava uma folha de trigo por ano, as restantes ficariam reservadas a outras culturas e em pousio. A este sistema dá-se o nome de “afolheamentos”. Nunes Vacas 1944, 18; Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 91-93.
86. Nunes Vacas 1944, 35.
87. Silva Picão 1983, 326.
88. Conforme a cultura e a variedade do grão as sementeiras podem ser outonais ou de primavera. Ver capítulo “Searas” em Silva Picão 1983.
89. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 101.
90. Ambos os termos, “arado” e “charrua”, são usados para designar vários tipos de instrumentos aratórios por vezes designando utensílios diferentes conforme o contexto regional e local. Porém, segundo Jorge Dias, a designação “charrua” é geralmente usada “para designar os instrumentos de lavrar feitos de ferro, de fabrico industrial” Dias 1989, 52. Deixamos, contudo, assinalado que a nome charrua tem um uso pré-industrial no nosso país uma vez que surge no dicionário de Raphael Bluteau como um instrumento de lavrar maior e mais largo do que o arado Bluteau 1712-1728, 278.
91. Só alguns seareiros de baixa condição económica usariam “jumentos” em serviços de arado Silva Picão, 1983, 250.
92. Silva Picão 1983, 250.
93. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 153-163.
94. Silva Picão 1983, 260.
95. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 99.
96. Tipo de arado que apenas possuí uma aiveca fixa. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 149.
97. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 157-158.
98. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 158.
99. Silva Picão 1983, 298-308.
100. Silva Picão 1983, 298.
101. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 158.
102. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 198.
103. Nunes Vacas 1944, 40.
104. Desfazer os torrões de forma a deixar o solo mais uniforme e facilitar a germinação das sementes.
105. Nome que se dá à subdivisão das folhas e que se define como: “porções de terreno limitadas por regatos, estradas, arrifes, vales, vertentes, etc. Chamam-se-lhes tornas, por cada qual constituir um campo distinto, que se lavra em separado, de harmonia com a sua configuração geométrica”. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 102.
106. “Vara comprida com ferrão na ponta, us. para picar os bois, guiando-os ou estimulando-os no trabalho” Houaiss e Villar 2005, 363. Silva Picão regista a vara dos carreteiros para conduzir os bois como chamadeiras. Silva Picão 1983, 380.
107. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 226.
108. Silva Picão 1983, 284.
109. Silva Picão 1983, 334.
110. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 84.
111. Silva Picão 1983, 379.
112. Silva Picão 1983, 379.
113. Trabalhador que auxilia o carregador na tarefa de carregar o carro.
114. Também chamado de forcado. Silva Picão 1983, 380.
115. Pananças 2018. António do Carmo Martins, de Santo Amador (Moura), em maio de 2020, também nos relatou durante uma conversa informal este aspeto acrescentando que o maior desafio seria o de fazer e manter os molhos de cevada branca uma vez que era a mais escorregadia.
116. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 381.
117. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 381.
118. Silva Picão 1983, 383.
119. Silva Picão 1983, 389.
120. Silva Picão 1983, 388-389.
121. Fotografia 215 em Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, s. p.
122. Silva Picão 1983.
123. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 310.
124. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 304.
125. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 307.
126. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 310.
127. Silva Picão deixa registado que o primeiro lavrador a usar uma debulhadora mecânica no concelho de Elvas foi Joaquim Lúcio de Couto que a teria alugado a Sebastião Alvarez de Borba. Silva Picão 1983, 262-263.
128. Silva Picão 1983, 248.
129. Visível a 11 de junho de 2023 durante visita guiada ao Museu Agrícola de Montemor-o-Novo com o proprietário, Isidoro Jeremias, que nos explicou o enquadramento dos vários objetos no contexto expositivo concebido pelo próprio.
130. Galhano, Pereira e Veiga de Oliveira 1995, 419.
131. Nunes Vacas 1944, 34.
132. Veja-se a fotografia de Artur Pastor com a cota ART009282 no sítio online do Arquivo Municipal de Lisboa onde é visível um carro de besta junto a um moinho de vento no Algarve.
133. Veja-se a descrição do carro de capoeira usado para a venda de pão em Esteves 2007, 121-122.
134. Veja-se a notícia do jornal Publico sobre o uso atual e improvável de uma debulhadora da década de 40: https://www.publico.pt/2020/08/01/local/noticia/cadaval-faco-acto-resistencia-precisamos-trigo-1926330
(13-12-2023).
135. Galhano, Oliveira e Pereira 1973.
136. Galhano 1973.