Francisco Canella
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Recibido: 24-03-2022
Aceptado: 13-09-2022
Cómo citar:
Canella, Francisco (2022). Trajetórias de vida de migrantes e periferia urbana: reflexões sobre uma ocupação urbana em Florianópolis/SC. Hábitat y Sociedad, 15, 93-112. https://doi.org/10.12795/HabitatySociedad.2022.i15.05
Resumo O crescimento de favelas e de outros espaços ocupados pela pobreza em cidades de médio porte brasileiras - resultado, ao mesmo tempo, da intensificação de persistentes questões estruturais, como a migração campo/cidade - tem apontado para a reconfiguração desses espaços. Neste sentido, o exame das trajetórias de vida de migrantes permite evidenciar a dinâmica de espaços pobres por eles habitados e o surgimento de novos atores na cena pública da cidade. Além da discussão conceitual acerca de trajetória de vida, no artigo se trabalha o conceito de classe popular, assim como se discutem noções como periferia urbana e favela. Para investigação do tema, com base em metodologia qualitativa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas em uma ocupação urbana que surgiu em Florianópolis no ano de 2012. Para o artigo, foram analisadas duas trajetórias de vida de lideranças locais. Por meio delas, foi possível desdobrar melhor essa realidade e apresentar novas configurações do processo de crescimento nos espaços habitados pela população, sua complexidade e elucidar a questão da vulnerabilidade social e econômica nas cidades brasileiras. |
Resumen El crecimiento de las favelas y otros espacios ocupados por la pobreza en las ciudades medianas brasileñas - resultado, al mismo tiempo, de la intensificación de problemas estructurales persistentes, como la migración rural/ciudad -, ha apuntado a la reconfiguración de estos espacios. En este sentido, el examen de las trayectorias de vida de los migrantes permite evidenciar la dinámica de los espacios pobres habitados por ellos y la emergencia de nuevos actores en la escena pública de la ciudad. Además de la discusión conceptual sobre la trayectoria de vida, el artículo trabaja sobre el concepto de clase popular, bien como discute nociones como periferia urbana y favela. Para investigar el tema, con base en la metodología cualitativa, se realizaron entrevistas semiestructuradas en una ocupación urbana que surgió en Florianópolis en 2012. Para el artículo, se analizaron dos trayectorias de vida de líderes locales. A través de ellas, fue posible desplegar mejor esta realidad y presentar nuevas configuraciones del proceso de crecimiento de los espacios habitados por la población, su complejidad y dilucidar la cuestión de la vulnerabilidad social y económica en las ciudades brasileñas. |
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Palavras-chave Trajetórias de vida; Periferia urbana; Favela; Migrantes; Habitação popular. |
Palabras clave Trayectorias de vida; Periferia urbana; Chabolas; Migrantes; Viviendas populares. |
Abstract The growth of favelas and other spaces occupied by poverty in medium-sized Brazilian cities - a result, at the same time, of the intensification of persistent structural issues, such as rural/city migration - has pointed to the reconfiguration of these spaces. In this sense, the examination of the life trajectories of migrants makes it possible to highlight the dynamics of poor spaces inhabited by them and the emergence of new actors in the public scene of the city. In addition to the conceptual discussion about the trajectory of life, the article works on the concept of popular class, as well as discussing notions such as urban periphery and favela. To investigate the theme, based on qualitative methodology, semi-structured interviews were carried out in an urban occupation that emerged in Florianópolis in 2012. For the article, two life trajectories of local leaders were analyzed. Through them, it was possible to better unfold this reality and present new configurations of the growth process in the spaces inhabited by the population, its complexity and elucidate the issue of social and economic vulnerability in Brazilian cities. |
Keywords Life trajectories; Urban periphery; Shanty town; Migrants; Popular housing. |
O crescimento da população urbana nesse início de século XXI coloca novos e velhos problemas sociais: de um lado, questões estruturais não resolvidas e que se acentuam nas cidades dos países de capitalismo periférico. Por outro lado, apresentam novas dinâmicas, acompanhando mudanças na resolução dos conflitos e na constituição dos atores políticos. O crescimento de favelas e de outros espaços ocupados pela pobreza nas grandes metrópoles, mas também em cidades de médio porte, como Florianópolis, têm sido fartamente estudados no Brasil e em outros países. Estas novas áreas, caracterizadas por forte presença de população migrante, embora apontem para a persistência de antigas questões, se reconfiguram à luz da intensificação dos processos recentes de expansão urbana.
Segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as cidades de porte médio (com população entre 100 mil e 500 mil habitantes) são as que mais crescem no país (IBGE, 2010). O que rompe com a ideia estabelecida de que cidades com problemas são as grandes metrópoles nacionais – notadamente, no caso brasileiro, Rio de Janeiro e São Paulo - com a intensificação do processo de crescimento populacional e de urbanização. As cidades médias passaram a conviver com problemas típicos das grandes metrópoles.
No caso de Florianópolis, a dificuldade no enfrentamento das demandas impostas pelo crescimento foi acrescida pelo projeto de cidade das elites locais, que o vinculou ao desenvolvimento do setor turístico, por sua vez intrinsecamente ligado ao processo de valorização imobiliária. Nesse contexto, a invisibilização da pobreza atendeu ao duplo propósito de permitir a expansão do setor imobiliário e de promover uma imagem de cidade como “paraíso turístico” (sob o slogan “Ilha da Magia”). Uma das consequências foi o pouco investimento em habitação social na cidade, problema agravado pela litoralização do estado de Santa Catarina. Nas últimas décadas, a Mesorregião da Grande Florianópolis teve um saldo migratório elevado, com a vinda de muitos migrantes do interior de Santa Catarina e de outros estados brasileiros. A expansão de áreas de ocupação irregular resultou na intensificação de conflitos que envolvem o solo urbano, consolidando novos atores políticos e sociais na esfera pública citadina: as lideranças de movimentos de luta por moradia.
É com o objetivo de compreender a emergência desses novos atores que são analisadas as trajetórias de vida de dois migrantes (um homem e uma mulher) que se tornaram liderança nessas áreas de ocupação urbana em Florianópolis[1]. Para tanto, impõe-se também responder a questões como: Quem são esses novos atores e quais seus perfis de classe? O que nos dizem suas trajetórias sobre a cidade? Como a trajetória migratória impacta as suas experiências de viver na cidade?
O trabalho em desenvolvimento parte do pressuposto de que o exame de trajetórias de vida de pessoas que migraram de outras cidades ou zonas rurais para determinadas áreas urbanas pode elucidar e aprofundar a compreensão da forma como se constituem novos atores políticos nesses processos recentes de expansão urbana.
O presente artigo resulta de uma investigação, ainda em curso, que compreende um conjunto amplo de entrevistas em diferentes áreas de ocupação urbana da Grande Florianópolis. A meta é, seguindo as orientações metodológicas da História Oral, entrevistar 20 lideranças que tenham participado das ocupações registradas na última década em municípios da Grande Florianópolis.
O trabalho de campo precisou de alterações em seu cronograma, em razão das medidas sanitárias impostas pela pandemia da Covid-19, tendo sido, até o momento, completadas as entrevistas e reconstituídas as trajetórias de vida de dez lideranças. As entrevistas semiestruturadas seguiram um roteiro básico, dividido em três blocos: um primeiro, sobre a história de vida até a idade adulta, com perguntas sobre vida familiar, infância e adolescência, além de questões relativas à escolarização e ao trabalho; um segundo bloco, sobre a trajetória migrante: cidades e bairros onde viveu, motivação para migrar e questões sobre como chegou até a ocupação); o terceiro bloco de questões é voltado à vida atual: ocupações laborais; projetos de vida e participação política (como liderança).
Para a análise das entrevistas, foi criado um sistema de codificação a partir da leitura atenta de seu conteúdo. Foi realizada uma seleção de palavras, expressões e/ou ideias que se repetiam e que haviam sido significativas na entrevista (Bogdan e Biklen, 1994). Em seguida, foram confrontadas com as principais variáveis com que se montou o problema da pesquisa. Desse modo, a partir das categorias de codificação criadas por esses procedimentos, as entrevistas foram classificadas e analisadas.
As trajetórias de vida aqui selecionadas não correspondem a uma representatividade estatística da localidade em que se situam. Como coloca a historiadora Sabina Loriga, “não é necessário que o indivíduo represente um caso típico”, pois as “vidas que se afastam da média” permitem perceber melhor “o equilíbrio entre a especificidade do destino pessoal e o conjunto do sistema social” (Loriga, 1998, pp. 248-249). Podemos entender as referidas trajetórias nos termos de Daniel Bertaux (2010), como “fragmentos particulares de realidade sócio-histórica” (p. 16). Ao recuperar a dimensão diacrônica de processos sociais por meio de biografias que trazem ao pesquisador “narrativas de prática em situação”, é possível “começar a compreender os contextos sociais nos quais elas se inscrevem e que elas contribuem para reproduzir ou para transformar” (ob. cit., p. 17).
Trata-se, portanto, de uma amostra intencional não probabilística de uma pesquisa qualitativa. O critério estabelecido para a seleção dos vinte entrevistados foi o de ser morador(a) da ocupação e o de desempenhar função de liderança na localidade. Para o presente artigo, foram selecionadas duas entrevistas, com as quais se buscou reconstituir as trajetórias de vida das lideranças locais.
No caso de Helena, um dos critérios que orientou sua escolha para o presente artigo foi o de constituir uma liderança feminina ativa, já de longa data, na localidade. Além de ser mulher, ela é migrante, proveniente de área rural de uma mesorregião do estado, de onde procedem muitos migrantes das cidades litorâneas de Santa Catarina.
Ricardo, por sua vez, é também uma liderança bastante atuante, com projetos implantados na localidade. No entanto, e isso é importante para nossa análise, ele é parte de um contingente cada vez mais presente nas ocupações irregulares nesse início de século XXI: migrantes de áreas urbanas com um perfil de classe que foge ao que historicamente se encontrava em áreas de periferia urbana de muitas cidades: migrante de área rural, de município pequeno e pouco escolarizado. Já Ricardo expressa a diversidade que se encontra em áreas de pobreza urbana hoje, no Brasil.
Ao mesmo tempo, ao se estabelecer relação entre a trajetória de vida e um contexto macrossocial, não se pretendeu reconstituí-la como unidade, criando uma ilusão biográfica, tal como na crítica endereçada por Bourdieu (1996) ao método biográfico tradicional (Cfr. p. 184). Neste processo, constrói-se arbitrariamente uma linearidade histórica a partir do que antes eram traços isolados.
Não se pretende, com isso, que as trajetórias individuais não apresentem articulação com o sistema social e sua história (Cfr. Marinho, 2017, pp. 25-49). As trajetórias dos indivíduos são pensadas em articulação com o sistema social no qual eles estão inseridos; não, porém, numa relação linear ou em perfeita coerência com a lógica que preside o sistema social, pois o indivíduo pode estabelecer relações que podem ser de reprodução ou de negação dessa ordem. A compreensão da relação entre o sistema social e o indivíduo não significa que sua posição social forneça a “chave-mestra de compreensão de suas condutas e atitudes”, como observa Martuccelli (2007, p. 31). Apontando os limites dessa simplificação, este autor reafirma a necessidade de se reinventar o trabalho da contextualização:
No es más posible compreender la sociedad la cual estamos viviendo sin tomar em cuenta las nuevas modalidades por las que la sociedad se fabrica y fabrica a los actores. Y para dar cuenta de estos procesos, es necesario buscar otros operadores analíticos y son estos nuevos operadores (la reflexividad, las pruebas...) que me invitan a darle más importancia analítica al nivel del individuo, y por ende abocarme al trabajo de contextualización con nuevos criterios y exigencias. (ob. cit., p. 31)
Ao recuperar a dimensão diacrônica de processos sociais por meio de biografias que trazem ao pesquisador “narrativas de prática em situação”, é possível começar a compreender, como escreve Bertaux (2010, p. 17), os contextos sociais nos quais tais narrativas se inscrevem e o quanto contribuem para reproduzir ou transformar.
O autor, ao reivindicar uma abordagem etnossociológica para as narrativas de vida, é enfático em destacar que essa perspectiva deve buscar compreender as relações e processos sociais estruturais. Assim, os fragmentos particulares de realidade sócio-histórica proporcionados pelas trajetórias de vida devem servir como um ponto de referência para se compreender como se configura o desenvolvimento do capitalismo periférico, especialmente nos processos migratórios e nas periferias nos processos de expansão urbana.
A contextualização das trajetórias de vida deve, portanto, ser buscada em sua complexidade. Neste sentido, um contexto mais amplo diz respeito não somente às particularidades de Florianópolis e dos processos migratórios que envolvem diretamente as trajetórias de vida da população aqui analisada, mas à forma como essas dinâmicas específicas estão articuladas com o contexto mais amplo do país (pensando o país, por sua vez, como inserido numa dinâmica global). Ou seja, não se perde de vista que as narrativas de vida aqui analisadas se desdobram no contexto de vidas que se reproduzem sob as condições de um país de capitalismo periférico. Embora busquemos as especificidades dessas trajetórias, sabemos que suas narrativas se desenvolvem num quadro mais amplo de experiências compartilhadas. Citamos, como exemplo, a experiência migratória, que é marcada pela especificidade de como se desenvolveu o capitalismo no Brasil e na América Latina.
Ao fazer referência ao termo ‘capitalismo periférico’, tem-se por base o conjunto de autores que buscaram compreender as relações centro-periferia a partir de especificidades espaço-temporais, de estatais e de escala das situações concretas das economias subdesenvolvidas e dependentes da periferia, como as economias de países da América Latina (Brandão e Barcellos, 2019, p. 27). Nesse conjunto, há um leque bastante diversificado de autores. A se destacar, dentre eles, Raúl Prebisch (1986) e Ruy Mauro Marini (1969; 1973). Nos limites do presente artigo, interessa destacar que a condição subalterna de países como o Brasil impôs o subdesenvolvimento não como uma etapa, mas como uma forma constitutiva de sociedade, na qual a subalternidade é marca fundamental nas relações centro-periferia. Outro aspecto suscitado por esse debate é o das consequências que o processo de modernização conservador teve sobre a população das periferias das cidades brasileiras. Uma sociedade baseada na superexploração do trabalho, que acarretou o rebaixamento dos salários, o aumento da jornada de trabalho e, como consequência, desemprego e subempregos crônicos, concentração de renda, tudo dentro de um processo em que direitos sociais básicos não foram considerados e muito menos consolidados. A industrialização da agricultura promoveu massivos movimentos de expulsão de população da zona rural (Brandão e Barcellos, 2019, cfr. p. 34). A migração campo-cidade e a expansão das favelas em diferentes regiões do país foram (e continuam sendo) um reflexo dessa dinâmica de exclusão, como argumenta Lúcio Kowarick (2006). “O não reconhecimento dos direitos sociais, como o direito à moradia”, escreve o autor, “teve como contrapartida a estigmatização da população que vive em áreas irregulares nas cidades brasileiras, pejorativamente denominadas como ‘faveladas’” (ob. cit., p. 77).
Em razão desse emprego estigmatizador, o termo favela merece ser pontuado quanto à sua origem e significado. O que pode ser considerado favela no Brasil envolve uma discussão bastante complexa, desenvolvida tanto no âmbito das políticas sociais, quanto nas ciências sociais e nas imagens produzidas pela mídia, envolvendo a classificação, sob diferentes critérios, de áreas bastante distintas entre si.
A socióloga Lícia do Prado Valladares, no livro A invenção da favela (2005), traçou uma linha evolutiva do fenômeno, cuja origem, na cidade do Rio de Janeiro, pode ser identificada nos cortiços do século XIX, quando havia uma forte reação de rejeição e preconceito contra seus moradores (Cfr. pp. 22-49). Ao longo do século XX, ocorreram mudanças na relação das classes dominantes com a favela, com o desenvolvimento de estratégias voltadas ao controle da população, evoluindo, posteriormente, para a sua positivação (“a favela enquanto comunidade”), promovida por setores da Igreja e por cientistas sociais (ob. cit., pp. 119-152). Mais recentemente, apontou Valladares, a favela tornou-se um fenômeno midiático (ob. cit., pp. 153 -157).
Capital do estado de Santa Catarina, com 516.524 habitantes, numa área conurbada de 1.003.765 habitantes, Florianópolis está localizada no sul do Brasil – região formada por três estados, os quais apresentam os menores índices de pobreza e desigualdade. A maior parte de sua área territorial está localizada numa ilha, cercada por mais de 40 praias paradisíacas, com natureza exuberante (abriga a vegetação da Mata Atlântica em sua porção mais meridional). Com o slogan “Ilha da Magia”, a partir dos anos 1980, as elites locais procuraram consolidar a imagem de Florianópolis como cidade paradisíaca, sem os problemas sociais das outras regiões brasileiras. Reforçaria essa imagem o fato de a Região Sul ter recebido desde meados do século XIX grandes levas de imigrantes europeus, permitindo associar os dados econômicos e sociais positivos ao perfil de uma população mais branca, se comparada com a de outras regiões do país.
A afirmação de “vocação turística” de Florianópolis, sob o slogan “Ilha da Magia”, teve como uma de suas consequências a invisibilização da pobreza. Os problemas sociais não podiam estar aparentes, sob pena de prejudicar os investimentos na cidade-mercadoria. No entanto, a cidade crescia, passando a conviver com novos problemas, como a intensa valorização imobiliária que, advinda com o turismo, dificultava à população mais pobre o acesso à moradia, reforçando os processos de segregação urbana. Assim, com o fim da ditadura militar e o processo de redemocratização (década de 1980), intensificaram-se os conflitos em torno da moradia. Neste cenário, movimentos sociais, como o movimento dos sem-teto e o movimento ecologista, tiveram importante papel no sentido de desconstruir essa narrativa nos anos 1980 – 1990 (Canella, 2019, cfr. pp. 96-109). Ao promover lutas tendo por mote o ‘direito à cidade’, as ocupações de terrenos públicos organizadas pelo movimento dos sem-teto promoveram o acesso à moradia para aqueles que participaram dos movimentos, questionando, na prática, o projeto das elites locais.
A tentativa de invisibilizar a pobreza e os problemas sociais e ambientais em nome de uma valorização do mercado imobiliário e dos empreendimentos turísticos envolveu, portanto, um processo de lutas políticas e de disputas simbólicas, em que se confrontavam interesses econômicos, de um lado, e a luta por direitos sociais e ambientais, por outro (Fantin, 2000, cfr. p. 28).
No entanto, os problemas de moradia persistem em Florianópolis. De acordo com os dados do último censo do IBGE, havia em Florianópolis, em 2010, um déficit de 14.847 domicílios. Fernando Calheiros (2020, cfr. p. 50) observa que 7.257 unidades – o equivalente a 50% desse total - estavam relacionadas com o gasto excessivo com o aluguel. Diante desse quadro, intensificaram-se as ocupações urbanas na Grande Florianópolis, com o surgimento de inúmeros conflitos em torno da questão da moradia. Documento divulgado pela Conferência Municipal de Habitação de Interesse Social observou que havia uma projeção de busca por recursos junto ao governo federal para a construção de 1.400 moradias por ano. No entanto, de 2012 até 2019, menos de 400 moradias foram construídas.
Como observa a arquiteta e urbanista Maria Inês Sugai, porém, os espaços de pobreza vêm se expandindo também pela ilha, tendo como consequência a emergência de processos conflitivos:
As intensas disputas pela ocupação do solo urbano, a distribuição desigual dos investimentos públicos e a ausência de políticas que garantam o direito à moradia vêm ampliando o processo imobiliário especulativo, dificultando o acesso à terra pela população de menor renda e reproduzindo as desigualdades socioespaciais e os processos segregativos. (Sugai, 2009, p. 166)
Dessa forma, na última década emergiram, na cena pública dos municípios da Grande Florianópolis, diversas disputas em torno do solo urbano e da moradia. Cito, a seguir, os anos de surgimento dessas ocupações (ou “invasões”, como preferem seus opositores) nos respectivos municípios da Grande Florianópolis. Em São José: Ocupação Contestado (2012) e Vale da Palmeiras (2020); em Florianópolis: Palmares (2012), Comuna Amarildo (2013), Fabiano de Cristo (2014), Marielle Franco (2013), Vila Esperança (2017) e Anita Garibaldi (2021); em Palhoça: Nova Esperança (2016), Beira-Rio (2016), Mestre Moa (2016) e Ocupação Elza Soares (2022).
Assim, o processo de expansão da periferia, denominado nos meios de comunicação como “favelização”, tem sido o resultado do crescimento populacional, com a migração cada vez mais intensa para o litoral de Santa Catarina e da ausência de uma política habitacional de interesse social.
Com relação aos processos migratórios, o estado de Santa Catarina tem apresentado taxas de crescimento populacional superiores aos da média nacional. No período mais recente, entre 2010 e 2017, a média nacional foi de 1,21%, enquanto a catarinense foi de 1,57% (IBGE, 2017). Isto se deve ao fato de o estado “configurar-se como polo de absorção regional, nacional e mesmo internacional de migrantes” (Assis, Canella, Brightwell e Magalhães, 2019, p. 128). Entre os estados da Região Sul, foi o único que aumentou a sua participação no total da população brasileira.
Os deslocamentos internos da população do campo para a cidade intensificaram-se a partir da segunda metade do século XX (Assis et al., p. 128). Esse processo de desruralização e concomitante urbanização conduziu a uma concentração da população em alguns centros urbanos, localizados na Mesorregião Norte Catarinense, na do Vale do Itajaí e na da Grande Florianópolis (Mioto, Lins e Matei, 2010, cfr. p. 284). As taxas de crescimento negativo da população rural se acentuaram no período 1991-2000, década na qual ocorreu a reestruturação produtiva e patrimonial das empresas em Santa Catarina (Cfr. p. 285). No ano de 2007, as dez maiores cidades catarinenses concentravam 40% da população do estado (IBGE, 2010).
A valorização do metro quadrado na ilha, que elevou o preço dos aluguéis, não deixou alternativas, obrigando os trabalhadores a ocuparem áreas irregularmente. Tal processo de disputas tem sido descrito por políticos, empresários da construção civil e setores da mídia como processo de “favelização”. Foi o caso de um largo dossiê, chamado de “Relatório”, publicado por um grande veículo da mídia impressa, televisiva e digital de Florianópolis. Tal reportagem, em matéria de capa dominical, teve, como título, “Cidade ameaçada” (Notícias do Dia, 2020). O relatório, publicado como um caderno anexo ao jornal, estendeu-se por 36 páginas, com reportagens bem produzidas. Seu teor foi o da acusação dos moradores e moradoras dessas áreas. O editorial do Relatório intitulava-se: “Basta às invasões”. As referências a essas áreas sempre remetiam ao termo “favela” ou “favelização”.
Essa relação entre grandes veículos da imprensa e o interesse do capital privado não é inédita. O estudo de Miriam Santini de Abreu (2019), que analisa as ocupações urbanas nas coberturas jornalísticas de dois grandes veículos da imprensa local, evidenciou o caráter ideológico do jornalismo e sua articulação com os interesses do capital privado. A produção, a um só tempo material e simbólica, da cidade-mercadoria em Florianópolis pode ser tomada como ponto de partida para abordar a questão das trajetórias dos moradores das áreas periféricas, pois traduz muito do que tem sido feito diante do problema habitacional na capital: ausência de políticas públicas votadas à habitação popular, acompanhadas da estigmatização e mesmo da criminalização de seus moradores e moradoras.
Foi por meio da mídia que o emprego generalizado do termo favela chegou a Florianópolis. Favela não era uma categoria original da cidade. O termo ‘comunidade’, até meados dos anos 1990, era mais comumente empregado, e até em oposição à ideia de favela, e prossegue sendo empregado, pois se pretende evitar o estigma da favela (Birman, 2008; Canella, 2019). No entanto, a intensificação do processo de periferização da Grande Florianópolis tornou cada vez mais recorrente na cidade o termo favela. Seu uso, pela população em geral e pela mídia, é mais recente e pode ser atribuído à disseminação do termo na mídia nacional, a partir de eventos que envolvem a expansão de favelas no Rio de Janeiro, especialmente a partir dos anos 1990. Essa genérica definição tem designado áreas que guardam em comum o fato de serem habitadas por população de baixa renda, em condição fundiária irregular, sem planejamento e com traçado irregular de ruas, surgidas da ocupação espontânea do solo e com equipamentos urbanos e infraestrutura deficientes (Abiko e Coelho, 2019, cfr. p. 23).
A importação do termo para designar áreas muito diversas se tem disseminado pelo país. Como observa Valladares, isso estimula o dogma de uma suposta unidade, que inexistiria mesmo em seu habitat de origem, o Rio de Janeiro: não existe a “favela carioca”, segundo a socióloga, pois essas áreas são extremamente diversas. Com relação a isso, a autora ataca mais dois dogmas que proliferam nos estudos sobre as favelas no Brasil: o da especificidade e o da pobreza. Com relação ao primeiro dogma, observa Lícia Valladares que, por ser a favela um território geograficamente diferente, acredita-se ser socialmente diferenciado também. Ou seja, atribui-se ao território da favela uma especificidade social que nem sempre é verificada, ou dificilmente comprovada, até por inexistirem suficientes análises comparativas. Há um universo extremamente heterogêneo de outras áreas habitadas pela população pobre: loteamentos irregulares; loteamentos clandestinos; áreas de cortiços; bairros de periferia.
O não reconhecimento da heterogeneidade tem sido dificultado pelo que a autora denomina de dogma da pobreza, que encobre a presença cada vez maior de estratos sociais diversos, como o de famílias de classe média. Esta é uma das diferenças presentes entre as favelas. Normalmente, a mais recente numa área de periferia tende a ser mais pobre do que outra, mais antiga e consolidada.
Ao mesmo tempo, servem tais dogmas para estigmatizar as populações moradoras dessas áreas da cidade. Como exemplo, o referido dossiê (ou “Relatório”), produzido pelo jornal local (impresso e digital), que apontava o risco de a cidade se tornar uma grande favela, tal como ocorria no Rio de Janeiro. O tal caderno, no entanto, o fazia sem problematizar a ausência de uma política de habitação social e um modelo econômico que atraísse a migração para o litoral.
O artigo, a partir de agora, se debruçará sobre a vida desses migrantes, e suas dificuldades em morar. Suas histórias, ao se encontrarem na mesma localidade de Florianópolis, confrontam-se com a ausência de políticas habitacionais. No contexto do crescimento das cidades brasileiras, essa ausência tem configurado a dinâmica migratória como uma questão social, cuja consequência pode ser conferida na expansão das periferias das cidades.
As trajetórias abordadas a seguir referem-se à de uma mulher (Helena, 40 anos, negra, nascida num pequeno município rural de Santa Catarina)[2], e à de um homem (Ricardo, 38 anos, branco, nascido em Porto Alegre), cujas vidas têm origem e percursos diversos, mas que se encontram numa mesma localidade da periferia de Florianópolis. No caso, uma ocupação surgida de forma espontânea no início da década anterior (em 2013). Localizada no alto de um morro, apesar do difícil acesso, situa-se muito próximo ao centro da cidade e à Universidade Federal, com acesso a diferentes bairros e próximo a oportunidades de trabalho. A área ocupada se divide em uma parte pertencente a um grande proprietário de terras no município, e a outra, a terras públicas. Em fins de 2021, já somavam mais de 200 domicílios. Com obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal - sob a presidência de Dilma Roussef -, o asfalto chegou à localidade, facilitando o acesso, despertando o interesse do capital imobiliário, uma vez que o local, no alto do morro, tem uma vista privilegiada de uma das baías que circundam a cidade. A partir das tentativas de despejo das famílias, que resultou na demolição de uma série de moradias ao longo dos anos, os moradores passaram a se organizar coletivamente, vindo a integrar o Movimento Nacional de Luta por Moradia, passando a resistir com mobilizações e o apoio de uma assessoria jurídica. Tanto Helena quanto Ricardo tornaram-se lideranças na resistência organizada da ocupação.
Quando migrou de uma pequena cidade da região oeste catarinense para Florianópolis, Helena tinha estudado apenas até o segundo ano do ensino fundamental. De família muito pobre, de vários irmãos, foi deixada com uma família para trabalhar em serviços domésticos, em troca de casa, comida e escola. No entanto, a família não cumpriu o acordo quanto aos estudos:
... daí muito cedo já saí da casa dos pais, e lá é muito comum a gente sair cedo de casa assim pra morar em casa de família, né, pra estudar e pra poder ajudar a família nos gastos, porque é muito difícil a situação lá. E aí foi assim a minha infância lá. (Helena, 40 anos, depoimento concedido a Francisco Canella e a Ana Carolina Martins da Silva, em 24 de abril de 2021)
Aí está a explicação de sua baixa escolaridade. Aos 12 anos de idade, migrou com sua família para o litoral, na expectativa de arrumar mais trabalho. Com pouco estudo, o que lhe restou foi o trabalho como diarista (fazendo faxina nas casas).
Ao chegar em Florianópolis, morou em uma área pobre, localizada na parte insular da cidade. Pouco tempo depois, mudou-se para o município vizinho de São José. Sentindo a dificuldade do trabalho como diarista, concluiu seus estudos e fez curso para trabalhar como segurança. Trabalhou em empresas prestadoras de serviços. Atualmente, trabalha como autônoma em eventos específicos, normalmente nos finais de semana.
Helena retornou em 2018 à área onde havia morado quando chegou. Ao saber de uma ocupação clandestina (que, na verdade, vinha sendo ocupada desde 2012), vislumbrou ali sua chance de “fugir do aluguel”. Pagou R$ 4.000,00 por um lote. Sem dinheiro para material de construção e para pagar a mão de obra, contou com a ajuda de amigos e parentes para a construção da casa. Tendo conseguido madeiras, ela e filhos (tem quatro filhos, a mais velha com pouco mais de 20 anos, e o mais novo, com 9 anos) construíram a casa em mutirão. Tem uma relação de idas e vindas com o pai de seus filhos.
Com as ações de despejo promovidas pelo poder público contra a ocupação, Helena engajou-se ativamente na defesa da moradia e se tornou uma das principais lideranças locais. Participou na formação da coordenação local de moradores (embrião de uma futura associação) e passou a estar presente nas inúmeras mobilizações e atividades públicas promovidas pelo movimento de luta por moradia na Grande Florianópolis.
No enfrentamento das ações de despejo da polícia (algumas delas sem ordem judicial), Helena tem sido sempre uma das mulheres que se punham à frente (a presença de mulheres muitas vezes inibe uma ação repressiva mais violenta por parte dos policiais). Com isso, somado ao fato de fazer falas muito contundentes e emotivas que conquistam os que ouvem, Helena ganhou legitimidade como liderança local, sendo considerada a pessoa de enfrentamento, imprescindível numa localidade que vive sob constante ameaça da polícia. Importante observar que a insegurança presente entre os moradores não se restringe às ações de despejo, mas a um cotidiano de arbitrárias e violentas abordagens policiais. Sob o pretexto de apreensão de drogas, frequentemente jovens da localidade são conduzidos presos de forma irregular, até mesmo sem qualquer flagrante) e sofrem agressões de parte dessas autoridades, que também invadem casas de moradores sem qualquer envolvimento com atividades ilegais.
Em sua trajetória de vida, é notável como Helena reelaborou as experiências vivenciadas, conferindo a elas um sentido de valorização da vida coletiva, das práticas que transcendem o individualismo. Uma dessas significativas experiências é relatada por ela da seguinte forma:
Cara, eu acho que enquanto nós não vivermos dentro de uma comunidade como realmente parte, e já vendo que temos que fazer nossa parte com os moradores, que temos que limpar nossa rua, porque é ali que tudo vai passar, não tem que esperar nada em troca realmente; quando a gente começar a pensar assim, quando a gente começar a entender que eu conheço vocês, agora que a gente tem contato e que ver vocês como pessoas que podem somar comigo na luta, podem aprender alguma coisa comigo e eu aprender com vocês, mas que não é um contato pessoal meu, tem que ser algo aqui dentro, alguma demanda, algum assunto que eu vou levar pra vocês vai ser de uma demanda do coletivo, e não trazer isso pro meu pessoal, sabe, porque eu digo assim, ó, a mesma dor de fome que dá no filho do João, dá no filho da Maria também. A gente tem que ser muito mais humano assim, ó. Eu prefiro não ter também junto com a Maria, e nós tentarmos juntas resolver o nosso problema do que talvez eu ficar em uma situação que seja cômoda pra mim. (Helena)
O interessante é que ela relaciona essa percepção, que modifica inclusive a sua inserção e a forma de participação nas atividades de organização local, com experiências vividas em sua luta pela sobrevivência. Durante a pandemia, com poucos eventos acontecendo, Helena, com poucas opções de trabalho, passou a vender água nos sinais de trânsito da cidade. Quando ocorria apreensão de sua mercadoria por ação de agentes públicos de fiscalização, ela transformava seu sentimento de inconformidade numa ação voltada para a comunidade onde vive. Assim, ela relata o que sofreu:
Ainda consigo acreditar que só vamos mesmo mudar as coisas quando for nós, por completo; mesmo assim, sabe, nós mesmo, vou acreditar. Só sei que é assim que vamos conseguir mudar as coisas, e voltando de como foi que pensou em fazer isso, foi... uma coisa que, que é nosso, mas que eu, eu pensei, eu tenho, eu tinha essa ideia, porque eu pensei assim, que eu tava perdendo água, né, na rua. Mesmo agora na pandemia, foi uma época que, foi um dia que a polícia foi lá pegar toda minha mercadoria, toda minha água, de conter sobre isso, as pessoas já. Nesse dia eu voltei pra casa, fiquei bem triste, bem chateada, e aí eu pensei: em uma semana eu fiz, eu preciso voltá pra rua, vender alguma coisa, fazer alguma coisa. Aí, um dias desses, quando tava fazendo uma semana, aí eu acordei e pensei assim: cara eu tenho comida em casa. Eu acho que vamos fazer alguma coisa na comunidade. Vou tentar. Eu acho que pode ter pessoas que tão precisando mais que eu nesse momento. E foi aí que a gente conversou com a Mara, que deu o primeiro suporte, o primeiro apoio, tanto emocional quanto prático. Ali, emocional que eu digo de ela ter entendido a situação e ter acolhido a ideia, e aí eu conversei. Fui conversar com a companheira, a moradora, falei: “Olha, o que você acha de a gente tentar construir aqui juntas... e aí a gente começou a conversar e vimos que era isso mesmo, que a gente ia somar junto; mas, claro, a gente também acompanhava a conversa dos grupos e via a situação. (Helena)
Na citação acima, a entrevistada procura revelar a origem dos sentimentos que a motivaram à realização de um trabalho que envolveu o esforço de um dedicado grupo de muitas mulheres. Ela e suas vizinhas, num total de oito mulheres, começaram, duas vezes por semana, a fazer janta para as pessoas que estavam passando dificuldades na ocupação. Com a pandemia, muitas pessoas estavam desempregadas, sem qualquer fonte de renda. Assim, conseguiram apoio de organizações não governamentais, ligadas a movimentos sociais (como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra), que forneciam parte dos alimentos necessários para fazer as jantas (cerca de 80, duas vezes na semana).
O episódio narrado por Helena revela também outra dimensão da sua relação com a localidade. O voltar-se para o coletivo, o “tentar resolver juntas os problemas” envolveu também a dimensão de sua vida privada. As jantas eram feitas em sua casa, numa movimentação que acabou gerando problemas com a família, especialmente com seu companheiro (o “pai de seus filhos”, como costumava se referir a ele). As constantes separações do casal estavam ligadas também à sua participação como liderança na ocupação. Em razão disso, foi feita uma ampliação da casa, construindo uma imensa varanda que permitia levar o fogão próximo à rua, facilitando a distribuição das jantas e evitando atrapalhar o cotidiano de sua família.
Ao se tornar líder, Helena teve a sua vida tornada pública. Sua casa é evidência disso, por se haver tornado uma área intermediária entre o espaço público da localidade e o privado da sua casa. Sobre isso, a antropóloga Antonádia Borges (2013) analisou mulheres com presença pública bastante ativa na África do Sul e no Brasil. Buscando compreender o sentido conferido por essas mulheres à casa, a autora percebeu, em sua investigação, que, mesmo com matizes distintos, as casas não são “espaços privados, exclusivos, e consequentemente separados do espaço público – este, sim, ‘comum’, tanto no sentido de pertencer a todos (ou a quase todos), como de ser regido por regras mais ou menos compartilhadas que tornam o convívio entre estranhos viável” (ob. cit., p. 217). Elas experimentam em suas casas formas de vida não domésticas: “Através do trabalho político, cotidianamente levado a cabo sob o teto de suas casas, a hospitalidade forjada se revela fruto de um esforço político em favor de uma convivialidade que não obedece aos limites e separações modernistas do tempo e do espaço” (ob. cit., p. 218).
A experiência envolvendo as mulheres nessa ocupação urbana aponta para o que uma literatura feminista tem observado com relação às práticas de cuidado. Em tais experiências, são transpostos os limites da separação público-privado. Isto pode ser verificado em contextos bastante diferentes do aqui analisado - como os campos de refugiados estudados por Inka Stock (2019), onde se desenvolvem práticas de cuidado. Sobre isso, é importante o que Isin e Nielsen (2008) observam relativamente à cidadania, que se torna possível por meio do que eles denominam de “atos de cidadania”, que, coletivos ou individuais, são os que rompem com padrões sócio-históricos e com sua mera repetição (Isin e Nielsen, 2008, p. 2).
O cuidado de Helena com a comunidade, com os que tinham fome, remeteu ao coletivo (janta comunitária) o que antes era da ordem do privado (prover suas próprias necessidades), rompendo com os padrões historicamente estabelecidos. As práticas de cuidado passaram, assim, a constituir espaços políticos feminizados a partir do cotidiano, conferindo-lhes visibilidade e reconhecimento na localidade em que vivem.
Embora o perfil social de Helena possa ser indicado como um exemplo do que ocorre com vários migrantes que deixam o campo em direção à cidade, o olhar atento dirigido à sua trajetória permite entender os meandros da experiência migrante, especialmente nos casos em que a experiência envolveu situações conflitivas, de disputa pela terra ou de defesa da moradia. Houve, de fato, dificuldades na adaptação de seu equipamento cultural à vida da cidade. Sua pouca escolarização e a não profissionalização, a pouca renda e a dificuldade de morar a obrigaram a se adaptar a novas formas de morar, com novas vizinhanças e códigos estranhos aos da sua região de origem. A migração para a cidade significou perdas, mas houve reação e processos de busca de autonomia e empoderamento. Nessa percepção dos limites, passou a estudar. Concluiu o ensino médio por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Fez cursos. Profissionalizou-se na área de segurança privada e patrimonial. O mais importante é que redimensionou a sua relação no âmbito privado, tornando-se liderança na ocupação, com papel público no plano local. Esta contrapartida pode ser interpretada dentro de uma perspectiva de empoderamento[3], tal como nos movimentos que precederam os da presente década, nos anos 1980-1990, em Florianópolis. Nessa perspectiva, Teresa Kleba Lisboa (2002) analisou mulheres que, tal como Helena, migraram do campo para a capital nas décadas anteriores, formando bairros da periferia de Florianópolis (cfr. p. 36). Assim é que encontramos na trajetória de Helena uma linha de continuidade, não apenas na questão da exclusão, mas também nas formas específicas de inserção na nova realidade. Nestes casos, com experiências que podem ser transformadoras no sentido da superação/enfrentamento de situações de vulnerabilidade social e econômica.
Vindo de Porto Alegre, de uma grande capital, com outra vivência de cidade e sendo de outra classe social, Ricardo poderia ser considerado uma figura atípica na ocupação. Na verdade, porém, representa a diversidade nas áreas, hoje, de ocupação irregular. Mesmo considerando-se como pertencente a uma classe média baixa, tem uma experiência de classe bastante diversa da dos moradores de muitas dessas ocupações, pois viveu no exterior; frequentou universidade; buscou trabalho qualificado (curso para trabalhar em plataforma de petróleo); tem o discurso articulado de quem tem antiga e regular militância em organizações de esquerda (no caso, o Partido dos Trabalhadores).
Aos 25 anos de idade, em 2007, migrou para a Nova Zelândia, e por lá permaneceu por quatro anos. Regressou à sua cidade natal e, pouco tempo depois, veio para o litoral catarinense trabalhar como garçom. O motivo de sua mudança foi não estar se sentindo bem, desconfortável com a morte do pai, a quem, por estar fora do país, só conseguiu acompanhar em seus últimos dias. Após a temporada de verão, mudou-se para o Rio de Janeiro, para realizar um curso para trabalhar em plataforma de petróleo. De lá, passou a residir em Palhoça, município da área conurbada da Grande Florianópolis e trabalhou com telemarketing. Nesse período, frequentou a universidade - cursou graduação em Educação Física. Essa busca por qualificação profissional é um traço distintivo de Ricardo em comparação com a trajetória de Helena, e de muitos de seus vizinhos.
Em 2016, mudou-se para Florianópolis, permanecendo num bairro popular próximo ao centro (“no alto de um morro, onde tinha vista para a baía”, segundo seu relato), e foi “trabalhar de Uber”, até mudar-se para Curitiba, em 2018, para fazer a segurança do acampamento do ex-presidente Lula, que se encontrava preso nessa cidade. No mesmo ano, regressou a Florianópolis, também por motivos políticos, para trabalhar na campanha eleitoral para a presidência pelo Partido dos Trabalhadores. Viveu um tempo com o sobrinho, num bairro afastado do centro da cidade.
O relato acima revela um percurso marcado pela instabilidade, tanto no trabalho, quanto na moradia, decorrente de um empobrecimento de sua família, de classe média baixa. Embora profissionalmente qualificado, com cursos técnicos e formação de nível superior, sua trajetória no mundo do trabalho é marcada por oscilações, por constantes mudanças (segurança, telemarketing, garçom, motorista de aplicativo) e dificuldade em concretizar um projeto profissional que envolvesse sua formação superior. Essa mesma instabilidade está presente nas constantes mudanças de residência, assim como nas mudanças de cidades. Mas há um componente de escolha: nem sempre a mudança foi ditada diretamente pela busca de trabalho. Entre as razões que o levaram a migrar, consta também a da busca por um lugar em que se sentisse melhor, ou por questões relacionadas à militância política.
Ricardo representa essa nova cara da periferia brasileira. Coabita com esses moradores, em que pese sua origem diferenciada. De modo ambíguo, enfrenta a situação admitindo, de um lado, constrangimento, e de outro, reconhecendo não pertencer a esse lugar. Destaca, em seu depoimento:
Por mais que eu já trabalhe com o movimento social já a minha vida toda - eu sou filiado ao PT há muito tempo e milito por essa causa há muito tempo -, você viver numa ocupação urbana é uma coisa bem..., é uma experiência bem... às vezes traumática, mas ao mesmo tempo você vê que ali é o povo, né, a classe trabalhadora que tá ali, e foi difícil no começo, assim, até pra mim aceitar estar numa ocupação urbana, né, um pouco do orgulho, talvez; também meio pesado por eu ser branco e ser também um pouco diferente da população que ali habita, né. Eles me viam até com um certo preconceito, assim, de me olhar assim: - Hi, esse branco tá fazendo aqui, né, esse cara aí, cara de playboy, o que tá fazendo aqui, né? (Ricardo, 38 anos, entrevista concedida a Miriam Santini de Abreu, 13 de julho de 2021)
Seu discurso envereda por uma identificação com os moradores, ao se sentir parte de um mesmo conjunto indiferenciado: “nós, os trabalhadores”. Neste mesmo sentido (o da indiferenciação), orgulha-se em razão de ser da esquerda, mas ser da classe trabalhadora e explorada (e estar no centro dos conflitos) e, por isso, ter uma prática que o diferencia da esquerda de classe média.
O ponto que parece ser mais instigante na análise da peculiar trajetória de Ricardo é essa dificuldade de o enquadrar como classe, o que já não ocorre com os outros moradores. E isso se dá em razão das específicas relações (com o trabalho, com a política, com os estudos, com os locais em que viveu, com as pessoas com quem conviveu) que ele foi construindo ao longo de sua vida. Ele se autodefine como pertencente à “classe média baixa”, associando isso ao local de moradia em que foi criado:
Um condomínio habitacional como se fosse uma Cohab aonde, atrás desse meu condomínio, tinha uma ocupação urbana igual. A gente chamava de vila lá em Porto Alegre, aonde nós tinha uma infância privilegiada com relação a essas pessoas. Então, já notava que existia uma diferença social entre eu e eles. Mesmo sendo de classe média baixa, tive uma infância muito boa: joguei futebol muito tempo da minha vida. Nossa diversão, na época, era jogar futebol, sempre vivendo coletivamente, por ser pobre, sem acesso a videogame, a bicicleta, a esses, a esses materiais, né, que só quem tinha condições poderia ter; então a gente vivia brincando na rua. Foi uma infância muito feliz. (Ricardo)
O presente caso permite considerar a distinção analítica estabelecida por Jessé Souza para tratar do que se denomina genericamente como classes populares no Brasil. Em sua conceituação de classe, faz distinção entre a “ralé estrutural” e os “batalhadores”, uns e outros parte da classe popular. Valendo-se do conceito de habitus de Pierre Bourdieu, a ralé estrutural seria caracterizada pelo habitus precário, que inclui:
[...] aquele tipo de personalidade e disposições de comportamento que não atendem às demandas objetivas para que, seja um indivíduo, seja um grupo social, possa ser considerado útil e produtivo em uma sociedade de tipo moderno e competitivo, podendo gozar de reconhecimento social com todas as suas dramáticas consequências existenciais e políticas. (Souza, 2003, p. 167)
No caso dos batalhadores, o autor identifica um habitus primário, caracterizado por “precondições sociais, econômicas e políticas do sujeito útil, digno e cidadão [...] reconhecido intersubjetivamente como tal” (ob. cit.), o que se coaduna com o perfil de Ricardo: trabalhador, profissionalizado, integrado ao mundo do trabalho, mesmo enfrentando situações de instabilidade.
Sua trajetória permite também desconstruir aquilo que Lícia Valladares denominou como um dos dogmas sobre a favela (em seus estudos sobre a favela carioca), que é o dogma da favela como território da pobreza. Assim a autora se manifesta em entrevista a Carla Rodrigues:
Há uma associação direta de favela com pobreza. Mas essa visão que legitimou a favela como território da pobreza evita pensar que na favela haja uma classe média e cada vez maior diversidade social. Há estratossociais diferenciados lá dentro. A ideia de que os pobres moram nas favelas não é mais necessariamente verdade, porque morar na favela já se tornou caro. (Valladares, 2006)
Ao se aproximar de um perfil muito parecido com o de uma classe média, a presença de Ricardo na favela contribui para desconstruir outro dogma apontado por Lícia Valladares, que é o da especificidade:
O dogma da especificidade sobrevive porque não há estudos comparativos. Assim, sem comparações, sempre se encontram especificidades de um objeto naquele universo. Isso é reforçado por existir, de fato, uma especificidade geográfica. O espaço da favela é diferente, irregular, não é legalizado, tem normas próprias. Porque é geograficamente diferente, é como se fosse socialmente diferente. Nada comprova que seja socialmente diferente. (Valladares, 2006)
Ricardo também valoriza a participação das mulheres na organização local:
[...] aí foi a parte que eu fiquei mais chocado com a garra das mulheres, porque os policiais queriam descer atrás da casa comunitária pra poder ir derrubar uma casa e as mulheres se agarraram nos policiais, que foi uma coisa! Foi uma ação involuntária delas, de alto risco, porque os policiais podiam atirar nelas, né, legítima defesa deles. Poderiam alegar isso. Então é um risco. Elas se agarraram nos policiais; não deixaram os policiais descer. (Ricardo)
Reconhece a potencialidade do lugar; incorpora em sua percepção a importância da ocupação, com seu estigma de favela; transita para uma estrutura de serviços que a aproxima da realidade dos bairros da cidade, permitindo uma vida mais confortável aos seus moradores e moradoras. Na topografia da favela, o estar em cima, no alto do morro, sempre se colocou como uma das principais dificuldades para seus habitantes. É a favela percebida por Lícia Valladares (2006): não mais o lugar exclusivo da precariedade e da pobreza, mas de possibilidades econômicas, integrando um circuito de comércio próprio. Continua Ricardo em seu depoimento:
Por exemplo, ali nós não tinha nada de comércio. Pra gente poder comprar alguma coisa, a gente ou desce até o Saco dos Limões, que é ali no Imperatriz, ou a gente subia um pedaço do Morro em direção ao Mont Serrat, na Serrinha, para comprar alguma coisa. Com essa demanda, com esse movimento de pessoas dentro da ocupação, acabou surgindo uns comércios que começou a ser uma coisa legal, né, virou um ponto de encontro: - Ah, vamo ali no Joely, ah, eu vou ali no Joely comprar um arroz, comprar uma carne, o que fazia também gerar uma economia local que é bem legal, né. Só que com o preço nem todos conseguem participar disso porque, às vezes, prefere descer lá embaixo, pagar 50 centavos a menos porque a condição financeira... mas eu acho que quanto mais gente, isso também nos ajudou, entre aspas, a questão é que quanto mais pessoas, parece que a gente se sente mais protegido contra a opressão do Estado, né! A gente pensa, pô, se antes era 30, agora somos 60, agora nós somos 90, mesmo que isso diminua o seu espaço físico na ocupação, né, que antes nós tinha mais áreas abertas onde era mais público, hoje já está com as casas, né?” (Ricardo)
Neste sentido, tal como Helena, Ricardo percebe a localidade de forma positiva, especialmente pela questão da organização coletiva. Sobre isso, cabe ainda destacar que ele, no decorrer de setembro de 2021, iniciou um projeto de futebol com crianças e jovens da ‘ocupação’ chamado de “Meninos do Parque”, postado em rede social. Ele enxerga possiblidades na ocupação, articulando o morar na localidade com um projeto de futuro que passa por iniciativas coletivas. Essa inciativa pode ser atribuída ao seu projeto político, mas não pode ser desvinculada de sua relação com o habitar o local:
Além da questão territorial, [...] a gente consegue ver a Baía Sul, né! E isso é uma coisa, isso é uma coisa... Pô, a gente mora numa ocupação urbana e consegue ver a água, né; isso é uma coisa bem legal, né, que pra mim é uma coisa que, ó, que lugar legal, além de ser uma questão, uma área central, né, também, de Florianópolis. Mas o que mais, o que mais me deixa feliz – [...] é a coletividade. Isso é uma coisa, meu, que por mais que a gente saiba que o pobre é um povo mais unido do que a burguesia, morar num local onde, apesar de ter briga lá dentro, como qualquer local, existe uma comunhão de pessoas ali que pensam parecido, que tem esse espírito coletivo. Eu não sei se é porque eles já vêm sofrendo também opressão de ameaça de despejo há muito tempo, já passaram por um processo judicial, já passaram por três despejos e com a resistência do pessoal se tornou ali uma família ali; a gente tem, eu tenho o maior orgulho de falar que eu moro aqui. (Ricardo)
Tal como demonstrado com Helena, para Ricardo o habitar uma casa em ocupação adquire um outro sentido além do simplesmente morar, e esse sentido passa pela busca de vivências coletivas. Com isso, ele ressignifica a situação de precariedade da localidade em que habita, percebendo nas adversidades possibilidades de futuro.
O “olhar mais de perto”, possibilitado pelo exame atento das trajetórias de vida individuais, pode elucidar importantes dimensões da reconfiguração das periferias urbanas no Brasil contemporâneo. Com relação às favelas do Rio de Janeiro, Lícia Valladares evidenciou, em seus estudos, como as mudanças sociais no âmbito da educação, por exemplo, têm afetado a estrutura social das favelas. A autora chamou a atenção para a mobilidade social presente nessas transformações, valendo-se do caso de um novo grupo social constituído por estudantes universitários (Cfr. Valladares, 2009; 2005, p. 162). Tais processos são atribuídos às políticas sociais e à consolidação de muitas favelas, cuja infraestrutura, serviços e equipamentos as aproximam dos bairros não classificados como favelas. O presente estudo aponta para essa presença, mais heterogênea em seu perfil de classe, em áreas de ocupação cujas lutas ainda não consolidaram suas conquistas, em áreas de infraestrutura precária e ameaçada por ações de despejo.
A experiência migratória se articulou com as experiências de moradia e de classe social nas duas trajetórias analisadas. Ambos os casos são histórias de vida marcadas pela instabilidade e pela ausência de políticas sociais que garantam trabalho e moradia. A trajetória de vida de Helena evidencia a persistência de questões estruturais relacionadas ao crescimento de população em vulnerabilidade social e econômica, habitando áreas segregadas da cidade. Na ausência de uma política pública voltada à habitação de interesse social, o crescimento de áreas de pobreza na cidade reforça o estigma da pobreza (tida como indesejada, criminalizada e a ser combatida). Neste sentido, a trajetória de Ricardo, ao revelar outras presenças sociais, que não apenas a da pobreza, aponta para dados relevantes: o do empobrecimento da população e o da falta de alternativas em relação a trabalho e moradia.
Desse modo, é possível afirmar que a migração, ao fazer deles moradores de área irregular, modifica a trajetória de vida dessas lideranças, tanto em suas percepções do que seja o habitar, quanto em suas percepções e práticas políticas (especialmente no caso de Helena, visto que Ricardo vinha de uma trajetória com participação política). Vistas por esse ângulo, as trajetórias de vida aqui examinadas permitiram à presente investigação compreender a forma como os processos sociais se articulam com cada uma das biografias, produzindo no individuo respostas para a superação dos limites postos pelo sistema social - no caso, a situação de vulnerabilidade social em que se encontram.
Conclui-se, isso tudo posto e admitido, que o refinamento e uma análise mais meticulosa dos estudos sobre periferias, estudos nos quais se articulam trajetórias individuais com seu contexto e as determinações macrossociais, podem ser um caminho profícuo para a compreensão de processos de resistência coletiva e de empoderamento, apesar da precariedade de suas condições de vida.
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[1] A investigação intitula-se “As lutas por moradia e a participação das mulheres: histórias de vida de lideranças em Florianópolis e Lisboa” (2018).
[2] Com a finalidade de manter o anonimato dos/as informantes, são utilizados nomes fictícios no presente artigo.
[3] Segundo Assis e Siqueira (2021), a ideia de empoderamento está ligada a uma luta coletiva do movimento de mulheres negras. O termo tem sido utilizado também por ativistas, ongs e empresas que buscam apoiar mulheres migrantes e refugiadas. Muitas vezes, esse conteúdo de justiça social e organização coletiva é esvaziado. No entanto, no caso analisado, estamos destacando justamente um processo de empoderamento que está inserido numa luta coletiva e com ela articulado (Assis e Siqueira, 2021).